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3. ACIDENTES DE TRABALHO: VIGILÂNCIA E SAÚDE DO TRABALHADOR

3.1. Da Constituição Federal de 1988 ao SUS de 1990

3.1.1. A criação do SUS e as diretrizes da saúde do trabalhador

Antes mesmo que fosse promulgada a Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990 – a chamada Lei Orgânica de Saúde –, criou-se, por meio de decreto presidencial, a primeira formatação da gestão do que será o SUS. A Lei no 8.028, de 12 de Abril de 1990 dispôs sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios e, no caso do Ministério da Saúde, criou dentre seus órgãos específicos o Conselho Nacional de Saúde – CNS. Este, por sua vez, foi estruturado pelo Decreto no 99.438, de 7 de Agosto de 1990 (revogado em 2006) e teve como algumas de suas competências: atuar na formulação da estratégia e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, em nível federal; aprovar os critérios e valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistência; propor critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais. Além disso, sua composição compreendia representantes de ministérios e de setores da sociedade civil66.

Posteriormente, a Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990 confere forma ao Sistema Único de Saúde e atribui ao Ministério da Saúde a direção do SUS no âmbito nacional (incluído aí o CNS), bem como as Secretarias Estaduais e Municipais para as suas respectivas instâncias. Mais uma vez, a prevenção e redução de riscos de doenças e agravos aparecem em destaque. São basicamente quatro as ações do campo de atuação do SUS no que diz respeito

66 No seu texto original, o Decreto no 99.438 assim estabeleceu a composição do CNS: “Art. 2° O CNS,

presidido pelo Ministro de Estado da Saúde, tem a seguinte composição: I. um representante do Ministério da Educação; II. um representante do Ministério do Trabalho e da Previdência Social; III. um representante do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento; IV. um representante do Ministério da Ação Social; V. um representante do Ministério da Saúde; VI. um representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass); VII. um representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems); VIII. um representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT); IX. um representante da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT); X. um representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); XI. um representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA); XII. um representante da Confederação Nacional do Comércio (CNC); XIII. um representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI); XIV. um representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); XV. um representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); XVI. dois representantes do Conselho Nacional das Associações de Moradores (Conam); XVII. um representante das seguintes entidades nacionais de representação dos médicos: Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e Federação Nacional dos Médicos (FNM); XVIII. dois representantes das entidades nacionais de representação de outros profissionais da área de saúde; XIX. dois representantes das seguintes entidades prestadoras de serviços privados na área de saúde: Federação Nacional de Estabelecimentos e Serviços de Saúde (Fenaess), Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Associação Brasileira de Hospitais (ABH) e Confederação das Misericórdias do Brasil; XX. cinco representantes de entidades representativas de portadores de patologias; e XXI. três representantes da comunidade científica e da sociedade civil, indicados pelo Ministro de Estado da Saúde.”

aos seus objetivos e atribuições, conforme especifica o seu artigo 6º: a) vigilância sanitária; b) vigilância epidemiológica; c) saúde do trabalhador; d) assistência terapêutica e integral, inclusive farmacêutica. Com relação à saúde do trabalhador, a lei assim a define, no mesmo artigo:

§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária67, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores,

assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;

III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.

Das quatro ações citadas, a saúde do trabalhador é aquela que possui a maior e mais detalhada definição e não são poucas as medidas a serem adotadas. Além de utilizar as vigilâncias epidemiológica e sanitária, deve o SUS, dentre outras coisas: realizar uma ampla gama de estudos sobre as condições e riscos do processo de trabalho; normatizar, fiscalizar e

67 Pela mesma lei n. 8.080/1990, “(...) entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de

eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.” E por vigilância epidemiológica, “... um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.”

controlar diversos aspectos do processo produtivo; promover ações educativas junto aos trabalhadores e trabalhadoras, utilizando o conhecimento gerado acerca das particularidades de realização do trabalho; monitorar as doenças geradas pelo trabalho juntamente com as entidades sindicais e, se for o caso, requerer até mesmo a interdição de todo o ambiente de trabalho. Deve-se destacar ainda que esta Lei Orgânica amplia o conceito de vigilância epidemiológica, antes atribuído para doenças transmissíveis e agora estendido para quaisquer doenças e agravos, de forma que a qualidade da informação depende sobremaneira da coleta de dados realizada no local onde ocorre o evento sanitário68.

Finalmente, a Lei no 8.142, de 28 de Dezembro de 1990, completou a estruturação do SUS ao dispor sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências de recursos financeiros intergovernamentais para a área de saúde. Conseguiu delimitar assim as duas instâncias colegiadas que haviam sofrido veto na Lei no 8.08069: a Conferência de Saúde, com reunião quadrienal e representação de segmentos sociais para propor diretrizes para a formulação de políticas de saúde nos níveis correspondentes e o Conselho de Saúde, órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo, composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, para formular estratégias e controlar a execução da política de saúde na instância correspondente.

Vale destacar, por fim, que, além da importância dos estudos epidemiológicos para a promoção da saúde, estes assumem importância para o financiamento das ações em saúde. A Lei no 8.080 estabeleceu em seu artigo 35 que os valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios devem combinar, segundo análise técnica de programas e projetos, os critérios de perfil demográfico da região, perfil epidemiológico da população a ser coberta, características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área, dentre outras, sendo que a metade dos recursos para os Estados e Municípios será distribuída de acordo com o número de habitantes70. A Lei no 8.142, por sua vez, prevê que até que seja regulamentada a aplicação daqueles critérios, vale o parágrafo primeiro do artigo 35 da Lei no 8.080, segundo o qual “metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo o

68 Sobre isso, cf. “Guia de Vigilância Epidemiológica” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

69 O artigo 11 da Lei 8.080 sofreu veto presidencial, e estabeleceria a Conferência de Saúde e o Conselho de

Saúde. A justificativa apresentada no veto, através da mensagem no 680 da Presidência da República ao

Presidente do Senado Federal, utilizou o argumento de que isso iria ferir a Constituição, na medida em que seria de iniciativa privativa do Presidente a criação de órgãos da Administração Pública, assim como a estruturação de

Ministérios e de que a Lei no 8.028, de 12 de Abril de 1990 já previa a criação do Conselho Nacional de Saúde,

com atribuições que seriam coincidentes com as dos órgãos criados pelo artigo 11 da Lei 8.080.

70 Lembrando ainda que o orçamento do SUS deve ter proposta elaborada por sua direção nacional, com

participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social e de acordo com as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de qualquer procedimento prévio”. Este parágrafo, por sua vez, somente foi revogado por meio da Lei Complementar no 141, de 13 de Janeiro de 201271.

É importante reter tudo isso, porque é a partir desta legislação que se estabelece as diretrizes das políticas de saúde, desencadeando por seu turno os mecanismos para realização de todas estas atividades e tendo agora o crivo de uma constituição democrática. Uma vez que vimos alguns aspectos importantes da estruturação do SUS, vamos passar a seguir ao modus

operandi de suas políticas. Se os princípios estabelecidos nestas leis que acabamos de ver são bastante claros, o mesmo não se pode afirmar sobre a forma como foi sendo elaborado o desenho institucional através de suas políticas. Diferente do caso do Ministério da Previdência Social que vimos no primeiro capítulo, o Ministério da Saúde desenvolveu uma legislação mais complexa através de um número e variedade enormes de portarias e documentos.

3.2. Normas e dispositivos operacionais do SUS: sistemas de informação e saúde dos