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5.3 A Cultura Sound System em São Paulo 5.3.1 O início, Dubversão !

Em São Paulo, o reggae sempre esteve presente em meio à sua população, seja por migrantes do norte e nordeste que traziam o ritmo em suas bagagens, ou por aqueles que se interessavam individualmente e procuravam por interesses próprios músicas e informações.

Segundo ESTERMANN; AZEVEDO(2013), no início dos anos 2000, surgiu na cidade de São Paulo o primeiro Sound System, chamado de Dubversão. A inspiração foram os sound system da Europa que o seletor Yellow P conheceu melhor em uma viagem. Em entrevista para o programa de tv “manos e minas”(tv cultura), ele ainda afirma que no começo era necessário explicar o que era dub, mostrar as formas de mixagem e os efeitos. Não havia grandes lucros, e por vezes o dinheiro ganho era gasto para o transporte dos equipamentos e outros custos.

No começo dos anos 2000 a cultura sound system começou a se desenvolver na cidade de São Paulo através da popularização da internet e do compartilhamento de músicas por meio de uma rede que conectava, em tempo real, produtores musicais e amantes do reggae do mundo todo.

(ESTERMANN; AZEVEDO,2013, p.25)

As festas organizadas pelo coletivo Dubversão aconteciam no centro de São Paulo como a festa “suzi in dub” e o lendário JAVA(que acontece até os dias de hoje e é um dos mais tradicionais da cidade). Até a metade da década esse coletivo era um dos únicos a possuírem um Sound System físico, até começarem a surgir novos sound system tendo como inspiração o Dubversão, entre eles podemos citar Quilombo Hifi, África Mãe do Leão, Garage S.S, Jurassic Sound, Leggo Violence, Zion Gates e High Public. Esses novos Sound Systens tiveram uma atitude diferenciada em relação à concorrência que ocorriam na Jamaica e no Maranhão, onde em vez de alimentar a concorrência, eles acabaram se unindo para se fortalecerem tanto nas questões estruturais dos Sound System como das ideias que possuíam sobre o reggae, fazendo encontros entre os Sound System serem constantes.

Com o crescente aumento no número de Sound system, cada um deles começou a seguir seu próprio estilo de preferência musical dentro da música jamaicana. Enquanto alguns preferiam o Ska, Rocksteady, outros ainda preferiam roots, rub-a-dub ou até mesmo o Steppa. Asim, ao mesmo tempo que solidificavam seu gosto musical, também se uniam para organizar eventos com os Sound system de outras vertentes, enriquecendo assim as festas e levando ao público uma história completa de todas as vertentes da música jamaicana.

5.3.2 -

Blackstar Inity- Coletivo de coletivos

Entre os anos de 2009-2010, os coletivos Quilombo Hifi, África Mãe do Leão e Garage S.S e Leggo Violence se uniram para formar o coletivo BlackStar I-nity, que através da música, tentavam atrair o lado politico do reggae como as mensagens de Marcus Garvey, Nelson Mandela e a diáspora africana. Dentro desse evento, surgiu também através da união de três Mc’s(Uale Figura, Monkey Jhayam e Laylah) “A Voz dos sem Vozes”, que trazem através de suas letras o cotidiano sofrido na cidade, como a violência policial, a precariedade dos transportes públicos além da questão de identificação. Podemos ver isso nas palavras de Monkey Jhayam, onde no evento “Terremoto 6” onde ele diz: “E o que significa a voz dos sem vozes ? É a voz daqueles que se identificam com as mensagens que acontecem aqui. As mensagens que agente passa aqui. Quem se identifica, quem leva o mesmo estilo de vida, é a voz dos sem vozes!...”.

Com essa identificação cada vez maior por esse novo movimento, acabou atraindo um número cada vez maior de jovens que antes estavam presentes em outros movimentos como o punk, rap e hip-hop, que tiveram seu auge nas décadas de 1990 e início de 2000 em São Paulo, mas que já vinham perdendo força nos últimos anos, dando uma oportunidade para o aparecimento e ampliação da cultura Sound System.

Isso pode ser percebido em integrantes que participavam anteriormente nesses movimentos(punk, rap, hip-hop), levando as características desses movimentos para o interior da cultura Sound System. Um exemplo que podemos observar é o espírito e atitude DIY(do it yourself) do movimento punk, onde muitos deles organizavam eventos com os equipamentos que possuíam até conseguirem uma estrutura melhor, além dos vocais herdados do Rap pelos mc’s.

Após essa união entre os coletivos, as equipes que formavam o BlackStar I-nity conseguiram organizar uma Arena Sound System no maior evento cultural da cidade, a “Virada

Cultural de São Paulo de 2012”. Houveram apresentações de diversos Sound System, produtores nacionais, cantores e mc’s. A área destinada à Arena ocupava também uma importante região degradada da cidade onde vivem os consumidores de crack(cracolandia) e que sempre foi negligenciada pelos poderes públicos como explica Laylah, umas das cantoras participantes:

Aqui [no centro] a gente tem um sério problema de questão social, de saúde da cidade, infelizmente aqui é uma centralidade forte de usuários de crack, e o fato da gente trazer cultura pra cá, e ainda mais esse tipo de som, que traz tanta ideologia, é nota 10 pra gente. (ESTERMANN; AZEVEDO, 2013, p.22)

5.3.3 -

Da periferia ao centro, do centro à periferia.

O centro da cidade de São Paulo sempre foi o palco das manifestações pela luta por moradia, emprego, transporte e educação. Mas ao mesmo tempo, é o palco diário do encontro de jovens que saem de todos os cantos da cidade para se divertirem às suas maneiras. Encontro de pixadores, grafiteiros, de punk’s, skinheads, skatistas, ciclistas e agora também nos Sound System. Assim, o centro tornou-se o coração dessa cultura, tendo eventos fixos em diversos dias da semana e principalmente aos finais de semana, sendo um novo ponto de encontro para a cultura reggae.

Mas não foi tão fácil para a cultura Sound system se estabelecer. Devido à potência de suas caixas de som, a ganância de alguns proprietários de casas de shows e o fato de serem mal vistos socialmente(principalmente pelo constante uso de maconha), diversas portas foram fechadas para a cultura, ficando restritos à apenas alguns lugares para a sua realização. Isso levou a um aumento da realização de eventos Sound system nas periferias, onde historicamente não há a presença do Estado para atrapalhar. O acolhimento da comunidade historicamente tem sido positivo, fazendo agora o sound system como uma nova opção de lazer no próprio bairro. Esses eventos realizados receberem o nome de Ocupa Sound, onde cada coletivo visava ocupar alguma região da cidade. Como efeito, a equipe BlackStar I-nity conseguiu ocupar várias áreas em diversas edições tiveram que tiveram uma estrutura um pouco diferenciada, ocupando os quatro cantos da cidade com seus sound system, aproximando a comunidade com essa cultura.

De forma independente, os coletivos de sound system paulistas começaram a realizar bailes com o objetivo de difundir as vertentes da música reggae e transmitir mensagens de positividade e paz para o público. Os eventos, normalmente realizados em espaços públicos nas periferias, promovem o

acesso a bens culturais e contribuem para a integração social. (ESTERMANN; AZEVEDO,2013, p.40)

Ainda na mesa linha de pensamento;

Ao oferecer música de graça, com qualidade, as festas conseguem agregar um grande número de pessoas, e transformam o evento em um espaço de sociabilidade, trocas, que promove a ampliação do repertório cultural e a conscientização social.[...]Assim como aconteceu nos guetos jamaicanos e nos arredores de Londres, onde moravam os imigrantes, em São Paulo essa manifestação se desenvolveu de maneira mais marcante também nas periferias. A consciência social das letras, as mensagens de luta, conquista e paz, as raízes africanas, a sonoridade e o ritmo – muitos foram os elementos que facilitaram essa aproximação do reggae com a juventude que vive em regiões periféricas da capital. (ESTERMANN; AZEVEDO,2013, p.21)

A partir dessa identificação dos sound system com sua respectiva comunidade, houve também uma grande identificação dos jovens com suas comunidades, chegando muitas vezes os sound system a serem conhecidos com o nome dos seus bairros, como podemos ver no J*Z Sound System, que traz as iniciais do seu bairro, Jardim Zaíra, Mauá-SP) e o Romano Sound

System, bairro do Jardim Romano-SP.

Porém, há grandes dificuldades para realizar um evento na rua, já que sempre há custos com o transporte, reparo de equipamentos, produção musical, além de um ponto de energia necessário para os equipamentos. Assim, muitas vezes não há um retorno financeiro no dia que consiga pagar as despesas. Por esse motivo, ficou evidente que muitas vezes eram necessários fazer festas em lugares fechados no centro para custear os eventos em lugares abertos.

Outro fator observado, foi que estas festas fechadas conseguiram, e ainda conseguem, ajudar a estruturar os sound systens, tanto material como financeiramente, e assim começou a haver cada vez mais eventos com cantores, produtores e mc’s internacionais, que ocasionalmente comparecem nos eventos abertos participando de forma espontânea.

5.3.4 -

Reunion of Dub – Uma reunião de coletivos.

Atualmente, o Reunion of Dub é o festival de maior expressão e reconhecimento na cena sound system, mas ao contrário do que muitos imaginam, esse festival começou com uma estrutura menor em 2011, onde um grupo de amigos determinados em trazer para a cidade de São Paulo um dos principais Sound System da cena inglesa(uk), o “Iration Steppas”, estes juntaram dinheiro para financiar a apresentação na cidade. Essa atitude não trouxe nenhum retorno financeiro(ao contrário), mas ao mesmo tempo, houve um sentimento entre os integrantes dos sound system que apenas dependiam deles para conseguir realizar grandes

eventos.

A segunda edição do evento em 2013 já teve uma magnitude muito maior, cerca de três a quatro mil pessoas por dia, sendo amplificado pelo sound system Leggo Violence. Houve dois dias de celebração da cultura no centro da cidade de São Paulo, sendo totalmente gratuito e financiado de forma coletiva, com a venda de adesivo, camisetas, além de outros produtos. Contando com a presença de nove sound system de diversos estilos e lugares do país. Houve ainda a presença do “Channel One”, um dos principais e mais tradicionais sound system, contando com mais de 30 anos de experiência. A edição foi um sucesso e houve uma grande repercussão nos sites e meios de comunicação ligados ao reggae. Em sua terceira edição no ano de 2014, o evento ganhou uma repercussão muito maior e conseguindo contar com trinta e um sound system, entre eles os artistas Screechy Dan(JA), Errol Dunkley(JA) e os sound system Kebra Ethiópia & University of Steppas(África do Sul) e o Alpha Steppa(uk), conseguindo reunir vinte mil pessoas por dia no evento(sábado e domingo).

Vale ressaltar que tanto a segunda como a terceira edição aconteceram em uma região onde não há uma ocupação cultural permanente no local, ficando assim ocupadas por moradores de ruas ou simplesmente como um espaço urbano não aproveitado. Também não houve a presença da polícia, já que durante ambos os eventos não houve situações de violência ou desrespeito.

Em sua última edição, no ano de 2015, o evento mudou o seu formato. Em vez de acontecer no centro da cidade de São Paulo, o Reunion of Dub aconteceu dentro de um evento de música chamado “KATAYY Festival”, na cidade de São Pedro, onde o objetivo foi de fortalecer a cena Sound System do interior do estado, além de tentar quebrar as barreiras do preconceito e tentar mostrar para outras pessoas e profissionais a cultura sound system. Com isso, houve a presença de onze sound system e os Mc’s originais do Jah Tubbys(uk), Dixie Peach e Macky Banton.

Outro fator que vale ser lembrado, é que nos três primeiros festivais houve apenas prejuízos para os organizadores, sendo necessário um equilíbrio financeiro para que esses

Considerações

Finais:

Podemos perceber que durante esses quinze anos de movimento sound system na cidade

de São Paulo, houve um crescimento muito grande tanto no número de pessoas que vão aos eventos, como o número de coletivos que se formam com o intuito de criam um sound system. Hoje em dia, os coletivos de sound system já possuem uma característica própria, passando suas mensagens durante as festas, gravando dubplates com artistas nacionais, além de publicar em redes sociais as mensagens que tocam em suas músicas. A internet (as redes sociais especificamente) também foram um dos fatores de popularização do reggae na cidade, já que no seu início, a divulgação era feita através de flayers e posters espalhados pela cidade, enquanto que nos dias de hoje, os coletivos têm uma ampla possibilidade de publicar seus eventos, vídeos, fotos e mensagens, mostrar trabalhos próprios, além de ter um contato mais direto com aqueles que os seguem com uma facilidade muito maior.

Tudo isso facilitou a divulgação, mas principalmente conseguiu atrair e agregar pessoas de diversos movimentos urbanos como o movimento punk, rap, hip-hop. O Sound System

também conseguiu causar em muitos de seus seguidores, a oportunidade de uma reflexão maior sobre o espaço ao seu redor, já que estes conseguem ter diferentes percepções sobre a cidade, dependendo do lugar em que ocorre o evento, podendo ser desde o centro até em favelas ou pontos extremos da cidade.

A autoidentificação que acontece em muitos dos jovens também tornou-se uma conquista, já que na nossa época, onde o governo do estado diminuiu a quantidade de aulas de história e geografia, além do seu plano de fechar mais de noventa e quatro escolas, mostra-se como o quão importante pode ser o Sound System como uma arma de empoderamento e de conhecimento de sua própria história, como ser pertencente a alguma diáspora. Assim, o Sound System age como uma “biblioteca de músicas”, onde cada disco pode ser comparado com capítulos de um livro, mantendo assim a velha tradição da oralidade. Assim, tanto os bailes, a comunicação e troca de materiais via redes sociais e as mixtapes vem alterando a realidade de jovens inspirados nos artistas, tendo assim uma nova perspectiva de atuação perante a sociedade, desde aprender outros idiomas como o inglês para poder compreender as mensagens contidas nas músicas, até a formação de agentes culturais que se interessam em levar essa e outras formas de manifestações culturais para suas comunidades.

Já são mais de cinquenta coletivos na cidade de São Paulo envolvidos com a Cultura Sound System, alguns deles já bem estruturados, mas outros ainda começando com seus próprios equipamentos, de forma amadora.

São mãos, pés, braços, mentes que trabalham juntos para que o complexo sistema de som funcione perfeitamente no momento dos bailes, para que a festa ocorra como previsto, e são todos esses corpos que também, juntos, sentirão a vibração e a vivacidade que a música carrega, e que é potencializada através dos amplificadores e caixas de som, conectando todas as pessoas em uma mesma sintonia – mais uma vez remetendo à ideia do coletivo, do todo.

(ESTERMANN; AZEVEDO,2013) Esperamos que este trabalho seja uma primeira etapa de muitas análises sobre a Cultura Sound System na cidade de São Paulo e no Brasil, além de ser um outro método para a divulgação da cultura, sendo pela música, pela internet ou por trabalhos acadêmicos. O movimento ainda necessita de muito crescimento, como um número maior de artistas, produtores musicais e pessoas que possam e queiram viver pela música reggae. Mas isso só conseguiremos com uma identificação cada vez maior entre as pessoas e a música de Jah. A luta continua...

Imagens:

(Coast To Coast #2 // LONE RANGER – Leggo Vieolence Posse & Jurassic Sound)

Reunion of Dub II - Channel One na seleção. Foto: André Freitas NazárioPanassi

Quilombo Hifi na Praça Zumbo dos Palmares Zone Norte – SP. Foto: André Freitas Nazário Panassi

Equipes de Sound System BlackStar Inity e Mc's do “A Voz dos Sem Vozes” Foto: André Freitas NazárioPanassi

Primeiro Reunion of Dub-Serralheria – Lapa – SP. Foto: André Freitas NazárioPanassi

Dubversão Sistema de Som, O pioneiro Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/987207-yellow-p-promove-festas-

Referencias

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ABRAMO, Helena – Cenas juvenis, punks e darks no espetáculo urbano. – Ed. Página Aberta, 1994.

BAUMAN, Zygmunt – A Cultura no Mundo Líquido Moderno – Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2013

CANEVACCI, Massimo – Culturas Extremas – Ed. DP&A, Rio de Janeiro, 2005

CATANI, Afrânio; GILIOLI, Renato – Culturas Juvenis múltiplos olhares – Ed. UNESP, São Paulo, 2004

HAESBAERT, Rogério; PORTO-GONÇALVES, Carlos W. - A nova des-ordem mundial - Ed. UNESP, São Paulo 2005.

HOBSBAWN, Eric J. – A era dos extremos - Companhia das letras- São Paulo, 2003

HALL, Stuart – A identidade cutural na pós-modernidade – DP&A editora, Rio de Janeiro, 2011

OLIVEIRA, Maria L.– A rebeldia e as tramas da desobediência – Ed. UNESP, São Paulo, 2004

SANTOS, Boaventura S. – Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social – Editora Boitempo, São Paulo, 2007

SOUSA, Janice T. – Os jovens anticapitalistas e a ressignificação das lutas coletivas – Perspectiva, Florianópolis , 2004

WHITE, Timothy – Queimando Tudo – Ed. Record, São Paulo, 2008

Teses:

Silva, Luiz H. - A evolução cultural e os aparelhos de hegemonia- o papel da industria cultural na subversão do ethos ocidental – UFV, Viçosa, 2010

Vidigal, Leonardo A. – A Jamaica é aqui – Arranjos audiovisuais de territórios musicados. – FFCH/UFMG, Belo Horizonte, 2008

ESTERMANN,Marianne R.; AZEVEDO, Raoni S. – São Paulo Jamaican Day: Pela difusão da cutur reggae e do movimento sound system. – Centro Universitário SENAC, São Paulo, 2013.

Referencias indicadas:

CARDOSO, Letícia C. – A cultura popular no Maranhão: uma industria política?

Artigo originalmente apresentado na VIII Conferência Brasileira de Folkcomunicação (Folkcom 2005), realizada em Junho de 2005, em Teresina/PI.

FREIRE, Karla A trajetória do reggae em São Luís: Da identificação Cultural à Segmentação – UFMA

SOUZA, Marcelo L.; RODRIGUES, Glauco B. – Planejamento urbano e ativismos sociais – Ed. UNESP, São Paulo, 2004

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