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A CULPABILIDADE E O GRAU DE INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

2 A PROBLEMÁTICA ENVOLTA DO CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE

3.2 A CULPABILIDADE E O GRAU DE INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

A maior discussão entre os doutrinadores enfoca, como já foi citado, uma elementar do crime de infanticídio, ou seja, o estado puerperal.

A influência do estado puerperal na caracterização do crime de infanticídio é vital, pois a existência do delito de infanticídio depende da verificação da influência deste estado. É preciso existir um nexo de causalidade entre os dois, ou seja, é preciso que haja a presença do estado puerperal para que se caracterize o delito. Por possuir tanta influência no mundo jurídico e social, acaba por gerar repúdio de alguns doutrinadores, que não aceitam o critério fisiopsicológico adotado pelo Código.

O critério fisiopsicológico não se apoiava no motivo de honra, para a fundamentação do crime de infanticídio, passando a admitir para tal função, a influência do estado puerperal.

O estado puerperal refere-se ao conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. (JESUS, 2005). É válido lembrar que o estado puerperal ainda é um conceito muito abstrato, uma vez que não é possível afirmar ao certo quando se inicia, qual o período de seu término, o que o ocasiona, apesar a Medicina Legal ter fixado que esse estado provém do

puerpério. Acima de tudo, o estado puerperal é um fenômeno de difícil comprovação científica.

O legislador, para resolver as injustiças que o critério psicológico trazia, abandonou a motivação de honra, optando por utilizar como motivação a influência do estado puerperal. No caso do critério psicológico, a motivação de honra, em que a mãe, preocupada em ocultar sua própria desonra perante a sociedade, matava o filho, não estava a altura do valor que a vida humana possui, ainda que considerando os costumes da época.

Com a reformulação do Código Penal e a utilização do critério fisiopsicológico, o legislador deixa de privilegiar uma situação de injustiça, procurando entender, o que leva a mãe a matar o próprio filho.

Assim, ele leva em consideração as alterações físicas do parto, que em alguns casos provocam dores alucinantes, em comunhão com as alterações psíquicas sofridas pela parturiente em decorrência justamente daquele, do parto.

Ante a brutalidade do crime, o critério fisiopisicológico é mais humanitário, pois visa proteger a vida do recém-nascido, que não possui condições de defesa; visa proteger a vida em primeiro lugar, e não mais um status social.

O estado puerperal é um fenômeno de difícil especificação, muitas vezes sendo confundido com problemas de saúde mental, o que leva os doutrinadores anegar sua existência, justificando não passar de um transtorno psíquico já existente na mãe. Sobre esse estado psicológico, Júlio Fabrini Mirabete (2000) cita Almeida Jr. e Costa Jr., referindo que neste caso se incluem os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental, nem semialienação (casos estes já regulados pelo Código). De outro, tampouco frieza de cálculo, a ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam, então, o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até ‘normal’, da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada

por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas.

Assim, para existir o elemento culpa o indivíduo deve ser imputável. Tal imputabilidade pode ser total, parcial ou nula.

A caracterização do infanticídio constitui o maior de todos os desafios prática médico-legal pela sua complexidade e pelas inúmeras dificuldades de tipificar o crime. Por isso, foi essa perícia chamada de crucis peritorium – a cruz dos peritos. O exame pericial será orientado na busca dos elementos constituintes do delito a fim de caracterizar:

os estados de natimorto, de feto nascente, o de infante nascido ou de recém-nascido (diagnóstico do tempo de vida) a vida extrauterina (diagnóstico do nascimento com vida); a causa jurídica de morte do infante (diagnóstico do mecanismo de morte); o estado psíquico da mulher (diagnóstico do chamado “estado puerperal”); e a comprovação do parto pregresso (diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou antigo da autora) (FRANÇA, 2008, p. 298).

A própria lei é imprecisa sobre o tema quando em seu texto legal afirma que o crime deve ser cometido “logo após”, devido à imprecisão do decurso temporal há grande polêmica sob a caracterização do delito.

França (2008, p. 295) explica que “nada mais fantasioso que o chamado estado puerperal”, pois nem sequer tem um limite de duração definida. Diz a lei que durante ou logo após o parto, sendo esse “logo após” sem delimitação precisa. Parece ser imediatamente, pois, se a mulher ter um filho, dá-lhe algum tratamento, arrepende-se e mata-o, constitui uma forma de homicídio. Como se o estado puerperal fosse um estágio frustro, frugal e ultransitório. Esse conceito pode favorecer até mesmo aquelas mulheres sem honra sexual a perder que, levadas por motivos egoístas de vingança, matam seu próprio filho.

Dessa forma, a transição do crime de infanticídio para o código contemporâneo desconsidera a espécie honoris causa e vem deixar a cargo da perícia a caracterização do tipo penal, logo:

O que se dá, na realidade, é a morte do recém-nascido em situações suspeitas, ocorrendo, na imensa maioria dos casos, em virtude de problemas, os mais diversos, tais como pobreza extrema, número excessivo de filhos, gravidez resultante de estupro ou mesmo ilegítima e/ou fortuita. Diante do fato indesejado, a mulher quando não consegue abortar, no início, pratica, como último recurso para sanar o problema, a morte do próprio filho. (GOMES, 2004, p. 499).

Ainda há controvérsias, tanto na medicina como no mundo jurídico, a respeito da existência do estado puerperal. Uma vez que, normalmente, não há impugnação total da paciente. Como os juristas podem ser razoáveis a respeito de um problema enigmático até para a medicina? Como saber a que grau de alteração psíquica determinada mulher chegou? Quando o perito é questionado sobre a incidência do estado puerperal na examinada há apenas duas respostas: sim ou não, impossibilitando uma resposta mais precisa da tutela jurisdicional sob a pessoa a ser julgada.

Logo, se não há como provar o grau de alteração psíquica da parturiente de nada adianta a classificação em níveis de estado puerperal realizada por Greco (2004), a qual diz respeito identificação no estado mínimo, médio e máximo. Estes mudam toda a visão jurídica do delito, visto que o primeiro consiste em homicídio, já que por mais que se encontre em estado puerperal, a autora do crime não age em razão deste; o terceiro leva à imputabilidade da agente, por ser considerada “completamente perturbada psicologicamente’’; já o segundo, o nível médio, se caracteriza como infanticídio devido à mãe é influenciada pelo estado puerperal.

Tendo em vista, o aparato de classificação doutrinária de influência do estado puerperal, pode-se perceber que não passa de mera conceituação, pois na prática a comprovação desta se torna inviável.

No caso de ser total, entende-se que a pessoa poderá ser julgada penalmente pelo delito cometido, pois a mesma o praticou de forma totalmente consciente. É o caso da mãe que, após o parto, passa pelo puerpério sem que haja alterações psíquicas, não chegando a atingir o estado puerperal.

Em sendo parcial, significa que o agente, à época dos fatos, tinha a capacidade de entendimento diminuída, considerando-se um caso de semi

imputabilidade e, por conseguinte, devendo ser julgado parcialmente responsável. É o que ocorre nos casos de infanticídio, ocasião em que a parturiente passa por alterações físicas e psíquicas, levando a uma sensível diminuição de sua capacidade. Assim, será apenada de forma privilegiada, pois a pena cominada é reduzida em relação ao homicídio, sendo que ambos possuem o mesmo verbo núcleo do tipo penal, “matar”, porém no homicídio a pena é de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, enquanto no infanticídio é de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Quando a imputabilidade é nula, não há aplicação de pena, de acordo com o art. 26 do Código Penal Brasileiro:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Conforme expresso por Luppi e Anália em artigo publicado em 2012, destaca- se que, “em caso da parturiente ser acometida de doença mental grave, capaz de alterar por completo seu entendimento, deve ser considerada investida de uma psicopatia, que poderá ser preexistente, ou advir do puerpério.”

Esses autores seguem expressando que no caso de ser detectado que anteriormente ao ato delituoso a pessoa já sofria algum distúrbio psíquico, não se pode falar em infanticídio, e sim em homicídio, conforme o art. 26 do Código Penal Brasileiro, isentando de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, havendo, assim, a aplicação de medida de segurança. (LUPPI; ANÁLIA, 2012).

Constata-se que para que o crime seja considerado como infanticídio é necessário que alguns requisitos sejam verificados, principalmente a comprovação do estado puerperal, atuando como elemento que cause mudanças psicológicas na partuente.

CONCLUSÃO

Com base nas pesquisas e leituras realizadas para o desenvolvimento deste estudo, verifica-se que o crime de Infanticídio choca a sociedade nos dias atuais, em função dos elementos que envolve como a maternidade, mãe, recém nascido.

O que caracteriza o infanticídio é o estado puerperal, o qual acaba resultando numa prática controversa a ordem natural, que é da mãe proteger seu filho, e não mata-lo, como ocorre no infanticídio.

Conforme a pesquisa realizada constata-se que o estado puerperal refere-se ao período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a volta do organismo da mãe para o estado anterior a gravidez. Alguns dos doutrinadores pesquisados entendem que este período dura somente de 3 a 7 dias após o parto, por outro lado, outros entendem que poderia perdurar por um mês ou por algumas horas; ou seja, não há consenso sobre a duração desse período.

Porém, verifica-se uma grande dificuldade na constatação, identificação e comprovação do estado puerperal, sendo consenso a possibilidade de que função do puerpério e das alterações que este pode causar na mulher, esta acabe cometendo crime contra seu próprio filho recém nascido; porém verifica-se dificuldade em relação ao tempo de duração, já que quando este regride, não deixa nenhuma sequela; o que dificulta a comprovação científica de sua ocorrência.

Apesar da legislação brasileira exigir que seja realizada uma perícia médica na parturiente que comete este crime, ainda assim, poucos são os indícios que os peritos poderão encontrar do estado puerperal, em função de que este não tem uma

duração determinada; o que leva os peritos a terem que basear suas conclusões em testemunhos de terceiros e da própria autora.

Assim, considerando que a perícia pode não conseguir determinar o real estado ou não de um estado puerperal alterado, de modo ser o motivador do crime da mãe contra o filho recém nascido, passa a ser necessário a existência de causalidade do estado puerperal com o delito, ou seja, para que a mãe seja condenada por infanticídio é necessário que haja o nexo causal do estado puerperal com o crime, pois a caracterização deste último depende da existência daquele. Salientando-se que no caso de dúvida, deve-se considerar a existência da influência do estado puerperal.

No que se refere ao concurso de pessoas no infanticídio, verifica-se que o julgamento de terceiros no crime de infanticídio é bastante polêmico, pois na verdade o delito de infanticídio é um homicídio especializado por vários elementos, sendo um deles a influência do estado puerperal, o que é exclusivo da mãe e não se estende aos demais partícipes.

Mesmo havendo consenso sobre a condição de que o estado puerperal afeta somente a mãe, ainda assim, existe uma corrente de doutrinadores que entendem que a atenuação que envolve este crime, relacionada ao puerpério, deveria alcançar e privilegiar todos os participantes do infanticídio. Com isso, o terceiro que auxilia a mãe no delito de infanticídio responderia pelas penas a este cominadas, e não pelas penas de homicídio.

São diversos os argumentos e entendimentos nessa ótica, mas, em geral, todos estão voltados a corrigir uma injustiça promovida pela própria lei penal, que deveria ter criado uma exceção pluralística à teoria monística, como não fez, alguns doutrinadores preferem aplicação do art. 29, § 2º, dizendo que se o executor matar o recém-nascido, com ajuda da mãe, esta teria querido participar de crime menos grave, isto é, aquele teria desejado cometer homicídio.

A mãe por estar em estado puerperal mata o próprio filho recém-nascido, após o parto, recebendo, pois, pena bastante atenuada em relação à que está

prevista no art. 121. Por isso, muitos autores chegaram a sustentar a incomunicabilidade dessa circunstância de caráter pessoal, afinal, o puerpério é perturbação físico-mental exclusiva da mãe. Não seria justo que o coautor ou participe fosse favorecido.

As discussões que permeiam o tema Infanticídio e o estado puerperal ainda serão constantes sempre que se deparar com tal crime, resultando na busca da aplicação do sistema jurídico, como regulador da ordem social, em um caso que foge à clareza natural da vida humana.

Diante desses aspectos, a manutenção do critério fisiopsicológico adotado pelo Código Penal vigente, ainda parece ser o mais adequado, já que exige a comprovação da influência do estado puerperal para a caracterização do crime de infanticídio, porém, uma vez que a realização desta comprovação é muito complicada, em caso de dúvida, deve-se sempre se decidir a favor da existência do estado puerperal.

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