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A umbanda é uma religião brasileira surgida no Rio de Janeiro durante a década de 20 pela confluência de elementos religiosos do catolicismo, kardecismo e candomblé, sincretizando as várias influências culturais que contribuíram para a formação do povo brasileiro: a cultura européia, africana e indígena.

Muitas pessoas se aproximam dos cultos umbandistas procurando assistência espiritual e auxílio para a resolução de queixas. Como parte da rotina dos cultos de umbanda, os terreiros oferecem serviços de cura característicos de suas atividades religiosas. Bairrão e Leme (2003) afirmam que o termo umbanda servia na cultura banto para designar aquele que curava, o curandeiro cuja função era tratar dos males da comunidade seguindo os conhecimentos de sua tradição.

Como herança destas práticas que remetem às origens africanas, bem como acrescidas das influências do candomblé, do catolicismo popular e do kardecismo, as práticas de cura

têm um lugar significativo nos rituais umbandistas, pois é justamente o momento em que os freqüentadores têm a chance de serem atendidos em seus problemas particulares. Dentre as queixas que trazem estão problemas financeiros, questões de saúde, situações de conflito interpessoal e emocional.

Pesquisadores como Brumana e Martinez (1991), Carvalho (1995), Loyola (1984), Magnani (1980), Montero (1985) e Nascimento (1999) descrevem estas práticas de cura características da umbanda e ressaltam a importância que o tratamento espiritual adquire para os umbandistas e para a comunidade de terreiros.

A umbanda é uma religião que crê na reencarnação e na divisão entre o mundo material do cotidiano dos praticantes e o mundo espiritual – terra mítica de Aruanda - onde residem os espíritos elevados. O culto é um momento de contato e interação entre homens e espíritos já desencarnados que pelo transe mediúnico incorporam em um médium -praticante que possui o dom de receber tais espíritos. Estes são classificados e reconhecidos dentro de um panteão característico da umbanda, composto por orixás, que são espíritos referentes às divindades africanas, representantes das forças da natureza, como o fogo, o vento, a água, o metal; e espíritos desencarnados, como os pretos-velhos, caboclos, baianos, boiadeiros, crianças, pombas-giras e exus. Estes últimos são alusivos a personagens marcantes da história e do povo brasileiro. Segundo Birman (1985) os guias representam “tipos” brasileiros, como os pretos-velhos, que seriam os escravos negros de outrora, ou os caboclos, que seriam os descendentes indígenas; além de outras figuras populares, como ciganos, malandros etc.

Toda a estruturação das práticas umbandistas segue esta visão cosmológica e o desempenho da cura quase sempre fica por responsabilidade de espíritos incorporados, chamados de “guias”, de alto desenvolvimento moral e espiritual, que propagam benefícios aos praticantes pelo ideal de promover a “caridade”, a ajuda ao próximo. Brumana e Martinez (1991), Montero (1985) e Magnani (1980) descrevem práticas como o “passe”, a “benzeção”,

a “desobssessão” que são procedimentos curativos desempenhados na proximidade entre o consulente (o indivíduo que traz a queixa) e o agente da cura, que pode ser tanto um espírito ou um chefe-de-culto.

Na descrição dos procedimentos que se estabelecem entre “guias” e consulentes, surgem situações que sugerem explicações psicológicas sobre a cura. Isso é descrito em pesquisas e trabalhos de autores que apresentam teses e reflexões sobre o tratamento espiritual, apontando para uma caracterização da eficácia terapêutica que poderia ser compreendida por explicações de cunho psicológico.

Pode-se exemplificar por uma citação de Nascimento (1997):

“ O que pude observar é que o ritual da consulta faz com que se estabeleça entre pai-de-santo e o doente uma integração psíquica e a ‘penetração” do pai- de-santo na mente do doente. Nas consultas para se saber sobre o seu problema (saúde, trabalho, afetivo, empreendimento, dentre outros), ao indagar o consulente, já tem a resposta no seu inconsciente” (NASCIMENTO, 1997, p. 278).

Tais explicações são tentativas de descrever e explicar a eficácia do tratamento espiritual umbandista a partir de considerações científicas. Montero (1985) caracteriza este tipo de explicação como algo polêmico, mas em suas descrições sobre a cura umbandista também utiliza terminologias psicológicas para caracterizar a ação curativa.

Diz Montero (1985, p. 154): “ tudo se passa como se os símbolos religiosos oferecessem uma série de mecanismos de defesa, socialmente sancionados e psicologicamente apropriados que lhe permitem compreender seus conflitos idiossincráticos ”.

Desta forma vê-se que o estudo da cura umbandista constitui um campo atrativo para a pesquisa tanto social como psicológica, pois permite enfocar o ser humano nestes dois aspectos de investigação. Contudo, utilizar explicações psicológicas para fenômenos sociais não é um procedimento simples e pode acabar por propagar os riscos reducionistas que marcaram o uso das teorias psicológicas no âmbito do social.

Por conta desta dificuldade em se fazerem estudos que levem em conta a complexidade do ritual umbandista na pesquisa social sobre tais práticas de cura, as explicações psicológicas ficam, ora “pairando” como hipóteses, mas sempre de forma lateral, sem constituir-se como foco central de investigação – isso no caso de Magnani (1980), Montero (1985) ou Nascimento (1999) – , ou como traduções psicológicas do ritual – como no caso de Rodrigues (1900, apud GOLDMAN, 1984), Ramos (1934) e La Porta (1979) –, que descreve o ritual em termos de representações psíquicas, o que no fim das contas, como discutem Mantovani e Bairrão (2005), acaba por criar uma lacuna entre a realidade dos praticantes e as explicações científicas.

Dessa forma, apesar das práticas umbandistas de cura (bem como outros aspectos do ritual) constituírem um campo de investigação em que as teorias psicológicas poderiam contribuir para a investigação, é necessário desenvolverem-se pesquisas baseadas em referenciais teóricos e metodológicos que possibilitem o aprofundamento e a compreensão destas práticas rituais, levando em conta como aquilo que seria relativo ao psicológico estaria atrelado ao social e vice-versa.

No documento Aquestãosocialdacuraemcultosumbandistas (páginas 34-39)