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OS CONTEXTOS HISTÓRICO E GEOGRÁFICO NA AMAZÔNIA

3.1 A ocupação da Região Amazônica, do século XVII à metade do século XIX: base no extrativismo vegetal

Desde o início da colonização do Brasil por Portugal, a imensa região amazônica tem sido foco de ciclos exploratórios, típicos de uma economia colonial. As principais características de uma economia dessa natureza são a especialização na produção de produtos primários; a predominância que nela assume o setor externo, ou seja, a produção voltada prioritariamente para a exportação e a insignificância do mercado interno, decorrente do alto grau de concentração da riqueza e da renda (MIRAGAYA, 2003).

A exploração econômica da Amazônia iniciou-se em princípios do século XVII, a partir de episódios ocorridos no Nordeste brasileiro. Já no final do século XVI, expressivos

investimentos de capitalistas holandeses e flamengos tornaram a Zona da Mata nordestina uma das principais regiões produtoras de açúcar do mundo, notadamente em função da unificação dos reinos de Espanha e Portugal (entre 1580 e 1640) e da trégua nas disputas dinásticas entre Espanha e Holanda. A riqueza da região gerou a cobiça de outras potências europeias, particularmente a França e a Inglaterra, que iniciaram várias incursões no litoral setentrional da colônia. Em 1612, a França fundou a cidade de Saint Louis, atual São Luís, no litoral maranhense, com o intuito de aí criar uma colônia. A reação portuguesa foi imediata, com a expulsão dos franceses. Buscando reforçar a defesa da colônia, Portugal fundou em 1616, na foz do Rio Amazonas, no limite ocidental da colônia, segundo a Linha de Tordesilhas, a cidade de Belém.

Data de 1621 a criação do Estado do Maranhão e do Grão Pará, com sede em São Luís, e que passou a ter a administração colonial sobre uma vasta região a ser desbravada. A partir de Belém, sucederam-se incursões de comerciantes e religiosos portugueses para além da Linha de Tordesilhas. Tais incursões não suscitaram reclamações por parte dos espanhóis, primeiramente por estarem os dois reinos unificados e governados pela monarquia espanhola e, também, por estarem estes focados na exploração das ricas jazidas de prata do Alto Peru, muito distante da bacia Amazônica. Mesmo após a separação das duas monarquias, em 1640, os espanhóis deram pouca atenção às incursões portuguesas na vasta região Amazônica, até porque a preocupação maior estava em garantir a rota que ligava as minas de Potosí ao porto de Buenos Aires, ou seja, a bacia do Prata.

O que atraía os comerciantes portugueses eram as chamadas drogas do sertão, abundantes em toda a região. Abdicando da preação de indígenas (captura para o trabalho escravo), visto que esta era muito mais fácil e rentável nas reduções e missões situadas na bacia do Rio Paraná, os comerciantes obtinham as mercadorias junto às missões religiosas (jesuítas) que catequisavam os indígenas e os disciplinavam para o trabalho.

Dessa forma, a penetração se intensificou, com a fundação de fortes e vilas em toda a bacia, particularmente no médio curso do Rio Amazonas, tendo sido Manaus fundada em 1669. Em 1751, a denominação da colônia passou a Estado do Grão Pará e Maranhão, tendo a sua capital sido transferida de São Luís para Belém. Em 1772, o Estado do Grão Pará e Maranhão é dividido em dois (Estado do Grão-Pará e Rio Negro e Estado do Maranhão e Piauí) e em 1774 ambos são extintos, com suas capitanias ficando diretamente subordinadas ao Vice-Reino do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Deve-se destacar que, já em 1750, o Tratado de Madri reconhecia a posse portuguesa sobre a maior parte dessa imensa região, condição ratificada em 1778 pelo Tratado de Santo Ildefonso.

Durante os séculos XVII e XVIII e ainda na primeira metade do século XIX, a atividade econômica exclusiva na Região Amazônica foi o extrativismo vegetal. Mas a ampliação da Revolução Industrial para toda a Europa Ocidental e para os Estados Unidos

da América provocaram uma excepcional valorização de um produto amazônico, a borracha extraída da seringueira.

Ao analisar o processo de formação da Amazônia, Becker (2004) identificou três períodos históricos na formação da região: a) Formação Territorial (1616-1930); b) Planejamento Regional (1930-1985), compreendendo o início do planejamento (1930-1966) e a produção do espaço estatal (1966-1985) e c) A Incógnita do Heartland (1985-...). Segundo a autora, a compreensão do novo lugar da Amazônia nos espaços mundial e nacional exige uma breve análise da sua formação, historicamente construída. Afirma ainda que no período de 1616 a 1777 estendeu-se a posse portuguesa para além da linha de Tordesilhas, ocorrendo a apropriação lenta e gradativa do território, tendo como base econômica a exportação das ‘drogas do sertão’, mas a efetiva delimitação dos contornos da atual Amazônia se fez somente na segunda metade do século XIX.

Também estudioso do processo de formação da sociedade e da economia amazônica, Cardoso (1978) atesta que o início da ocupação da Região ocorreu quando os portugueses, a partir das suas principais praças no Nordeste brasileiro (Recife e Salvador), se deslocaram para a região visando afastar comerciantes ingleses, holandeses e franceses que se apoderavam das ‘drogas do sertão’ (canela, cravo, anil, cacau, raízes aromáticas, sementes oleaginosas, madeiras, salsaparrilha etc.). Tais conflitos atravessaram os séculos XVII e XVIII, e, desse movimento de defesa surgem São Luís, Belém, Macapá, Manaus e outras povoações portuguesas na Amazônia. Concomitantemente a este processo, o autor destaca as incursões na Região por colonos maranhenses em caça ao índio, fonte de mão de obra escrava para as suas plantações, em particular da cana-de-açúcar, descapitalizados que estavam para importar escravos africanos em virtude da queda do mercado açucareiro e de outros produtos (1650/70).

Como não conseguiram adaptar o índio aos moldes escravistas, passaram a usufruir de seu trabalho por intermédio da organização das missões jesuíticas. De uma forma ou de outra, diante da necessidade de lutar pela mão de obra indígena, os colonos promoveram uma enorme expansão territorial durante o século XVII até meados do século seguinte. Dessa forma, “Os núcleos militares e coloniais e as missões, baseados na exploração da mão de obra indígena, são as primeiras manifestações de povoamento da Amazônia” (CARDOSO, 1978, pag. 22).

No início do século XIX, ao final de quase dois séculos de ocupação, contabilizados os colonos, missionários, militares, escravos negros e indígenas aldeados, a população do Maranhão (que incluía o atual território do Piauí) limitava-se a 120 mil habitantes e a do Grão-Pará (que incluía os atuais territórios do Amazonas, Amapá e Roraima), a 100 mil. Sayago et al (2004) afirmam que a Amazônia brasileira tem sido alvo de uma ação sistemática de extração de riquezas desde o início da colonização, num processo em que

novos modos de produção e de organização social se desenvolviam, mas sem que resultasse no desaparecimento dos anteriores, estabelecendo-se a convivência de diferentes atividades, em que algumas prevaleceram em determinados períodos, ou seja, ocorreu uma alternância de hegemonia.

Dessa forma, o próprio ciclo das ‘drogas do Sertão’, que marcou o início da ocupação amazônica pelos jesuítas e foi predominante até meados do século XIX, está ainda vigente, assim como o ciclo da borracha, que começou em meados do século XIX e teve seu apogeu no início do século XX, embora represente hoje um papel menor na economia regional, não se encerrou.

Sayago et al (2004) concordam com Thery (2004) ao estudarem o padrão de ocupação regional e identificarem que, ao longo de séculos, os rios foram as vias de penetração, com os núcleos de povoamento sendo estabelecidos às margens das principais vias fluviais, ficando as terras mais afastadas das margens praticamente despovoadas. Dessa forma, a forte associação do circuito da produção tradicional com a rede fluvial de comunicações levou os autores a caracterizarem essa fase como a da Amazônia dos rios.

Para Sayago et al (2004), a Amazônia dos rios foi o padrão que marcou mais de quatro séculos de incursões exploratórias e ocupação da região, mas na segunda metade do século XIX, com o advento da era desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, começou a se desenhar uma mudança radical, processo que se acentua no final da década de 1960, já no regime militar, com um arrojado projeto de “conquista” da região.

Já Mendes (2006) faz uma retrospectiva mais remota sobre o processo de ocupação e uma avaliação crítica em relação às ações públicas desenvolvidas na Região Amazônica, destacando que essas começaram pelas instruções do Marquês de Pombal ao seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, despachado para Belém na condição de governador do recém-criado Estado do Grão Pará e Maranhão, na metade do século XVIII. Tais instruções teria sido o primeiro “Plano de Desenvolvimento” da Região.

3.2 A consolidação da ocupação Amazônica na segunda metade do século XIX: