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1 Os contornos da pesquisa: os usos do conceito de experiência, as fontes para pesquisa em história social do trabalho e as bibliografias sobre relações

2.2 O LABOR NA FÁBRICA LANEIRA BRASILEIRA

2.1.4 Gilberto e o Grêmio Atlético Laneira

Gilberto Lopes Barbosa (2014) continua sendo uma figura emblemática entre os ex-colegas de trabalho, tanto por suas habilidades no futebol quanto por seu carisma no meio fabril. Deixo um espaço especial para o cotidiano profissional desse operário, por ela ser de grande relevância para compreender o Grêmio Atlético Laneira, como era chamado o clube de futebol composto por operários do extinto lanifício Laneira Brasileira.

Gilberto conta que começou a trabalhar desde muito jovem, entre os 13 e 14 anos de idade. Atuou 12 anos carregando sacos, de aproximadamente 60 kg. Assim que foi demitido procurou outras possibilidades de trabalho na cidade de Pelotas. Ele afirma que desejava muito trabalhar na fábrica Laneira Brasileira, pois a grande movimentação que a fábrica produzia, seja com a carga e descarga de lã como na quantidade de operários com o uniforme da Laneira Brasileira que por aquela região circulavam, geravam-lhe grande curiosidade para conhecer o lanifício. Diante disso, procurou a firma para se candidatar à vaga de trabalho no lanifício. O currículo dele era igual a tantos outros currículos que eram diariamente deixados na fábrica, pois nada sabia sobre a produção de lã, nem tinha tido qualquer experiência de trabalho no ramo têxtil.

No entanto, algo nele o diferenciou dos outros candidatos; é possível identificar tal condição na própria fala do ex-laneiro, ao dizer que “[...] a Laneira

colocava quem jogava futebol, ai como eu jogava no Farroupilha48 daqui, me botaram. Tinha 24 anos há pouco tinha casado. Daí comecei, a noite trabalhava na rasgadeira.” (BARBOSA, 2014, p. 3). Portanto, em 1979, o currículo de Gilberto foi

selecionado por conta de sua fama no futebol pelotense.

48 Trata-se do Grêmio Atlético Farroupilha, fundado em 1926 na cidade de Pelotas/RS, localizado no

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Essa condição especial para contratação também foi apresentada pelo operário Samuel, ao afirmar que: “Teve um tempo, muitos anos atrás, que para

entrar na fábrica tinha que saber jogar futebol. Teve muitos profissionais de futebol que jogaram lá dentro, tem o Gilberto do Farroupilha, Valdomas do Internacional, também tinha o Amigo” (ROSA, 2014, p. 9).

Antunes (1994), ao estudar o futebol no cenário fabril, explica essa tendência da fábrica em contratar profissionais do futebol para o trabalho na fábrica. A autora esclarece que no começo as fábricas incentivavam o futebol por meio de auxílio financeiro para aquisição de equipamentos esportivos, aluguel do campo para praticar o futebol entre outras despesas. Porém, com as disputas em campeonatos, as direções de fábricas foram levadas a montar equipes mais competitivas com jogadores de melhor qualidade técnica. Com isso, preferiam contratar um bom jogador a um bom operário, até porque as indústrias logo perceberam que o futebol era um ótimo veículo publicitário, pois os jogadores carregavam o nome da fábrica e com isso divulgavam seus produtos.

Veja a fotografia a seguir com os jogadores do time da fábrica Laneira Brasileira, todos uniformizados com as cores da fábrica e, na camisa azul e vermelha, há, bem no centro, uma listra branca com o nome do lanifício. Na fotografia, o ex-laneiro Gilberto é o primeiro jogador abaixado à esquerda na fotografia.

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Figura 6 - Jogadores do Grêmio Atlético Laneira. Fotografia da década de 1980. Acervo fotográfico da autora49.

João Sidinei explicou que até tentou jogar por diversão no time da fábrica Laneira Brasileira, “[...] joguei poucas partidas, mas tinha que ser bom de bola para

estar lá, era um paneleiro.” (CARDOSO, 2014, p. 6). João Sidinei comenta que para

estar no time era necessário saber jogar muito bem, por conta disso, ele não ficou no time. O futebol, então, não era um espaço de lazer ou ainda para o bem-estar do operariado, como explica Antunes: “Apenas os melhores integrariam a equipe. Poucos, realmente teriam a condição de disputar uma posição no time da fábrica quanto aos demais, aqueles que gostavam de jogar só por diversão, tinham que se conformar com a condição de espectadores.” (ANTUNES, 1994, p. 106).

No entanto, Gilberto precisava organizar-se e, por vezes, abrir mão de estar com a família para representar a fábrica nos jogos de futebol. O ex-jogador conta uma das suas experiências enquanto operário e jogador:

Nos domingos, eu jogava em Rio Grande e eu pegava às 22h. Eu saía de manhã para Rio Grande, daí eu pegava um ônibus na quinta às 9h30, dali eu descia na escola técnica e ia para Laneira trabalhar. Já vinha de banho tomado barriguinha cheia, fazia a minha parte e soltava às 6h da manhã. Quando chegava em casa minha esposa já estava saindo para o trabalho dela (BARBOSA, 2014, p.7).

49 Foto cedida pelo Sr. Gilberto Barbosa (2014), ex-jogador de futebol, ex-chefe do setor de fiação e

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Ao mesmo tempo, foi beneficiado em meio a sua dupla jornada dividida entre o trabalho têxtil e o futebol, tendo em vista que foi promovido ao cargo de diretor de esportes na fábrica Laneira Brasileira. Ele traz algumas de suas vivências enquanto jogador da fábrica:

Nós concentrava lá guria, como esses times profissional, porque nós disputava o zona sul da época daí então o pessoal concentrava. Nós ficávamos lá dentro lá. É como os times grandes fazem, quando os times grandes saem para viajar eles ficam em um hotel, né? E nós ficava dentro da Laneira para jogar domingo. O tempo foi passando e esses campeonatos de firma acabaram. Antes, nós tinha aqui na cidade de Pelotas o time da Fiação e Tecidos, fazia a mesma coisa que nós só que era tecido, tinha a Cosulã também. E todas tinham times (BARBOSA, 2014, p.11).

Além disso, quando o setor de fiação foi montado pela fábrica, Gilberto foi um dos selecionados para aprender a trabalhar nesse novo setor. Com isso, saiu da lavanderia e passou a aprender, junto a um técnico contratado para ensinar os operários, o novo ofício de fiador. Assim, ele aos poucos conseguiu galgar o maior cargo no seu setor, o de chefe de fiação no turno do dia. Interessante que mesmo tendo participado da greve realizada pelos operários em 1988, isso não lhe trouxe prejuízos nas relações trabalhistas, pois continuou tendo um ótimo canal de acesso ao patronato laneiro.

Destaca-se aqui o caso estudado por José Sérgio Leite Lopes (2006). Trata- se da trajetória de vida do famoso jogador de futebol Garrincha. Guardadas as proporções, esse exemplo estudado por Lopes (2006) auxilia a entender que os benefícios destinados aos futebolistas da fábrica Laneira Brasileira não deram um caso atípico, mas sim representativos de fábricas com clubes esportivos. Lopes (2006) explica que Garrincha trabalhava desde criança na tecelagem Cia. Amperica Fabril de Pau Grande e que começou sua carreira de futebol no Sport Club Pau Grande, organizado pelos operários dessa tecelagem onde trabalhava. O seu talento no esporte, segundo afirma Lopes (2006), garantiu não apenas o emprego como também regalias nas relações de trabalho, principalmente em meio aos conflitos entre os operários e a diretoria da fábrica os quais, normalmente, acabavam em demissões.

Portanto, o futebol abriu portas para a contratação de homens com habilidade esportiva na fábrica Laneira Brasileira. Todavia, esses jogadores não recebiam

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nenhum acréscimo salarial por representar a fábrica nos torneios de futebol. No entanto, o futebol garantia-lhes uma série de benefícios que ultrapassava as questões materiais, chegando a alterar as relações de trabalho em meio fabril, haja vista que, por promoverem a fábrica, isso garantia aos jogadores operários, como já verificado por Antunes, “[...] um processo de mobilidade social no próprio local de trabalho, do qual apenas uma pequena parcela de trabalhadores pôde ser beneficiada com ganhos reais” (ANTUNES, 1994, p.109).