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CAPÍTULO 3. ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

3.1 A crise de um sistema: o desafio sócio-ambiental

Crise ecológica (RAMPAZZO, 2002), crise de percepção (CAPRA, 1982), crise de civilização (LEFF, 2002), crise de identidade (ALMEIDA JUNIOR, 2002); muitas têm sido as formas como a problemática sócio-ambiental vem sendo identificada, mas em todas elas um consenso: o de que esta problemática apresenta-se como uma faceta de uma crise maior, constituindo-se um reflexo do esgotamento de um modelo de pensamento fundamentado em paradigmas de desenvolvimento simplificadores da realidade. É como afirma Vieira e Weber (2002, p.18), a crise contemporânea tenderia a configurar, em síntese, uma crise decorrente,

sobretudo, do esgotamento progressivo dos vários paradigmas de desenvolvimento experimentados desde o início do século.

A noção de esgotamento de modelos parece ser a senha que contém os desafios atuais

(BRASIL, 1991, p. 13). Isto porque está cada vez mais evidente que os modelos adotados pela nossa sociedade até então já não conseguem mais apresentar soluções compatíveis com os problemas encontrados na complexidade da atual realidade.

Para compreender as questões relativas à problemática sócio-ambiental e a crise do modelo de pensamento instaurada que está intrinsecamente relacionada a ela, pode-se utilizar uma adaptação do “Padrão de Interação desafio-e-resposta” desenvolvido por Arnold Toynbee para explicar a dinâmica das civilizações em seu Estudo da História (1972).

Em seu padrão de interação, Toynbee (apud CAPRA, 1982, p.24) explica que a ascensão e queda das civilizações ao longo do tempo é decorrente de um processo dinâmico onde o meio natural ou social funciona como um gerador de desafios que constantemente são impostos à sociedade que, por sua vez, é responsável por produzir as respostas a estes desafios, configurando-se como um processo de civilização.

A civilização continua a crescer quando sua resposta bem-sucedida ao desafio inicial gera um ímpeto cultural que leva a sociedade para além de um estado de equilíbrio, que então se rompe e se apresenta como um novo desafio. Desse modo, o padrão inicial de desafio-e-resposta é repetido em sucessivas fases de crescimento, pois cada resposta bem-sucedida produz um desequilíbrio que requer novos ajustes criativos (CAPRA, 1982, p. 25).

A civilização permanece nesse processo dinâmico de evolução até atingir um apogeu de vitalidade e a partir daí começa a entrar em um processo de declínio em virtude da perda da capacidade em conceder respostas satisfatórias para os desafios provocados pelo meio. Dois elementos explicam esta perda de capacidade em dar respostas: a perda da flexibilidade e a redução da criatividade. Nas palavras de Capra (1982, p. 26),

Quando estruturas sociais e padrões de comportamento tornam-se tão rígidos que a sociedade não pode mais adaptar-se a situações cambiantes, ela é incapaz de levar avante o processo criativo de evolução cultural. Entra em colapso e, finalmente, desintegra-se, geralmente, em favor de uma

civilização emergente.

O “Padrão de Interação desafio-e-resposta” descrito por Toynbee pode ser utilizado para explicar a dinâmica de diversos processos, não somente o que se refere à ascensão e queda das civilizações. Seguindo o raciocínio desenvolvido, pode-se aplicar este padrão para explicar a dinâmica do paradigma, como ilustra a figura 12.

Desta forma, a dinâmica de um determinado paradigma que predomina em uma sociedade é realizada através da geração de desafios pelo meio para a sociedade que produz as respostas a estes desafios. Trata-se, portanto, de um processo cíclico, onde cada vez mais os desafios do meio se tornam mais sofisticados e complexos, exigindo uma maior capacidade de adaptação da sociedade a fim de respondê-los.

Figura 12: A dinâmica do Paradigma: “Padrão de Interação desafio-e-resposta”

Uma crise se dá quando em um determinado momento o modelo de pensamento vigente nesta sociedade não consegue mais dar satisfação aos desafios lançados pelo meio e o fluxo do sistema é interrompido.

Meio

Resposta

Sociedade

Figura 13: O estado de crise

É neste sentido, que a problemática sócio-ambiental revela-se como uma faceta da crise do modelo de pensamento científico predominante que vigorou durante anos e que já não é mais capaz de responder aos complexos desafios da realidade atual. Este paradigma dominante é resultado do modelo de pensamento cuja fundamentação para base do conhecimento consiste no princípio cartesiano de decomposição do todo em partes, gerando um pensamento linear que é naturalmente reducionista. Sendo que a principal razão que justifica o processo de declínio do paradigma linear consiste no nível de interação e interdependência entre os diferentes fenômenos da realidade atual, caracterizando um estado de complexidade onde estes fenômenos não podem ser compreendidos em termos de suas partes separadas dentro de uma linearidade simplificadora.

Como o próprio modelo de pensamento científico dominante ingressou em uma fase de transição em seu ciclo desafio-e-resposta dada a complexidade atual, fase compreendida como uma crise global do pensamento, o que se verifica, então, é que os múltiplos sistemas que se apóiam nesse modelo de pensamento reducionista têm demonstrado sinais de exaustão. Um desses sistemas corresponde ao sistema econômico vigente. Poluição, degradação do meio ambiente, deterioração de ecossistemas, desigualdade social, pobreza constituem alguns dos efeitos provocados pela predominância de uma racionalidade econômica que ignora os limites da resiliência ecossistêmica, desconsiderando a finitude dos recursos naturais.

A emergência de todos estes problemas levou a sociedade a questionar os padrões de produção e consumo e a própria lógica de mercado que regula as relações sociais e econômicas dentro do sistema capitalista. Tudo isto instaurou uma preocupação com a temática ambiental no cenário global.

McCormick (1992, p.64) explica que esta preocupação com a temática ambiental não constitui resultado de um único fato isolado; ao contrário disto, diversos fenômenos interdependentes contribuíram, ainda que em proporções diferentes, para inserir as questões

Meio

Resposta

Sociedade

relativas ao meio ambiente na agenda mundial. Segundo ele, há seis fatores se destacam neste processo:

a) Sociedade afluente: as implicações negativas, especialmente as que se referem aos aspectos sociais e ambientais, do modelo de desenvolvimento econômico adotado até então que tinha como premissa fundamental o crescimento ilimitado e, portanto, descontrolado, evidenciaram os defeitos da sociedade afluente, criando uma sensibilização por parte da sociedade e incentivando a participação social nas questões relativas ao meio ambiente e à sociedade em geral;

b) Testes atômicos: considerada a primeira grande questão de caráter ambiental em nível global da era pós-guerra, os testes nucleares desenvolvidos principalmente por países como EUA, URSS, França e Grã-Bretanha representaram grande ameaça sócio- ambiental e provocaram os primeiros acordos e tratados multilaterais em favor do ambientalismo;

c) Silent Spring: a publicação do livro Primavera Silenciosa da bióloga Rachel Carson cujo conteúdo destacava os efeitos adversos provocados pela má utilização dos pesticidas e inseticidas permitiu que essa temática fosse compreendida pela sociedade em geral e não somente pelo público específico dos técnicos acadêmicos o que favoreceu uma maior sensibilização social em relação às questões ambientais; resultou em alterações nas políticas local e nacional nos EUA e em vários países europeus e promoveu restrições em algumas substâncias tóxicas, enquanto outras foram proibidas;

d) Desastres ambientais: o período do surgimento do ambientalismo também foi marcado pela presença de diversos acontecimentos desastrosos para o meio ambiente, como por exemplo, o desmoronamento de resíduos de mina (País de Gales, 1966), o naufrágio do petroleiro Torrey Canyon (Inglaterra, 1967) e o vazamento na plataforma de petróleo da Companhia Union Oil (EUA, 1969); esses desastres ambientais se somaram à sensibilização da população mundial referente às questões sócio- ambientais, provocando novas críticas ao modelo de desenvolvimento econômico adotado universalmente;

e) Conhecimento científico: o movimento nascente despertou na comunidade científica a necessidade de desenvolver novas pesquisas científicas que procurassem responder aos novos desafios ambientais com respaldo e legitimidade acadêmica; foram promovidos, assim, encontros, conferências e discussões a respeito da temática ambiental;

f) Movimentos sociais: as questões sociais se somaram às questões ambientais através do caráter ativista e político de alguns movimentos da sociedade, podendo-se destacar a luta contra a pobreza, o racismo e as guerras. E embora os movimentos social e ambiental possuíssem valores e públicos diferentes, o surgimento de uma contracultura, que ia de encontro às práticas industriais de produção e consumo, facilitou o processo de amadurecimento do ambientalismo.

Estes fatores funcionaram como forças condutoras para o surgimento uma nova noção de desenvolvimento que seja social e ambientalmente sustentável, ou seja, que busque harmonizar os interesses econômico-produtivos aos interesses sócio-ambientais. Sem nos alongarmos nessa discussão, há que se destacar ainda os diversos congressos e encontros mundiais que promoveram importantes discussões sobre este conceito alternativo de desenvolvimento. Para Vigevani (1997), estes eventos foram responsáveis pela institucionalização do tema ambiental na agenda internacional, dos quais este autor destaca o Clube de Roma (1968), a Conferência de Estocolmo (1972) e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).

Esta nova maneira de conceber o desenvolvimento implica uma reorganização das atividades econômicas produtivas a fim de criar mecanismos e respostas para superação da crise universal e de seus complexos e interdependentes desafios, sobretudo, aqueles que dizem respeito às questões de meio ambiente e sociedade.