• Nenhum resultado encontrado

A Criopreservação e a Integridade da Membrana Plasmática do Espermatozóide

Capítulo I Revisão Bibliográfica

2. A Criopreservação e a Integridade da Membrana Plasmática do Espermatozóide

A congelação de sémen oferece grandes vantagens por tornar possível a inseminação de um maior número de éguas por ano, por diminuir a transmissão venérea de doenças, por exigir menos do garanhão e por facilitar a reprodução pela facilidade de transporte do sémen ao invés do animal, o que permite ainda um melhor e mais rentável aproveitamento de garanhões geneticamente superiores (Oliveira et al., 2013). No entanto, o sémen congelado apresenta uma fertilidade bastante inferior à que se regista com sémen fresco pertencente ao mesmo garanhão (Watson, 2000).

O protocolo de criopreservação comporta riscos potenciais de lesão dos espermatozóides associados às variações de temperatura, ao stresse osmótico e tóxico representado pela exposição a concentrações molares de crioprotetores e a formação e dissolução de gelo no meio extracelular (Watson, 2000). As lesões nos Spz de mamífero que têm sido associados à criopreservação incluem: perda de motilidade progressiva (MP), alterações morfológicas e da cromatina, permeabilização da membrana, desestabilização da membrana por reorganização lateral lipídica e formação de ROS (Reactive Oxygen Species) (revisto por Neild et al. 2003). Num estudo realizado por Blottner et al. (2001), verificou-se que a criopreservação reduz substancialmente a viabilidade do sémen de equino. As alterações induzidas na MPE não são totalmente reversíveis, podendo interferir com a

capacidade de o Spz interagir com o oócito, o que pode condicionar bastante a fertilidade (Watson, 2000).

2.1. Espécies Reativas de Oxigénio

Como todas a células que vivem em condições aeróbias, os espermatozóides produzem espécies reativas de oxigénio, os ROS, que provêm maioritariamente da normal atividade metabólica (de Lamirande et al., 1997). Os ROS, quando encontrados em baixa concentração, atuam como mediadores das funções espermáticas, enquanto que quando produzidos em excesso são altamente tóxicos para os espermatozóides (de Lamirande and Gagnon, 1995). Os ROS têm sido implicados no dano espermático pela peroxidação lipídica na MPE. Isto deve-se ao conteúdo relativamente alto em ácidos gordos polinsaturados da MPE, fazendo com que a mesma seja especialmente sensível ao stress oxidativo e peroxidação. Um nível moderado de peroxidação lipídica pode oferecer benefícios no sentido de promover a capacitação através da ativação da PKA (Protein Kinase A) específica do Spz, enquanto que os aniões superóxido induzem hipermotilidade e aumentam a sua afinidade pela ZP (revisto por Gadella et al. 2001). No entanto, quando a concentração de ROS excede a capacidade protetora exercida pelos antioxidantes naturais estão criadas condições para o aparecimento de lesões oxidativas sobre a membrana, nomeadamente através da peroxidação lipídica (Jones and Mann, 1976, 1973; Jones et al., 1979). De entre os anti-oxidantes naturais destacam-se as enzimas como a Superóxido dismutase e algumas moléculas como a albumina, a taurina ou o ácido ascórbico, que participam na eliminação dos ROS evitando o seu potencial dano oxidativo sobre o Spz (de Lamirande et al., 1997).

Os protocolos de refrigeração ou congelação do sémen obrigam à diluição do ejaculado, o que diminui a concentração de antioxidantes naturais nele presentes. Este fenómeno favorece indiretamente a acumulação de ROS acima dos limites fisiológicos (Hussain et al., 2011). A subsequente peroxidação lipídica afecta a fluidez da MPE (Agarwal et al., 2003) e pode provocar a sua ruptura, resultando em morte celular (de Lamirande and Gagnon, 1995). Neild et al. (2005) mostraram que o sémen de equino é vulnerável a radicais livres extracelulares, especialmente quando se trata de sémen congelado, apresentando este uma maior sensibilidade quando comparado com sémen fresco.

2.2. Efeitos da Temperatura

A criopreservação resulta em alterações de fase na membrana plasmática dependentes da temperatura (termotrópicas) e em alterações induzidas pela desidratação (liotrópicas) (Oldenhof et al., 2010).

O sémen de equino é mais susceptível ao choque térmico quando submetido a temperaturas entre os 19 e os 8ºC (Moran et al., 1992). Quando os espermatozóides de equino são submetidos a um arrefecimento a uma temperatura inferior aos 18ºC, os elementos da membrana sofrem alterações estruturais e de organização lateral, em que os fosfolípidos sofrem uma transição de fase de um estado líquido para um estado de gel. (Quinn 1985; Amann & Pickett 1987 citado por Moore et al. 2005). Durante esta transição, as proteínas que integram a MPE formam aglomerados (clusters) pela separação da fase lipídica, o que irá interferir com a sua função, como no caso dos canais iónicos proteicos, podendo alterar a sua permeabilidade a solutos. Uma redução da eficiência da bomba de ATP ocorre também com a redução da temperatura, acompanhando-se de um aumento do cálcio intracelular com consequente ativação de fosfolipases, que por sua vez hidrolisam os fosfolípidos de membrana. Estas ocorrências levam assim a um aumento da permeabilidade, ruptura da MPE e morte celular (De Leeuw et al., 1990; Drobnis et al., 1993; Rodriguez and Bustos Obregon, 1996; Watson, 2000). Por outro lado, o aumento do cálcio intracelular favorece um arranque precoce da reação do acrossoma. A exposição ao ionóforo de cálcio em presença de Ca2+ induz a fusão da membrana plasmática com a membrana acrosómica externa em espermatozóides capacitados, mas não em espermatozóides “não capacitados”, devido à permeabilidade superior dos primeiros (Gadella et al., 2001).

Verifica-se ainda que quanto mais a temperatura se afasta negativamente dos 0ºC mais desidratada fica a membrana, o que favorece o seu ingresso numa transição liotrópica para a fase de gel. Por isto, coloca-se a hipótese de existir um nível crítico de hidratação da membrana abaixo do qual a lesão da membrana resulta em morte celular após o descongelação (Oldenhof et al., 2010).

Como referido anteriormente, o colesterol possui um importante papel na manutenção da fluidez da membrana; por isso, em espécies que apresentam um maior teor deste composto na MPE (humano e coelho) esta alteração é pouco significativa. O elevado teor em colesterol da MPE de equino favorece a resistência do Spz às alterações de temperatura. Foi ainda provado que a adição de colesterol ao meio antes do processo de congelação favorece a sobrevivência das células espermáticas, principalmente em garanhões que oferecem maior dificuldade na manutenção de uma qualidade seminal

aceitável após submissão ao processo de criopreservação (Moore et al., 2005).

No protocolo de criopreservação são adicionados agentes crioprotetores que protegem o espermatozóide do choque térmico mas em contrapartida induzem algum stress osmótico. O Spz de equino possui uma tolerância osmótica limitada, pelo que os crioprotetores podem exercer algum efeito sobre a membrana plasmática (Ball and Vo, 2001).

2.3. Formação e Dissolução de Cristais de Gelo

O stresse induzido pela formação cristais de gelo tem maior impacto na fração de sémen que congela por último, devido às alterações na pressão osmótica a que esta é submetida por via da concentração de solutos que se instala nesta zona (Watson and Duncan, 1988). Uma vez que o espermatozóide de equino tem uma tolerância osmótica limitada, este efeito encontra-se agravado nesta espécie. A partir do momento em que a solução é arrefecida a uma temperatura inferior ao ponto de congelação, os cristais de gelo tornam-se nucleados e a água pura cristaliza como gelo.

A proporção entre a fracção congelada e a não congelada depende da temperatura – quanto mais baixa a temperatura, menor é a fração não congelada e, portanto, maior a resistência osmótica da solução. É também reconhecido que a exposição dos espermatozóides a estes fenómenos deve ser reduzida, pelo que o arrefecimento deve ser rápido, embora lento o suficiente para permitir que a água saia das células por osmose, prevenindo a formação letal de gelo intracelular. As células espermáticas são congeladas a uma velocidade de 15-60ºC/min, que se tem verificado oferecer as melhores taxas de sobrevivência (Watson, 2000). Foi sugerido que a taxa ideal em equinos é de por volta de 29ºC/min na ausência de agentes crioprotetores e de por volta de 60ºC/min na presença dos mesmos (Devireddy et al., 2002). O período mais crítico para a formação de cristais de gelo é quando a temperatura se encontra entre os 0 e os -10ºC (Check et al., 1994), pelo que, a uma taxa de refrigeração ótima, o volume celular decresce para um conteúdo em água de 5 a 15%, situação em que se acredita contrariar a formação de gelo intracelular (Mazur, 1984).

Também durante o processo de descongelação de uma amostra existe o risco de ocorrer o fenómeno de recristalização que consiste na dissolução de cristais de menor dimensão com maior superfície energética e o crescimento de cristais de maior dimensão. Esta é a principal causa de lesão da MPE, pois os cristais de gelo intracelulares podem-se revelar inócuos se o processo de descongelação for suficientemente rápido (Mazur and

Schmidt, 1968). Em amostras descongeladas mais lentamente há morte celular por alterações nas propriedades intra- e extra-celulares derivadas da formação de gelo (concentração de solutos), para além da morte celular pela pré-existência de cristais de gelo intracelulares e consequente recristalização (Mazur et al., 1972). Isto sugere que o dano da MPE causado pela pressão do gradiente osmótico pode ser revertido se a recristalização de cristais de gelo que atravessa a membrana for evitada (Muldrew and McGann, 1990).

Documentos relacionados