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PARTE II A extinção do vínculo de emprego público por motivos disciplinares

4. Os fundamentos subjetivos de extinção do vínculo

4.1. Elementos conformadores da justa causa de despedimento ou demissão

4.1.3. A culpa

I. A exigência de culpa como pressuposto básico da responsabilidade disciplinar decorre

explicitamente do artigo 183.º, mais concretamente do trecho onde se lê “ [...] ainda que meramente culposo [...] ”. Entendida como um juízo de censura ou reprovação por parte da ordem jurídica para com o comportamento do trabalhador que podia e devia ter atuado em consonância com o complexo obrigacional emanado do vínculo de emprego público, e não o fez132, a culpa juridicamente relevante para efeitos disciplinares na LTFP pode

então assumir duas formas: a culpa dolosa e a culpa negligente. Como tal, o trabalhador procede com culpa quer quando dirige a sua vontade ou, pelo menos, se conforma com a violação do dever laboral, quer quando, por inobservância de deveres de cuidado, acaba por não impedir o mesmo desfecho133.

Além disso, será qualificável como culposo o comportamento do trabalhador que, nos termos gerais de direito civil, revista qualquer das modalidades de não cumprimento das obrigações: incumprimento definitivo, mora e cumprimento inexato ou imperfeito - onde se incluem o incumprimento parcial e o incumprimento defeituoso134.

A culpa deve ser apreciada segundo o critério consignado no n.º 2 do artigo 487.º do CC, ou seja, partindo da “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso”. Isto significa que teremos de atender à diligência padrão de um trabalhador normal, envolto nos exatos termos em que se desenvolve a concreta relação laboral pública e nas circunstâncias particulares do caso “que militem contra ou a favor dele” (cf. artigos 189.º a 191.º).

Embora a lei não especifique o grau de culpa ou a gravidade exigível para a aplicação das penas de despedimento e de demissão (ao contrário do que sucede, por exemplo, com

132 PAULO VEIGA E MOURA/CÁTIA ARRIMAR, Comentários..., loc. cit. 133 TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal..., cit., pp. 325 e 530.

134 MENEZES CORDEIRO,Tratado..., II, IV, cit., pp. 107-109; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações,

v. II – Transmissão e extinção das obrigações, não cumprimento e garantias de crédito, 8.ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 239-240; ROMANO MARTÍNEZ, Direito do Trabalho, cit., p. 978.

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as penas de multa e de suspensão; cf. proémio dos artigos 185.º e 186.º), estes inferem-se do artigo 189.º. Vejamos: a medida da sanção está condicionada, em primeira linha, pelos critérios gerais enunciados a propósito de cada sanção; no caso das sanções disciplinares expulsivas, o critério nuclear que rege a sua aplicação é o da inviabilização da manutenção do vínculo de emprego público (artigo 187.º), deixando transparecer uma ideia de ultima ratio, que bem se compreende se pensarmos que são as sanções mais fortes (implicam o “afastamento definitivo do órgão ou serviço”); a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (algo que se deduz do artigo 189.º e resultaria sempre do artigo 266.º, n.º 2, da CRP); logo, a culpa evidenciada pela conduta do trabalhador terá de assumir uma tal gravidade objetiva, em si e nos seus efeitos, que a sanção a aplicar não possa ser outra que não o despedimento disciplinar ou a demissão135. Citando ROSÁRIO PALMA RAMALHO, “se o comportamento do trabalhador, apesar de

ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral”136.

Aliás, não é por acaso que a discricionariedade técnica ou administrativa que assiste ao empregador público na graduação da culpa e na determinação da medida da pena cede se os “critérios de graduação utilizados ou o resultado atingido se revelarem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis”, podendo a jurisdição administrativa (artigo 12.º) intervir na decisão tomada (no limite, invalidando-a) se a Administração Pública tiver infringido os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça (cf. mais uma vez o artigo 266.º, n.º 2, da Lei Fundamental)137.

II. No entanto, convém acrescentar que da mesma maneira que a ilicitude postula algo

mais do que a mera violação de deveres laborais, também o juízo de culpa subentende a imputabilidade do agente e a inexistência de causas de exclusão de culpa. Em vista disso, constituem circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar todas as que obstam à apreensão de qualquer dos elementos do ilícito disciplinar, bem como as que impelem o trabalhador a comportar-se de uma determinada forma138.

Vimos já que a relevância disciplinar do facto depende da voluntariedade da conduta do trabalhador, ou seja, é indispensável demonstrar que a ação ou omissão pode ser imputada à autodeterminação do sujeito. Sendo assim, se o trabalhador se vê, por motivos aos quais

135 Em sentido idêntico, vide RAQUEL ALVES, op. cit.,p.101e restante doutrina aí citada. 136 ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado..., II, cit., p. 956.

137 Cf. Acórdão do STA de 29/03/2007 (PAIS BORGES), proc. 0412/05, e demais jurisprudência aí citada. 138 Cf. Acórdãos do STA de 21/03/2006 (ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA), proc. 0708/03, e de 01/03/2007

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é alheio, privado da capacidade para compreender o que está a fazer ou da liberdade para optar entre fazê-lo, ou não, a sua responsabilidade disciplinar deve ser excluída. A LTFP estatui, por isso mesmo, que tanto a coação física (vis absoluta) como a privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração constituem circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar (artigo 190.º, n.º 1, alíneas a) e b))139-140.

Ao lado da inimputabilidade no artigo 190.º temos ainda a inexigibilidade como causa de desculpação (alínea c) do n.º 1). Fundamentalmente, considera-se não haver culpa do trabalhador se, perante as circunstâncias com que este se deparou no caso concreto, não lhe era razoavelmente exigível a adoção de um comportamento diferente – conforme com os seus deveres laborais. Afasta-se a responsabilidade disciplinar uma vez que a ilicitude do facto advém não de uma atitude pessoal de indiferença para com o dever transgredido, mas sim de circunstâncias externas à sua vontade que lhe retiram a possibilidade de se determinar por outro comportamento141.

Por fim, se a ação ou omissão se deve à falta de consciência da sua ilicitude, poderá esse aspeto ser valorado, excluindo-se a responsabilidade pelo facto, desde que o erro sobre a ilicitude não seja censurável142.