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OS CONTEXTOS HISTÓRICO E GEOGRÁFICO NA AMAZÔNIA

3.3 A decadência da economia da borracha na Amazônia: 1920 a

No ano imediatamente seguinte ao ápice da produção brasileira de borracha, em 1913, a produção asiática (47.000 toneladas) suplantaria a brasileira (36.615) pela primeira vez. Em 1919, estimulada pelo aumento da demanda em função da Primeira Guerra Mundial, a produção das colônias asiáticas avançou para 382.000 toneladas, nada menos que 11 vezes superior à brasileira (34.000). A grande expansão da oferta de borracha no mercado mundial provocou forte queda dos preços, penalizando, sobretudo, a produção amazônica, cujos custos de produção eram muito superiores aos asiáticos. Em 1919, a produção brasileira foi de 5,7 milhões de libras-ouro, menos de ¼ do que representava em 1910 (PRADO JR., 1977).

O impacto da borracha para a economia Amazônica foi excepcional. Enquanto a taxa de crescimento da renda per capita brasileira na segunda metade do século XIX foi de 1,5% ao ano, na Amazônia foi de 6,2%, muito superior à expansão ocorrida na região Sudeste (que vivia forte expansão devido a economia cafeeira), de 2,3%; na região Sul (1,0%) e na região Nordeste (-0,6%) (FURTADO, 1975).

Em relação à ocupação, o salto foi excepcional, com a população da Região Norte (excluindo, portanto, Maranhão e Mato Grosso) passando de 330 mil em 1872 para 1,44

milhão em 1920. Duas grandes cidades ergueram-se em plena selva: Belém, com 170.000 habitantes e Manaus, com 70.000 em 1920.

A decadência econômica que se instalou na região a partir da década de 1920 foi profunda, se expressando bem na estagnação populacional, com o contingente regional apurado no Censo Demográfico de 1940 em 1,46 milhão de habitantes, num período em que a população brasileira cresceu 35%, ou em mais de 10 milhões de pessoas.

Analisando o processo de formação da atual estrutura agrária na Região Amazônica, Costa (2000) apresenta uma visão bastante original, afirmando que o caráter de fronteira tem levado a estruturas produtivas que convivem e se alternam, uma no trabalho compulsório vinculado aos grandes empreendimentos mercantis e outra, num campesinato relativamente autônomo, surgido no interior de processos de acumulação mercantil.

Foi assim com o sistema de aldeamentos que, a partir da metade do século XVIII, viu surgir um campesinato caboclo, que se torna a base produtiva fundamental e só se torna parcialmente disfuncional à acumulação mercantil na segunda metade do século seguinte, com a ascensão da produção de borracha. Novamente a força de trabalho volta a ser estruturada pelo capital mercantil com base na coerção, com o recrutamento de trabalhadores para os seringais.

A decadência da borracha, a partir da segunda década do século XX proporciona as condições para um novo surto de crescimento do campesinato extrativista no Acre e no sudeste do Pará e para a formação de fortes estruturas camponesas agrícolas na região Bragantina e no médio Amazonas, ambas no Estado do Pará.

Um fôlego ainda maior viria a partir da década de 1950, com a abertura da rodovia Belém-Brasília e a formação de um campesinato de grandes proporções, transformando a porção oriental da Amazônia em espaço de ‘fronteira’ para o resto do país, ou seja, acentuava-se a sua inserção no mercado capitalista com base na forma camponesa de produção, o que poderia ter sido uma repetição dos processos verificados no Paraná, até os anos 1960, e em boa parte do Centro-Oeste, até os anos 1970. (COSTA, 2000).

Para o autor, a presença da grande empresa capitalista na “fronteira agrícola” amazônica contrariava uma clara tendência que vinha se delineando e se mostrando dominante. E questiona se a recente imposição da grande empresa no cenário regional ocorreu por ser uma real alternativa de desenvolvimento, vencedora no embate travado no plano do mercado em relação a outras estruturas produtivas concorrentes, ou se ela se explica devido a interferências políticas, extra econômicas.

A crise vivida na Amazônia na primeira metade dos anos 1920, com a concorrência da borracha do sudeste asiático, foi particularmente profunda, resultando num forte processo de reorientação de sua economia e da própria sociedade, germinando novas estruturas produtivas que se nutriam dos elementos restantes de trabalho e capital não mais

passíveis de alocação nos decadentes seringais. Estima-se que em 1920, a renda interna líquida teria se situado em torno de 1/5 da de 1910.

Como se tratava de uma economia exclusivamente voltada para o mercado externo, o “fechamento” deste, segundo Costa (2000) levou a uma crise sem proporções. Em 1921, a quantidade de borracha exportada pela Amazônia representava menos da metade (45%) da quantidade vendida ao exterior em 1910. Por sua vez, o preço médio (libra/tonelada) situou- se, naquele ano de 1921, em torno de 11% do que fora em 1910, de forma que as receitas de exportação da borracha amazônica passaram a representar, em 1921, apenas 5% do montante de 1910.

A diferença entre a queda na renda do setor da borracha e da renda das atividades produtivas na Amazônia é explicada pelo aumento da renda em atividades alternativas, que se expandiram fortemente neste período. O autor observa que, se o valor da produção da borracha na Amazônia caiu de 194,45 para 33,91 mil contos de réis entre 1910 e 1920, o valor dos demais produtos agrícolas teve um expressivo aumento, de 23,83 para 89,8 mil contos de réis, aumentando seu peso relativo na produção agropecuária e extrativa de 10,9% para nada menos que 72,7%. Dessa forma, as consequências na estrutura social, a partir da grande débacle da borracha de 1912/14, são a de um amplo processo de “campenização” dos trabalhadores dos seringais, ou seja, sua transformação de seringueiros em camponeses e a reorientação do sistema de aviamento para outros produtos extrativos que não a borracha (COSTA, 2000).

Dessa forma, os milhares de trabalhadores atrelados aos seringais migraram para as proximidades das grandes cidades da região (em particular de Belém e Santarém) e se transformaram em camponeses agrícolas autônomos, passando a produzir arroz, farinha de mandioca, milho e feijão para o abastecimento desses mercados, agora extremamente limitados em sua capacidade de importar ou permanecer nas áreas dos seringais, organizados como pequenos produtores familiares, como camponeses-caboclos, dedicados a atividades extrativas, mas sempre praticando agricultura para autoconsumo, elemento essencial de sua reprodução.

O autor recorre ao exemplo do imenso projeto da Ford no Estado do Pará para ilustrar as dificuldades dos grandes empreendimentos na região neste período. A grande companhia norte-americana projetava a contratação de 17.500 trabalhadores para implantar e manter os seringais que pretendia ao longo da década de 1930, contingente que se elevaria para mais de 30.000 no final da década.

Ocorreu que o número máximo de trabalhadores recrutados foi de 3.100, em 1932, ou seja, 1/10 do previsto. Entre as causas do fracasso estão, segundo o autor, de um lado, o caráter singular que mantém indomada a natureza originária, e de outro, o fácil acesso, na época, à terra e aos recursos naturais nela presentes. Dessa forma, o camponês recusava-

se a trocar sua autonomia e o ritmo de trabalho na unidade familiar pela disciplina do trabalho organizado nos moldes capitalistas, mediante o assalariamento, inclusive por dispor dos meios de produção da existência (COSTA, 2000).

Ao se comparar os dados dos Censos Agropecuários de 1920 e de 1940, relativos ao Estado do Pará, evidencia-se a forte expansão da pequena produção agrícola. Os estabelecimentos rurais com menos de 100 hectares passaram de 19.752 em 1920 para 50.188 em 1940 e a área cultivada (principalmente com arroz, milho, algodão, fumo, cana- de-açúcar e café) aumentou de 91.477 hectares em 1920 para 493.117 hectares em 1940, sendo 275.007 referentes às lavouras temporárias e 218.110 às culturas perenes, uma expansão de nada menos que 440%.

O autor observa que estava em curso, no hiato criado pela crise da borracha, um processo de “campenização” na Amazônia, que rechaçava a submissão ao assalariamento capitalista e a grande empresa não consegue se impor. Mas com o advento da ditadura militar em 1964, as condições propícias ao avanço do grande capital voltam a se impor, quando, duas décadas após o fracasso da Ford, o Governo Federal institui uma nova política para o grande capital: a política dos incentivos fiscais administrados pela Sudam. Formula, no contexto de uma política geral de desenvolvimento do Brasil, uma estratégia específica para a inserção da região Amazônica, buscando superar a crise do padrão de acumulação que vinha desde a década de 1910 (COSTA, 2000).

Esta estratégia propugnava para o setor agropecuário a sua “modernização” mediante a dinamização da grande propriedade e sua transformação em empresa capitalista moderna, tecnificada, o que iria resultar em curto espaço de tempo na “desfuncionalização” da fronteira agrícola baseada na agricultura familiar, processo em curso há algumas décadas. De 1967 a 1985, a Sudam aprovou incentivos fiscais no montante de US$ 3.928 milhões para 959 empresas, das quais 628 (65,5% do total) eram agropecuárias (584) ou agroindustriais (44) (COSTA, 2000).

A estratégia do regime militar para a Amazônia assentava-se numa política fundiária que buscava garantir os estoques de terras necessários à estruturação da grande empresa, assim como manter baixos os preços dessas terras, objetivos alcançados mediante a federalização das terras devolutas dos Estados, os diversos mecanismos de privatização das terras, pela oficialização da grilagem e pela total falta de apoio à agricultura familiar na fronteira.

Mas apesar de todo o esforço desenvolvido pelo regime militar, sua estratégia para a região não logrou êxito. Para atestar os resultados limitados dos grandes projetos agropecuários, o autor cita que, em 1985, em projetos tecnicamente maduros, a capacidade de suporte projetada de 1,4 cabeça/hectare não passava de 0,65 cabeça/hectare. Dos 29.825 empregos permanentes previstos para serem gerados, havia apenas 11.846.

Segundo o autor, tal contribuição ao emprego foi desprezível quando se constata que em 1980, no Pará, principal estado da região, a agropecuária incentivada havia gerado 3.124 empregos, enquanto o contingente de trabalhadores diretos ocupados nos estabelecimentos camponeses, de até 200 hectares, atingia a cifra de 943.527 (COSTA, 2000).

Diversos outros números são citados pelo autor para atestar a supremacia da agricultura familiar na Amazônia, que toda a estratégia do regime militar não conseguiu anular. Ainda em 1985, os 495.621 estabelecimentos rurais da Região Norte distribuíam-se entre 472.789 pequenos (até 200 hectares); 22.239 médios (de 200 a 5.000 hectares) e 593 grandes (de 5.000 a 100.000 hectares). No total, geravam 2.219.929 ocupações.

Do pessoal ocupado familiar, naturalmente a grande maioria (95,7%) estavam nos pequenos estabelecimentos. Ocorre que das 166.407 ocupações como assalariados (permanentes e temporários), 87.089 (52,3%) eram geradas nos pequenos estabelecimentos, com os médios gerando 60.582 (36,4%) e os grandes apenas 18.736 (11,3%). Quanto ao valor da produção na Região no mesmo ano, nada menos que 73,7% do total foi gerado na produção camponesa. As fazendas respondiam por 17,8% e os latifúndios empresariais por 8,4%. (COSTA, 2000).

Nos estabelecimentos camponeses, a pecuária representava em 1985 16,4% do valor total da produção (prevalecia as lavouras temporárias, com 40,6%, seguida das permanentes, com 26,9% e do extrativismo, com 16,0%). Nas fazendas (estabelecimentos médios), o predomínio da pecuária era amplo (57,9%), seguido das lavouras permanentes (15,5%) e do extrativismo (15,5%); assim como nos latifúndios empresariais (estabelecimentos grandes), onde respondia por 44,0% do valor total da produção, secundada pela silvicultura (23,0%) e lavouras temporárias (16,1%). (COSTA, 2000).

3.4 O período de tímida recuperação econômica da Amazônia: os primórdios