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1 Os contornos da pesquisa: os usos do conceito de experiência, as fontes para pesquisa em história social do trabalho e as bibliografias sobre relações

2.2 O LABOR NA FÁBRICA LANEIRA BRASILEIRA

2.1.2 A década de 1970 e a inauguração do Tops de lã

Até meados de 1970, a fábrica Laneira Brasileira apenas comercializava a lã lavada; entre os anos de 1974 e 1975, o lanifício ampliou suas atividades ao passar a realizar o tops de lã. Sendo assim, a fábrica que outrora realizava a classificação, a triagem e lavagem, a partir de então, passou a realizar o chamado tops, que consiste na cardagem, penteagem e, por fim, a lã era organizada em grandes bobinas para ser comercializada. Essas bobinas recebiam o nome de Tops de Lã.

As máquinas para fundar esse novo setor foram importadas, porque não havia no Brasil indústrias desse porte. O ex-diretor Elmo Vieira da Silva39, que acompanhou todas essas transformações da fábrica Laneira Brasileira, pois começou a trabalhar na fábrica em 1954 e dela saiu apenas quando fechou, auxiliou em muito a compreender a trajetória da fábrica. Sobre esse fato, ele afirma que:

A Laneira industrialmente já tinha aumentado seu processo de fabricação de lã lavada para tops de lã, em 1974, 1975. Logicamente

39 O Sr. Elmo Vieira da Silva foi ex-contabilista e diretor da fábrica Laneira Brasileira; começou a

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que sempre construindo para ir, digamos assim, absorvendo toda a capacidade de construção a capacidade física do aumento que a fábrica teve com novos equipamentos. E esses equipamentos de tops de lã eles foram importados de máquinas de última geração, por isso que foi importado porque não tinha máquinas assim no Brasil, máquinas de fabricação de tops (SILVA, V. 2014, p. 5).

Logo em seguida, em 1977, os proprietários da fábrica de Santana do Livramento, o Lanifício do Rio Grande do Sul, Thomaz Albornoz S.A., que por sinal era a principal concorrente da fábrica Laneira Brasileira, compraram o controle do principal acionista da fábrica de Pelotas, chegando a adquirir as ações de pelotenses. Tornavam-se, assim, os acionistas majoritários da fábrica Laneira Brasileira (MELO, 2013).

Enquanto a classificação, triagem e a lavagem eram realizadas no primeiro andar da fábrica, o segundo andar encarregava-se por realizar tops de lã. Logo após a lavagem, a lã podia seguir dois caminhos diferentes, tendo em vista que a fábrica oferecia a seus clientes dois tipos de beneficiamento da lã: no primeiro caso, era entregue a lã enfardada, e, no segundo, em tops de lã.

Para melhor entender esse processo, explicar-se-á o caminho que a matéria- prima percorria no interior da fábrica. Desse modo, para a feitura do primeiro produto, a lã após lavada era levada para o piso superior, através da praia de orear, chamada pelos operários de praia de lã, que eram grandes ductos inoxidáveis que transportavam a lã limpa para prensa e enfardagem (primeiro produto) ou seguia para o setor para a feitura do tops de lã (segundo produto). O processo de prensagem e enfardagem, o nome mesmo já indica, era o momento em que se prensava e enfardava a lã lavada já pronta para o comércio.

A produção dos tops de lã, assim como a lavagem, funcionava dia e noite. O chefe do setor de tops40 explica que eles trabalhavam de portas fechadas, pois para manusear a lã era necessário que houvesse uma umidade ideal do ar. Por essa razão, era imprescindível estar sempre atento, para que não houvesse alteração na umidade do ar para que não gerasse problemas na lã. Sobre essa questão, Melo (2013) explica que os tops de lã era a primeira fase da industrialização da lã in natura para a preparação do fio que servia de matéria-prima para a fiação.

40 Sr. João Sidinei Cardoso, chefe do Tops de lã da noite, começou o trabalho no setor em 1975 e

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A primeira etapa pela qual a lã passava dentro da produção era a cardagem. Esse processo era realizado pela carda, uma máquina que tinha, segundo o ex- chefe do setor, João Sidinei Cardoso (2014), cerca de dez metros de comprimento e quatro de largura e era controlada apenas por um operador de máquina. A função dessa máquina era de desfiar a lã ao ponto de transformar os novelos vindos da lavanderia, embaraçados e sem formato, em uma mecha de lã homogênea. Nela também era feita a captação de possíveis resíduos que pudessem ter ficado na lavagem. A foto a seguir mostra o processo de finalização da cardagem, no qual já sai a mecha de lã.

Figura 4 - Cardagem de lã. Acervo da Fototeca Memorial da UFPel41

Havia na fábrica três cardas que funcionavam concomitantemente tanto no turno da noite quanto de dia. O chefe do setor, o senhor João Sidinei, explana que: “Ela [máquina] desfiava a lã toda, ficava tipo um algodão, o que entrava ali saía um

algodão. Que saía tudo em mecha que depois ia para as máquinas lá em cima.”

(CARDOSO, 2014, p. 5). No entanto, o próprio operador da máquina, o senhor Samuel Gonçalves da Rosa (2014)42, deixa claro que a máquina carda era muito

41 Disponível em: <http://www2.ufpel.edu.br/ich/arquivofotografico>. Acessado em: 15 mar. 2015. 42 Operador de máquina, Samuel Gonçalves da Rosa trabalhava no setor de tops no período da noite,

sabia operar todas as máquinas do setor. Samuel aprendeu a manejar as máquinas com seu chefe de setor, o sr. João Sidinei Cardoso. Começou a trabalhar na década de 1980 e saiu da fábrica antes de sua falência em 2003.

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perigosa, sendo necessário ter muita atenção no seu manuseio, pois era geradora de inúmeros acidentes de trabalho: “[...] é muito perigosa, quantos perderam dedos,

mão ali e braço” (2014, p. 4).

É importante deixar claro que a fábrica Laneira Brasileira, segundo relatam os operários, funcionava a partir de encomendas; sendo assim, os operários dedicavam-se a processar o tipo de lã solicitado. Isso ocorria por dois motivos, sendo a lã muito volumosa, trabalhar por encomendas otimizava o uso do espaço dentro da fábrica. Além disso, a cada término de ciclo (finalização do processo), as máquinas passavam por uma regulagem. Essa manutenção era feita de acordo com o tipo de lã que se queria produzir.

Era o chefe de setor João Sidinei Cardoso (2014), mecânico, que fazia essa manutenção a cada finalização de processo no período da noite, preparando as máquinas para a próxima produção. Isso pode ser comprovado na fala do próprio João Sidinei: “Era eu que regulava todas as máquinas. Cada tipo de lã era a

regulagem das máquinas, não é assim, vou botar esse tipo de lã e vai, não. Aí tu tinha que regular todas elas. No meu turno era só eu.” (2014, p. 6).

Depois da lã cardada, passava para o setor de penteagem. Nesse processo, Melo (2013) explica que é feita a eliminação de possíveis impurezas e a retirada das partes curtas das fibras com tamanhos inadequados. Com isso, pretendia-se uniformizar o comprimento da fibra, permanecendo apenas fios resistentes e de boa qualidade.

No entanto, tanto João Sidinei quanto o operador de máquina Samuel explicam que o setor de tops procurava aproveitar todos os resíduos de lã, tendo em vista que toda a produção ia para relatório e, caso faltasse no montante final a gramatura da lã que havia entrado como matéria-prima bruta, os responsáveis pelo setor precisavam explicar tal fato à chefia. Com isso, os operários, por muitas vezes, emendavam as lãs que “quebravam”.

João Sidinei afirma que era muito trabalho. Mesmo sendo o setor todo mecanizado, os operadores precisavam dar conta de muitas máquinas funcionando ao mesmo tempo. Todavia, as máquinas tinham um dispositivo que os auxiliava:

Quando arrebenta aparece o vermelho, o vermelho é o perigo, né? Cada máquina tinha um sinal: o vermelho quando arrebentava, o amarelo era quando faltava alimento lá atrás, daí o operador já sabia.

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O verde, quando abriam uma lateral dela, acendia o verde. Quando a lã arrebentava parava. É se ela segue andando ela embucha, então ela parava por conta. Aí o operador tem que ir lá botar ela funcionar e enfia de novo. (CARDOSO, 2014, p.6)

As máquinas tinham um painel com cores que acendiam conforme a necessidade da máquina. Seguindo a fala do João Sidinei, quando acendia o vermelho, significava que a lã havia “quebrado”, sendo necessário emendá-la, organizá-la na máquina novamente para, somente após, continuar o processamento. Caso essa etapa não tivesse sido bem efetuada, a penteadeira permanecia sinalizando com o sinal vermelho e desligada. Já a sinalização amarela indicava falta de matéria-prima; para isso o operador da máquina precisava abastecê-la com lã. Por fim, o sinal de cor verde indicava que a máquina estava em manutenção.

No final, a lã ia para a bobinadeira, que fazia bobinas com dez quilos de lã. A imagem a seguir traz uma ideia do tamanho das bobinas produzidas. Essa é uma carga de bobinas com lã destinada a ser escoada no porto. O container representado na fotografia é de vinte pés.

Figura 5 - Tops de Lã em um container de 20 pés pronto para ser transportado por caminhão com destino ao porto 43. Acervo fotográfico da autora44.

43 Fotografia da década de 1980.

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Quando esse lote de lã era finalizado, não era permitido que outro lote de lã iniciasse um novo ciclo nas máquinas para seguir a produção. Primeiramente, todas as máquinas precisavam passar por uma limpeza. Renato, outro narrador, assim explica:

Quando terminavam aquele lote colocavam uma barreira, ó terminaram esse lote. Então tinha que esperar a limpeza [...], para não ter contaminação de um lote para outro. [...] Então não podia ter contaminação de um lote ruim, que ia ser vendido com preço inferior, com o lote de qualidade. Os lotes muito inferiores eram usados para fazer froter45 que era para fazer o colchão e coisa assim, com

mechas sem muito trabalho. (SILVA, O. 2014, p.14).

Portanto, as máquinas precisavam ser limpas após a passagem de um lote, para que não ocorresse qualquer tipo de mistura que porventura pudesse prejudicar a qualidade do produto final. Além disso, a limpeza obrigatoriamente deveria ser realizada também antes de entregar as máquinas para o próximo turno. Samuel afirma: “Tu não imagina depois da limpeza das máquinas a sujeira que a gente

saía.” (ROSA, 2014, p. 3). Ele explica que não era um serviço que exigia força

porque era realizado todo com ar, o ruim era que acabavam se sujando com “óleo

da máquina, sujeira e pó da lã” (ROSA, 2014, p.3). Essa limpeza era normalmente

realizada pelos próprios operadores da máquina.

Esses operários viveram entre 1977 a 1980 um período de grande lucratividade para a fábrica no lanifício Laneira Brasileira, pois o incentivo fiscal dado pelo governo brasileiro, neste período, estimulou as indústrias à exportação, promovendo uma ampliação das vendas. Com tamanha lucratividade, a fábrica investiu no seu desenvolvimento industrial com a inauguração de um novo setor, o de fiação, em 1980 (MELO, 2013).