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Capítulo 2 – O impulso na conduta

2.5 A decorrência prática de um argumento

Tendo explicitado seu pensamento acerca dos impulsos e da natureza humana, Dewey estende seu discurso a fim de expor algumas decorrências de sua argumentação, ou seja,

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Segundo Freire (2002, p. 124), a libido, para Freud (1856-1939), “nada mais é que um impulso sexual egoísta e agressivo que constitui a parte primitiva e fundamental da personalidade”, e muitos são os autores que combatem a concepção freudiana de que “os atos humanos, bem como os pensamentos, são motivados por uma força motora, instintiva e fundamental que é a libido”.Jung (1875-1961) teria dado menor destaque ao instinto sexual, afirmando que a libido “era apenas uma energia vital, que poderia estar direcionada para qualquer necessidade e não simplesmente uma energia sexual” (FREIRE, 2002, p. 127). Na visão junguiana, as ações humanas são regidas por “arquétipos”, ou seja, por um “instinto evolucional” derivado de “experiências, que foram, ao longo do tempo, acumuladas pela espécie humana” e que fornece certa “predisposição” para o comportamento.

decorrências práticas da Conclusão de que a natureza humana é educável. O autor pergunta: como contribuir para o tratamento deliberado da sublimação das atividades impulsivas, já que a natureza humana é educável? E responde indicando a “indispensável função moral do jogo e da arte” (DEWEY, 2002, p. 161).

Dewey (2002, p. 159) explica que satisfazer a atividade impulsiva por meio de ações objetivamente úteis, “isto é, por meio de ações que realizam mudanças úteis no ambiente”, não é a única alternativa para efetivar a sublimação. Certas teorias desenvolveram uma devoção demasiada perante o trabalho e criaram uma “desconfiança com relação ao entretenimento, ao jogo e à recreação”, postulando que o homem e o mundo encontram-se incluídos no escopo de uma lei natural, havendo, assim, harmonia entre as atividades humanas úteis e o ambiente, uma harmonia que só é interrompida quando o homem entrega-se a paixões que o afastam artificialmente de sua natureza. Assim, a diversão, o jogo e as atividades recreativas são considerados “desnecessários”, “perigosos”.

Dewey (2002, p. 160), porém, entende que considerar apenas os elementos úteis como relevantes é uma forma de dicotomizar as necessidades humanas e gerar a “fadiga, a tensão e o trabalho árduo e servil”. As “ocupações úteis que são socialmente organizadas para envolver o pensamento, alimentar a imaginação e equalizar o impacto do estresse” certamente precisam aliar-se a atividades que oferecem tranqüilidade e recreação, o que pode ser obtido por meio do “jogo e das belas-artes, ou da imaginação”, ou seja, por meio de atividades consideradas imaginativas, fantasiosas, em comparação com aquelas consideradas úteis devido às demandas do ambiente.

Com relação a essas atividades imaginativas, Dewey (2002, p. 160) diz:

Na verdade, elas representam necessidades morais. São necessárias para cuidar da margem que existe entre o capital total de impulsos que ainda demandam uma saída e aquele montante usado na ação regular. Elas mantêm o balanço que o trabalho definitivamente não pode manter. Elas são necessárias para introduzir variedade, flexibilidade e sensitividade na disposição.

Ao dizer que o jogo e a arte são necessidades morais, Dewey (2002, p. 161) também faz um “protesto” contra a visão disseminada por moralistas que, de modo extremado, acabam, por um lado, esperando “um tipo de supervisão organizada, senão uma censura ao jogo, ao drama e à ficção”, e, por outro, acabam convertendo o jogo e a arte em “instrumentos de edificação moral”. Para o autor, o próprio “alívio de uma atividade moral contínua – no sentido convencional de moralidade – é, em si, uma necessidade moral”. A relevância da arte e do jogo está em “empenhar e libertar o impulso, de maneiras bem diferentes daquelas em que são ocupados e empregados nas atividades ordinárias”, pois “adicionam significados novos e mais profundos às atividades usuais da vida” (DEWEY, 2002, p. 162).

Como se vê, o pensamento deweyano busca afastar dicotomias, separações e descontinuidades entre a atividade útil e a atividade imaginativa. Segundo Dewey (2002, p. 162), vários dos significados presentes em atividades sérias e importantes “originaram-se de atividades que não eram imediatamente úteis”, tendo encontrado gradualmente seu caminho em ocupações que têm uma utilidade mais objetiva.

As atividades artísticas e os jogos surgem porque as ocupações regulares são falhas no que tange ao “engajamento da completa esfera de ação dos impulsos e instintos, de maneira balanceada e elástica” (DEWEY, 2002, p. 163). Há evidências de um “excesso de imaginação”, um excesso de impulsos que buscam a novidade e que demandam um escoadouro que lhes é negado pelas atividades públicas e consideradas úteis às necessidades cotidianas. Com o jogo e a arte, objetiva-se a “redução da dominação do prosaico”, como um protesto contra o “obscurecimento dos significados resultante das ocupações ordinárias”. Para o filósofo, a arte e o jogo “liberam energia”, resultando em uma “forma construtiva”.

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A análise do discurso elaborado na segunda parte de Human nature and conduct mostra ser este o raciocínio de Dewey: tomando como ponto de partida uma noção firmada

anteriormente, o dado (D) que posiciona os elementos psíquicos e, conseqüentemente, a natureza humana como maleável, chega-se à alegação (C) de que a natureza humana é educável; a garantia (W) que possibilita a passagem do dado (D) à conclusão (C) estabelece a hipótese de que os componentes da natureza humana são maleáveis – os impulsos, por serem guiados por motivos extrapsicológicos, e os hábitos, por serem passíveis de modificação pela atuação dos impulsos – e, assim, tudo o que é maleável é passível de ser educado; tal garantia (W) tem por base (B) a existência de meios que possibilitam tratar educativamente o que é maleável e organizável; a garantia (W) e o apoio (B) poderiam ser refutados (R) por teorias que afirmam que a natureza humana só pode ser educada se for composta por unidades fixas e classificáveis, pressuposto que é debatido e recusado por Dewey, uma vez que, quando não se reconhece a característica maleável do psiquismo humano, torna-se irrealizável tratar os seus constituintes, restando uma tentativa de imposição cega e mecanizada.