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2 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DO SPAM À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA

2.1 A defesa do destinatário do spam e o artigo 39, III do Código de Defesa do

Antes de adentrar ao estudo do artigo 39, inciso III do Código de Defesa do Consumidor em defesa do destinatário do spam, é preciso fazer alguns esclarecimentos.

Primeiramente, cumpre destacar, que dificilmente iremos nos deparar com alguém que vive na era da tecnologia e nunca foi vítima de um spam, seja via internet, via celular, bem como por outros meios.

Dessa forma, pode-se constatar de uma maneira geral que os destinatários do spam somos todos nós. Em decorrência disso, é plausível ainda mencionar que todos nós somos consumidores, de uma maneira ou de outra, seja pelo simples fato de adquirir um celular, que é um produto, ou assinar um provedor, que é um serviço. Logo conclui-se que todos os destinatários do spam são consumidores.

Por conseguinte, é preciso clarificar o que é o consumidor. É no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º que encontramos a sua definição:

Art. 2. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Para Cristiano Heineck Schmidt e Fernando Nunes Barbosa (2010, p. 15):

A sociedade de consumo, é formada pela grande massa dos consumidores, tendo suas necessidades supridas pelos fornecedores de produtos e de bens. Desse agrupamento, somente não participam o ermitão, ou silvícola, que sobrevivem isoladamente do contexto da sociedade. Efetivamente, não há como não contratar, pois não se vive sem consumir.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) que é uma lei de função social tem como objetivo principal equilibrar a relação de consumo, que é desigual, protegendo a parte vulnerável que é o consumidor.

Por ter a vulnerabilidade do consumidor diversas causas, não pode o Direito proteger a parte mais fraca da relação de consumo somente em relação a alguma ou mesmo a algumas das facetas do mercado Não se busca uma tutela manca do consumidor. Almeja-se uma proteção integral, sistemática e dinâmica. E tal requer o regramento de todos os aspectos da relação de consumo, sejam aqueles pertinentes aos próprios produtos e serviços, sejam outros que se manifestem como verdadeiros instrumentos fundamentais para a produção e circulação destes mesmos bens [...] (GRINOVER et al, 1998, p. 7).

Foi com a intenção de defender o vulnerável da relação consumerista que se explanou de forma objetiva e clara, no Código de Defesa do Consumidor, especificamente em seu artigo 39 a proibição de práticas abusivas frente ao consumidor. São doze incisos e um parágrafo único que estipulam certas vedações aos fornecedores de produtos e serviços. Cumpre destacar, que o rol descrito no referido artigo é exemplificativo e não taxativo.

Nesse sentido, é possível afirmar que o consumidor depara-se com a falta de soluções expressa da problemática spamming frente ao Código de Defesa do Consumidor. Contudo, o spam pode ser enquadrado perfeitamente no rol de práticas abusivas elencadas no artigo 39, III da Lei 8078/1990.

Frisa-se que tal enquadramento é feito de forma analógica, pois como descrito anteriormente, não há nada expresso no referido código, tampouco no artigo. O artigo 39, III, assim dispõe:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...]

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

[...]

Consoante o entendimento de Leonardo Roscoe Bessa e Walter José Faiad Moura (2008, p. 94):

As práticas abusivas infelizmente repetem-se e se modificam a outras finalidades, resultando em prejuízo ao consumidor, sendo que ocorrem independentemente do valor do dano. Com efeito, lesões de pequeno valor, se consideradas em conjunto, dão a correta dimensão dos ganhos manifestamente excessivos dos fornecedores.

Nota-se que a prática abusiva é aquela em que, de certa forma, atinge o bem-estar do consumidor. Nesse sentido, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (apud SCHMIDT; BARBOSA, 2009) menciona que as práticas abusivas formam um conjunto variado de atividades, sendo este o gênero do qual as cláusulas abusivas e a publicidade abusiva são espécies. A prática abusiva pode ser conceituada como a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor.

A prática de enviar mensagens eletrônicas, seja o e-mail propriamente dito ou mensagem SMS, sem solicitação por parte do consumidor, é desconfortável, acarretando violação a intimidade e a vida privada do destinatário.

A Constituição Federal traz em seu texto proteção no que concerne a violação da vida privada e intimidade da pessoa, em seu artigo 5º, inciso X. Traz a seguinte redação:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte:

[...]

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]

Destarte, sustenta-se que as práticas abusivas são aquelas que o consumidor não consegue combater, ou seja, não importa o momento em que elas sejam perpetradas, e sim importa a falta de condições por parte do consumidor para defender-se.

Especialmente sobre o envio do spam via internet, Patrícia Peck Pinheiro (apud OLIVEIRA, 2009, p. 1) se manifesta, observando que “não há uma definição exata do que possa ser considerado um uso abusivo da rede. [...] Na Internet como um todo, os

comportamentos listados a seguir são geralmente considerados como uso abusivo: envio de Spam; [...]”

Podemos citar algumas práticas abusivas, que podem ser enquadradas como spam, por exemplo, quando o consumidor/internauta sem fornecer seu endereço eletrônico começa a receber inúmeros e-mails de propagandas de serviços e produtos, bem como alguns tipos de correntes supersticiosas, prometendo sorte caso o consumidor repassar e azar se ler e apagar.

Outro exemplo são as mensagens SMS e o serviço de telemarketing, sendo que os destinatários são os usuários de telefones (celular ou convencional), em que os remetentes ofertam algum serviço que o destinatário não tem qualquer tipo de interesse.

[...] o fornecedor visa compelir o consumidor a contratar com ele, impondo o bem, introduzindo-o na vida do consumidor, sem solicitação deste, e criando uma série de, por um lado, vantagens na adesão (para atraí-lo) e, por outro, ônus para que dele se desfaça (para mantê-lo). (BLUM, 2001, [S.p.])

Impõe agregar, que os folhetos de propaganda distribuídos na rua, bem como aqueles que são colocados em nossa caixa de correio tradicional, em uma primeira e rápida visão poder-se-ia concluir que tais condutas seriam enquadráveis como spam. Mas na verdade não são.

E a razão desses comportamentos não serem spam é de que essa praga está intimamente relacionada com o avanço da tecnologia, ou seja, é uma praga digital. Mas acima de tudo, é porque os spams acarretam de certa forma um custo ao destinatário, o que não ocorre com a entrega de folhetos de propagandas pelo meio tradicional, uma vez que quem arca com a despesa é o próprio fornecedor.

Quanto ao SMS, ou melhor, mensagens de telefone celular, é forçoso mencionar que a ANATEL, em maio de 2010, estabeleceu que as operadoras não poderiam mais enviar propagandas ao usuário, sem a sua expressa autorização. Nesse sentido, extrai-se do texto de Luís Osvaldo Grossmann(2010, p. 1) o seguinte:

As operadoras de telefonia móvel não podem mais enviar mensagens com conteúdo publicitário sem autorização do consumidor. A regra, na verdade, já existia, mas as operadoras se valiam de uma manobra nos contratos para

contornar a restrição. Desde 1º de maio, porém, o artifício também é ilegal. O regulamento do Serviço Móvel Pessoal já prevê que a publicidade só pode ser enviada com autorização dos clientes. Por isso, as operadoras incluíam uma cláusula no contrato prevendo essa permissão. Assim, ao adquirirem o serviço de telefonia móvel, os clientes automaticamente permitiam a propaganda nos aparelhos. Provocada pelo Ministério Público Federal, a Anatel resolveu fazer cumprir o próprio regulamento. No fim de janeiro, a agência enviou um comunicado às empresas avisando que, a partir de 1º de maio, os contratos devem trazer um campo onde o cliente diz se aceita ou não a propaganda. O mesmo ofício determina que todos as cláusulas dos contratos devem ser escritas, no mínimo, em corpo 12, como forma de evitar as letras miúdas.

Verifica-se que tal regulamento não teve muita força, sendo que as operadoras de telefonia móvel continuam ocupando o lugar de destaque como remetentes de spams.

De acordo com Blum (2001, [S.p.]) “é forçoso concluir que o consumidor não pode ficar exposto a tais abusos, sem que sejam punidos aqueles que se valem destes artifícios. A conduta dos spammers é atentatória contra os direitos do consumidor e, como tal, deve ser repelida.”

Nesse ínterim, verifica-se que o fornecedor que comete alguma prática que pode ser considerada abusiva, prejudicando de alguma forma o consumidor sofrerá alguma penalidade de natureza administrativa, e ainda o consumidor poderá se valer da esfera civil para pleitear os reparos dos danos causados, observando o que dispõe o artigo 6º, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor. In verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VII- o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; [...]

Importa referir ainda, os artigos 81, parágrafo único, inciso III, 82 e 84 do Código de Defesa do Consumidor. Os referidos artigos dispõem:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: [...]

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Por todo exposto, podemos concluir que atualmente o Código de Defesa do Consumidor é o instrumento legislativo mais apto a ser utilizado para combater e reprimir a conduta spammer. Uma vez que, o dispositivo principal para enquadrar a prática spam é o artigo 39, III, portanto como mencionado anteriormente, há diversos outros, que estão inseridos no mesmo diploma legal.

Ainda, há a possibilidade de buscar auxílio junto ao Código Civil no caso de reparação aos danos causados, e também junto ao Código Penal, no caso de ser configurado algum crime, como por exemplo, o de pedofilia.

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