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A criação e Organização Territorial do PDS Esperança

No documento Universidade Federal do Pará (páginas 79-93)

3. FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DA TRANSAMAZÔNICA

3.3 A criação e Organização Territorial do PDS Esperança

Irmã de Notre Dame Mulher estrangeira Mulher da Amazônia Mulher brasileira Mulher paraense Mulher sem canseira Mulher grande amiga Das faxineiras Mulher do perfume Da mãe natureza Mulher do sorriso E hospitaleira Mulher do abraço. A grande guerreira está aqui. (Vitória de uma guerreira. Letra: Andreza. Livros de cantos da Romaria da Floresta, 2017).

A dinâmica da organização territorial do município de Anapu e do PDS Esperança sofreu importantes transformações com a atuação da missionária Dorothy Stang. No decorrer do trabalho de campo, percebi a influência exercida pela missionária na vida de algumas famílias. Além de ter sido assassinada no próprio assentamento, tornando-se um marco referencial ao PDS ela convivera com as famílias pioneiras

durante seu assentamento inicial. Sua história de luta pela garantia da terra aos camponeses pobres, a participação na criação de escolas, cooperativas, associação e demais atividades fizeram dela uma referência em nível municipal e nacional.

Quando cheguei a Anapu, em abril de 2018, dirigi-me para a Vicinal do Sant‟Ana à espera do carro que leva ao PDS. Deparei-me com duas pessoas sentadas e me informei sobre o horário de saída do veículo. Logo, tanto o homem como a mulher perceberam que não se tratava de alguém local e nas suas primeiras falas indagaram-me se iria ao “assentamento onde a freira americana foi assassinada”. Nesse momento, percebi como o PDS Esperança tornou-se um marco referencial não apenas de sua morte, mas, em parte, como símbolo de sua luta pela floresta e o direito à terra aos trabalhadores rurais em Anapu.

A situação na área que corresponde ao município era de abandono. Faltavam escolas, hospitais, supermercados, e havia grandes incidências de malária e estradas intrafegáveis no período das chuvas. Essa carência de estrutura levou famílias a abandonar seus lotes. No entanto, para uma parcela significativa delas, retornar às suas terras de origem não era uma opção, por isso continuaram na Transamazônica e recebiam ajuda da igreja católica, por meio de padres e irmãs.

No ano de 1982, a missionária chega à área da Transa-leste e estabelece residência na Vila Nazaré, no km 96. Saiu de Coroatá, no Maranhão, e alojou-se no que hoje é conhecido como Jacundá Sudeste do Pará e, depois, na região do Xingu. Em Anapu, as famílias se localizavam distante uma da outra e precisavam criar um ponto em comum.

Quando Dorothy chegou o povo tava querendo ir embora, porque o Incra tinha abandonado e não tinha cumprido as promessas. Aí, a presença de uma mulher que acreditava no povo e tinha um sonho marcou, fez a diferença. O povo estava ali de três em três quilômetros cada lugar era de um estado diferente, então, não tinha laços naturais, n ão tinha razões naturais de se encontrar. Aí a Dorothy começou a criar comunidade junto com o pessoal. Aí de lá criou associação, criou vendinhas, criou um bocado de coisa, o Centro Nazaré era o foco. Aí, também era incansável, ela lutou para educar os professores, tinha todo um programa de formação de professores lá no centro Nazaré. Ela junto com o pessoal criou esse ânimo e é por causa disso que ainda tem o que tem em Anapu. (Entrevistada religiosa, janeiro de 2019)

Ao comentar sobre a chegada de Dorothy, a entrevistada registra duas questões importantes: o problema enfrentado por agricultores das colonizações oficial e espontânea. Esses últimos viviam uma difícil situação, pois não possuíam o documento de terra, e nem tinham acesso a assistência técnica, sementes melhoradas, estradas, financiamentos agrícolas, como os colonos oficiais. Abriam seus lotes, nos travessões,

distantes das vilas. Eram famílias pobres que viam nas promessas de “terras sem homens” a possibilidade da garantia de um pedaço de chão.

Não possuíam laços uns com os outros e precisavam se organizar é, nesse sentido, importante o papel da igreja e da missionária, por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) para a organização dos agricultores. Essa junção da fé, religiosidade com reforma agrária funcionou na época da criação do PDS e, nos dias atuais, permanece como territorialidade e resistência nas dimensões políticas, econômicas e sociais. Um exemplo é a Romaria da Floresta que ocorre no último fim de semana do mês de julho, saindo do Centro Comunitário São Rafael, onde a freira está enterrada, em direção ao PDS Esperança local do seu assassinato (FERREIRA, 2019).

Anterior ao seu assassinato, a missionária junto com as famílias construíram organizações específicas como cantinas, cooperativas, revendas, a Associação Pioneira Agrícola da Transa-leste, que depois se tornou a Associação Solidária Econômica Ecológica de Frutas da Amazônia (Asseefa), além do movimento de mulheres denominado Associação das Mulheres Lutadoras e Fraternas de Anapu. Todos são exemplos da atuação da missionária na organização, de uma ação coletiva, junto aos trabalhadores na região.

Os “revendões”, uma espécie de mercado varejista, tinham função de abastecer as famílias camponesas com produtos obtidos nos mercados em Altamira. Essas ações contavam com a presença da missionária e estabeleceram-se como um marco temporal denominado como o “tempo da Dorothy”.

Mas, naquele tempo da Dorothy foram as mulheres que se juntaram e criaram porquinhos, venderam esses porcos , porque não tinha transporte, tinha uma vez por dia, tinha o Transbrasiliana que passava, se passava, no verão. Aí, como tava longe de chegar a Altamira, aí, poderiam ser oito horas até dois dias ou mais, por causa da realidade e o dinheiro que não existia. Então, o pessoal comprava com esses porquinhos que vendia, criava vendinha e vendia quase ao custo não era para ganhar dinh eiro, sim para poder comprar, mas não era para lucrar. (Entrevistada religiosa, janeiro de 2019)

As palavras da entrevistada asseveram o significativo papel das mulheres na criação das “vendinhas” ou “revendinhas”. Sabe-se dos períodos de chuva e verão na Transamazônica e como a rodovia é intrafegável, fator que, somado a distância, dificultava o acesso a outros locais próximos e à rede de pequenos mercados. Então foi criado uma espécie de “revendão”, fundamentado na compra e venda de artigos para as famílias como o café, açúcar, óleo, sabão e funcionava coletivamente. Esse pequeno atacado esteve atrelado a Associação Pioneira Agrícola da Transa-leste.

Por meio do Movimento de Mulheres Lutadoras do Município de Anapu (MFMLA) as associadas criaram um fundo de revenda, a partir dos produtos e animais que possuíam no quintal e nos lotes. Patos, galinhas, porcos, foram doados, o lucro obtido com sua venda destinado a construção das chamadas “revendinhas”, uma espécie de “revendão”, para as mulheres nas comunidades e vicinais em que moravam. Nas falas abaixo são explicitadas a sua função e importância na vida das mulheres.

Não tinha mercadinhos era tudo muito difícil ir para Altamira, Belo Monte ou lugares onde tinha budegas com alguma coisinha. Então, ela [Dorothy] junto com a associação inventaram as revendas. Existia um armazém coletivo, tinham um capital inicial e compraram as coisas, o básico: sabão, óleo, açúcar, café, coisas básicas que a gente precisava no dia a dia. Se tinha um grupo na comunidade de mulheres que queriam formar uma revenda elas se juntavam e compravam do revendão que era o armazém que ficava no centro Nazaré, pegava no revendão fiado traziam para a revendinha que ficavam na casa de uma das sócias e elas vendiam aquilo ali e devolviam o dinheiro para o revendão para pagar e continuar sempre. Era tipo um associativismo, sem esse associativismo formal. As mulheres vendiam um pouco maior para ter um saldo. À medida que as mulheres tinham acesso ao dinheiro elas podiam, ao menos, comprar suas próprias calcinhas, já era alguma coisa. (Entrevistada religiosa, fevereiro de 2019)

As revendinhas operavam com finalidade de prover os alimentos básicos para as comunidades localizadas nos travessões. Ao mesmo tempo, constituíam meio de renda para as mulheres. Uma espécie de pequeno comércio comunitário facilitava o acesso aos bens necessários e poupava tempo e/ou deslocamento à Altamira ou às vilas próximas, e as mulheres conquistavam seu dinheiro e sua autonomia.

As revendas tiveram período de duração que culminou com a criação dos primeiros comércios locais, pois havia cumprido sua função social junto às famílias. Dorothy “percebia que a mulher ela trabalhava na roça, ela ia buscar água no poço, cuidava dos meninos, cuidava do marido e ainda por cima pilava o arroz, no pilão manual. Tirava lenha ou fazia carvão, a mulher fazia uma jornada tripla do trabalho”

(Irmã Sandra entrevista realizada em fevereiro de 2019). Sua ideia para melhorar essa

situação foi comprar máquina de pilar o arroz, o que facilitou o trabalho feminino ao diminuir as horas despendidas nessa atividade.

A realidade vivenciada por essas mulheres, nesse período, em parte, não se diferencia das triplas ou quadruplas jornadas de trabalho das assentadas no PDS Esperança, cuja organização em grupos almejava a aquisição de renda para elas e suas famílias.

Portanto, a primeira territorialização dessas mulheres é nos lotes, em seguida, concebem a necessidade de lutar por melhorias para si e suas famílias e as conquistas de

direitos e espaços. Cria-se o Movimento de Mulheres, segunda territorialização em nível político e econômico com suas revendinhas. Através da igreja, e principalmente, influenciadas por Dorothy, vão desamarrando os nós da opressão e busca de sua “libertação”. Não apenas libertarem a sua, mas também aos seus homens, que lutavam com suas próprias cargas (BRETON, 2008).

Minha mãe é um exemplo de quem conseguiu se empoderar, nesse tempo. Meu pai era muito bestinha, como vários homens, mas minha mãe ela passou por um processo incrível de libertação e libertou os dois. Tipo Paulo freire “libertou-se e libertou o outro” meu pai hoje é maravilhoso, mas ele era muito bobinho. Ela uma mulher super empoderada. (Entrevistada religiosa, fevereiro de 2019, grifos nossos)

Interessante como a fala da entrevistada sublinha dois termos, bestinha e

bobinho, referindo-se ao machismo dos homens. Sua mãe assim como inúmeras mulheres passavam e passam pela opressão e dominação dos homens; no campo essa invisibilização feminina é maior. O processo de libertação, que ela acentua, perpassava em romper essa opressão, entender seu papel como agricultora sujeito social e ser humano, de fato, uma mulher empoderada.

De acordo com Breton (2008), ao observar os camponeses, Dorothy encontrou os que possuíam uma sabedoria ancestral, cujos talentos eram de nutrir crianças, famílias e terra. Viu pessoas dominadas por seus pais, seus maridos, sua igreja e seu estado e percebeu esse potencial que aguardava para ser liberado. E essas pessoas foram as mulheres.

Seja no movimento, nas reuniões das CEBs, nos encontros religiosos e de formação ocorridos na Vila Nazaré, e posteriormente, no Centro Comunitário São Rafael, “Toda visão de Dorothy era ter um resultado, reflexo, na vida das mulheres, o empoderamento mesmo que a ação não fosse diretamente com elas, mas, era um

resultado na vida delas” (Irmã Sandra entrevista realizada em fevereiro de 2019).

Nessa perspectiva, são implantadas ações com o propósito de fazê-las perceber seu valor, enquanto mulher na sociedade. Uma formação política no encontro do “movimento mulher” para valorizar seu corpo e compreender os abusos, eram pautas de libertação feminina, num espaço marcado por relações desiguais de gênero. Dorothy teve essa sensibilidade de trabalhar a questão da mulher.

Ao mesmo tempo, novos eventos ocorriam como a valorização e demandas por terras, a chegada das serrarias e das fábricas de palmitos, denominadas de palmiteiras, que complexificavam a realidade de Anapu. Além disso, é almejada a construção da hidrelétrica de Belo Monte um projeto característico do modelo de desenvolvimento

predatório para a região, e após 22 anos, desde a primeira tentativa de implantação, é concretizada mesmo com a oposição de movimentos sociais locais.

Os colonos originais chegaram em 1972, aí eles eram os primeiros. Mas, entre 1972 e 1982, chegaram gente espontaneamente, principalmente do Espírito Santo e da Paraíba e do Maranhão; agora depois de1982 aí 1984 – 1988 aí que chegou gente. E nesta, que eles estavam chegando para terra tinha uma noção que ia acontecer alguma coisa lá no Belo Monte, mas, as serrarias só chegaram em 2000 e 2002. (Entrevistada religiosa, janeiro de 2019)

Essa fala revela diferentes sujeitos históricos que configuram as denominadas frentes de expansão e pioneira, apontadas por Martins (2014) para analisar a fronteira, nos diferentes espaços-tempos: o colono dos projetos do governo militar, os migrantes da colonização espontânea e as empresas rurais, serrarias e os empreendimentos projetados para a região.

Segundo Martins (2014), quem conhece essas áreas sabe que nela se mesclam e interpenetra o desencontro dos tempos históricos, que põem em contato conflitivo grupos sociais cujos antagonismos incluem os diferentes momentos em que vivem (MARTINS, 2014). No caso de Anapu, primeiro chegavam os colonos e abriam os lotes ao fundo dos travessões, em seguida, os grileiros comprando títulos ilegais ou recebendo incentivos fiscais do Estado, através da Sudam. Esses diferentes sujeitos coexistem, nessas duas frentes, em situação conflitiva.

Por conseguinte, Dorothy envolvida com a questão da terra, denunciava as ações ilegais das empresas no município. Tornou-se uma inimiga à medida que discutia a intervenção das serrarias, a invasão ocorrida nas terras dos trabalhadores e os processos de fraudes nos documentos.

As empresas madeireiras não tendo licença ambiental, não tendo projeto de manejo, precisavam de licenças para poder tirar a madeira, isso, nos anos 2000. Então eles faziam o quê? Pegava o povo na comunidade, enchia o ônibus e levava para Altamira e a pessoa ia lá no IBAMA, tirava uma licença para tirar aquelas cinco árvores, cinco árvores o IBAMA d ava licença. Aí então tirava a licença e os caras pegavam, os donos da serrarias compravam o papel, a licença. A pessoa não vendia a árvore, o que acontecia: o madeireiro iria tirar madeira só Deus sabe aonde. Quando o IBAMA viesse querer saber ele dizia “não, tá aqui, tenho licença, tirei aqui”, e o IBAMA não ia fiscalizar e ficava por isso mesmo. E nós andando pelas comunidades dizendo do risco e da loucura que eles estavam fazendo com a natureza e com o processo ecológico para o futuro. Mas não adiantava, porque é difícil sempre convencer. (Entrevistada religiosa, fevereiro de 2019)

A fala da entrevistada aponta outro tipo de fraudes. A missionária alertava as famílias dos riscos ambientais dessas ações e a necessidade de conservar a floresta. Nesse sentido, há um giro de suas lutas: se antes o foco era a garantia de escolas, saúde,

melhoria de estradas, transporte ou a organização dos camponeses, agora o confronto envolve a questão da terra, como obtê-la e conservá-la. E o debate ambiental se insere nesses discursos.

“E nos andando pelas comunidades dizendo o risco e da loucura que eles estavam fazendo com a natureza e com o processo ecológico para o futuro” essa passagem evidencia a visão sobre a floresta como capital natural e reserva de valor sustentável, a ser preservado, conforme é ressaltado por Becker (2004).

Pautados nessa perspectiva, os movimentos sociais apresentaram a proposta de implantação de duas áreas de Reservas Extrativistas neste município, devido à intensificação de destruição das florestas e graves conflitos. Com o amadurecimento da ideia, através de discussões com participação do Incra, Ibama, CNS e CPT e considerando a existência de famílias nestas áreas, os movimentos sociais em parceria com o governo federal optaram pela criação de um novo modelo de reforma agrária familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental: o Projeto de Desenvolvimento Sustentável PDS (GUZZO; SANTANA, 2009).

Porém, esbarraram em novas dificuldades além da luta contra os fazendeiros. Famílias destinadas a constituir o PDS chegaram a Anapu no final dos anos 1990 até início dos anos 2000, para acessar à terra. Esse grupo social já desterritorializado, com uma identidade diversas, motivos pelos quais foi preciso dialogar com as pessoas a intencionalidade desse assentamento, tinham o pensamento de ocupar a terra na prática tradicional do corte e queima sem conhecer as normas e regras próprias a essa modalidade.

Nesse sentido, entre os anos de 1999, 2001 e 2002 foram realizadas reuniões para explicar o projeto e a substituição dos métodos tradicionais das práticas agrícolas e decidir a criação do assentamento. As famílias travavam confrontos com fazendeiros locais e reocupavam terras na Gleba Bacajá. Prevendo a gravidade da situação, em 2002, uma nova reunião foi realizada para criar oficialmente dois PDS e aprovar o plano administrativo (BRETON, 2008; GUZZO; SANTANA, 2009).

Organizações como a CPT do Xingu, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Movimento de Mulheres reuniram um documento para a criação de dois assentamentos em terras que se encontravam com CATPs não cumpridas nas Glebas Bacajá e Belo Monte. Devido à pressão são criados os assentamentos ambientalmente diferenciados denominados PDS Esperança e Virola Jatobá, localizados

a sul e norte da rodovia, respectivamente (FOLHES, 2016). O pensamento de Dorothy para essa modalidade era o seguinte:

Não se tratava de derrubar tudo o que crescia e plantar pasto no lugar, como se fazia no sul do Pará. A ideia era que os assentados utilizariam 20% de suas terras e deixariam o restante para reserva florestal. Eles seriam os proprietários da terra, mas, se quisessem partir, teriam de vendê -la à associação. Dessa maneira, a terra permanecia com os pequenos proprietários e não seria engolida por grandes fazendas, como aconteceu em tantos outros lugares. (BRETON, 2008, 179)

Oficialmente as áreas destinadas para uso alternativo era de 20 há e o restante para a Reserva Legal. A missionária tem papel determinante a concretização desse modelo de reforma agrária que ao mesmo tempo abarcava famílias marginalizadas pelos projetos de assentamentos anteriores e ali permaneciam no desafio de manterem-se vivas com condições ambientais diversas do seu local de origem. No campo prático, já existe para as populações da Amazônia essa economia extrativa, comum entra as comunidades tradicionais da região, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e camponeses. No entanto, ela teve que encontrar a origem da ideia de PDS, porque muito agricultores têm a terra, mas não conseguem nela permanecer.

Junto a isso, a migração espontânea se dirigia para Anapu e funcionava, até certo ponto, como contenção da fronteira agropecuária e madeireira que se configurava e configura. Ao mesmo tempo, Dorothy pode ser considerada uma exceção da igreja católica colonial e patriarcal, numa virada realizada pelo estar com o povo, mistura de tempos e processos. Por exemplo, sua trajetória inicial de acompanhar o fluxo migratório na fronteira entre Maranhão e Pará, a formação em teologia da criação nos EUA e a participação no ECO 92 (BRETON, 2008), levou a uma visão diferente sobre a natureza como criação divina; ela traz um sentido feminino, ligado à mulher, e acreditava que elas poderiam dar continuidade a essa ideia.

Posteriormente, Irmã Dorothy incorpora essa ideia ao ajudar a construir uma modalidade de assentamento que assegura a manutenção dos agricultores na terra, sem que haja devastação. Aí nasce a ideia do PDS, na terra com o povo, são estes os desdobramentos de sua ação. A criação do PDS Esperança é a marca da territorialização da luta pela terra nesta parte da Amazônia. Nesse local, as mulheres constroem seus processos de territorialização com o histórico, referencial, da missionária Dorothy Stang.

O assentamento localizado na Gleba Bacajá a cerca de 50 km da cidade de Anapu é constituído espacialmente por quatro vicinais (zero, um, dois e três). A Vicinal

Zero, tida como a principal, concentra a escola, o mercado, a igreja, o posto de saúde e a casa de alguns moradores. É também chamada de vila do PDS, ou Vila Santo Antônio. Nas demais, estão distribuídos os lotes dos assentados. Cada vicinal possui uma escola, atendendo as séries iniciais do ensino fundamental. Na vila, as casas estão localizadas próximas umas das outras. No restante das vicinais, há cerca de 400 m entre os lotes.

Por suas adjacências, encontram-se Terras Indígenas (TI), fazendas e vilas como as do “Cutião”. Ao seguirmos pela Vicinal Dois, chega-se à Terra Indígena Trincheira Bacajá, cujos indígenas tem o costume de vender peixe no assentamento e, raras ocasiões, frequentam os cultos da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Próximo à Vicinal Um estão espacializadas fazendas de gado, cuja paisagem contrapõe-se a do assentamento. Nesse perímetro, encontra-se o local onde foi ceifada a vida da missionária Dorothy Stang.

Na posse da terra, está o assentado e assentada admitidos no Registro de Beneficiário (RB) do Incra, uma vez que não há documento individual de posse. O espaço destinado às famílias é um lote com 20 ha determinado para uso alternativo da

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