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4 FAMÍLIA, ESCOLA, ADOLESCÊNCIA E DEFICIÊNCIA

4.6 A deficiência intelectual

Quando construímos o levantamento das políticas públicas para pessoas com deficiência (excepcional, portador de deficiência, educandos com necessidades especiais, alunos com necessidades educacionais especiais etc.) destacamos que manteríamos os termos originalmente utilizados nos documentos mencionados por não haver um consenso a respeito na literatura da área. Todavia, para compreensão dos alunos que são sujeitos dessa pesquisa, privilegiaremos o termo deficiência intelectual, na tentativa de fazer um recorte dessa população de alunos com necessidades educacionais especiais, delimitando quais destes serão abordados nesse trabalho e ainda por compreender, como dissemos anteriormente que, dentre todas as deficiências, a intelectual sofre ainda mais discriminação. Segundo Mantoan (2005, p. 95) “Entre os casos que provocam maior reação das escolas comuns, no momento de inserir alunos com deficiência em suas salas de aula, estão os alunos com deficiência mental de moderada a grave”.

Ao falar de deficiência intelectual é imprescindível realizar a busca histórica da construção deste conceito, compreendendo que, mesmo quando as palavras e definições são modificadas no campo científico, linguístico, social e político, a mudança do sentido, impregnado nas representações sociais que foram por elas construídas e reforçadas, é bem mais lenta, já que na cultura permanece a herança de uma representação social construída (MAZZOTTA, 2005).

Segundo Mazzotta (2005, p. 16) “até o século XVIII, as noções a respeito da deficiência eram basicamente ligadas a misticismo e ocultismo, não havendo base científica para o desenvolvimento de noções realísticas”. O medo provocado pelo desconhecimento

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Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1996j) associa curiosidade, saber e conhecimento com a pulsão de saber. Na definição de pulsão vemos que ao final da época do conflito edipiano, parte da investigação sexual é reprimida e sublimada em pulsão de saber. O desejo de saber associa-se ao de sublimar, dominar e ver. Essa pulsão, sublimada, transforma-se, após a associação com a pulsão de domínio, em “pulsão de saber” derivando dela, entre outros, o prazer de pesquisar, o interesse pela observação e o gosto pela leitura (KUPFER, 1995).

sobre as deficiências, bem como a relação estabelecida entre a perfeição divina e o humano criado à imagem de Deus, gerou uma representação discriminatória e excludente que marcou ao longo das gerações as pessoas com deficiência. Além disso, a ideia de condição imutável, de incapacidade e de invalidez, relegou por muito tempo, essas pessoas ao desprezo e isolamento.

Essa característica de inatismo perdurou até a primeira metade do século XX, com a compreensão de deficiência gerada fundamentalmente por causas orgânicas (COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995). O saber médico influenciou a construção de termos como idiotia, debilidade mental e infradotação, imbecilidade e retardado mental, déficit mental /cognitivo. Na tentativa de minimizar o sentido negativo dos termos usados até então, em 1939, durante o Congresso em Genebra, estabeleceu-se como padrão internacional o uso do termo deficiência mental (PLETSH, 2010). O termo deficiência intelectual foi introduzido na Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, em 2004, de acordo com a Organização Panamericana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde (2004), e passou a ser fortemente empregado no contexto das reflexões dos movimentos sociais, nos documentos legais e na produção científica. Tendo o avanço considerável de ser tratada também pelos campos da antropologia, sociologia, ecologia, pedagogia e do direito, o que contribui para um olhar além do biologizante, um novo olhar biopsicossocial, que tece o modelo social da deficiência. Esse novo conceito aponta, segundo Sassaki (2005), para o intelecto ao invés de tratar de toda a mente. A partir da declaração de Salamanca, em 1994, outro conceito é adotado, o de necessidades educacionais especiais. Segundo Coll, Palácios e Marchesi (1995) esse termo está diretamente ligado a uma nova forma de entender a deficiência sob a perspectiva educacional, significa que uma pessoa possui algum problema de aprendizagem, o que requer atenção mais específica e mais recursos educacionais do que os tradicionalmente usados, desse modo, o termo traz à tona os problemas de aprendizagem e os recursos educacionais. Ao tentar evitar a terminologia da deficiência enfatiza-se a resposta que a escola pode dar a esse sujeito. Como consequência, a nova terminologia amplia a necessidade de AEE para um público bem maior do que aqueles que possuem uma deficiência orgânica. Conforme já vimos anteriormente, “mesmo com essa perspectiva conceitual transformadora, as políticas educacionais implementadas não alcançaram o objetivo de levar a escola comum a assumir o desafio de entender as necessidades educacionais de todos os alunos” (BRASIL, 2008b, p. 15).

Embora todas as denominações apontem para o mesmo sujeito, os termos influenciam a concepção e a mudança da forma de lidar com essas pessoas, quando se fala em

deficiência, aponta-se um defeito e poucas expectativas de mudanças; quando se fala de necessidades educacionais, ampliam-se as perspectivas para uma corresponsabilidade que envolve outros sujeitos e para alternativas escolares que contribuam para o progresso dessa pessoa.

Abordamos acima a terminologia que circunda a deficiência intelectual e não pretendemos definir-lhe o conceito, por compreender que deficiência não se trata de uma condição em si mesma. As situações de conflito, dissenso e imprevisibilidade suscitadas pela deficiência intelectual e outras deficiências entrelaçam condições naturais e sociais e são desafios para a escola, por não se enquadrarem na cultura igualitarista destas. Sendo assim, muitas incapacidades não estão localizadas no sujeito com deficiência, mas nos impedimentos que o meio (social ou ambiental) lhes impõe (MANTOAN; PRIETO, 2006). Considerando a complexidade do conceito de deficiência intelectual, mas buscando aproximar o leitor a respeito, fizemos um pequeno recorte do que está sendo veiculado.

A deficiência mental figura, na maioria dos sistemas categoriais, como demência e comprometimento permanente da racionalidade e do controle comportamental, o que localiza todos os atributos e limitações na pessoa e mantêm o preconceito e a discriminação. Em consulta ao Código Internacional de Doenças (CID-10), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde, encontramos a categorização do Retardo mental enquanto parada do desenvolvimento ou funcionamento intelectual que determina o nível global do comportamento social e das funções cognitivas, de linguagem e de motricidade (BRASIL, 2008a). Vemos aqui que o CID-10 ainda utiliza definições que se baseiam no coeficiente de inteligência para classificar o Retardo entre leve, moderado, grave e profundo. Entretanto, a American Association on Mental Retardation (AAMR), segundo a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (2001), no sistema que adotou em 2002, traz como princípios para a definição as bases funcionalista, sistêmica e bioecológica, depreendendo que a deficiência não é um atributo da pessoa, e portanto, não deve ser vista apenas por aspectos intelectuais e adaptativos, mas é um estado de funcionamento que precisa observar, além do indivíduo, aspectos ambientais, relacionais, contextuais (CARVALHO; MACIEL, 2003), perspectiva com a qual concordamos.

Não só pelo caráter de atualidade, mas pela amplitude, a definição da AAMR tem sido referência para os demais sistemas de classificação e para o diagnóstico médico. Dentre os avanços que propõe, a AAMR desconstrói o paradigma classificatório que generalizava incapacidades e enfatizava a imutabilidade e comprometimento permanente, na medida em que resgata, em contraponto às limitações, a coexistência de pontos fortes no indivíduo e

enfatiza que, a depender dos apoios apropriados, personalizados e especializados que tiver acesso ao longo do tempo, o nível de funcionamento da vida da pessoa com deficiência intelectual vai melhorar.

Ao compreender que a família e a escola estão entrelaçadas em sua constituição histórica por seu caráter educacional distinto, mas complementar; destacamos a importância da contínua escuta à família, pais e cuidadores, nas percepções que possuem sobre a inclusão escolar de seus filhos adolescentes com deficiência mental. O termo percepção, em si, já apresenta um posicionamento que legitima o olhar e as sensações do outro, uma vez que não se interessa por uma possível verdade geral, mas antes, considera verdade a percepção de cada um acerca do mundo, já que o mundo é o que percebemos.

Experienciar esse entrelaçamento e complementaridade requer maior atenção da escola, especialmente ao se deparar com algumas especificidades das famílias de pessoas com deficiência intelectual. São famílias que têm necessidades de constructos que, associados ao apoio do governo, da sociedade e da escola, poderão ser capacitadas a cuidar de seus filhos (com deficiência) de modo a facilitar o desenvolvimento físico e mental destes. Para tal, a interação família-escola, sobretudo nestes casos, precisa ampliar seus diálogos, convergir seus objetivos e construir ferramentas e estratégias que alterem as práticas do ensino homogeneizador para práticas inclusivas de uma educação democrática. O que parece a muitos uma utopia, é uma possibilidade, como nos mostrou Alves (2012). De igual modo vimos, na experiência relatada pela senhora Inês, como os pais podem ser sujeito ativos nessa construção, quando devidamente convocados e treinados em sua função educativa.

Detivemo-nos assim a compreender a adolescência como um tempo em suspenção que traz a problemática edipiana e a busca de resolução de conflitos psicológicos na construção da identidade de um ser que precisa deixar seu lugar de objeto desejado para investir em seus próprios desejos. Tais desejos impactam a dinâmica familiar e escolar. Conhecer a complexa tessitura de características, contextos, conflitos, transições, modificações, construções e variações que são vividas nessa etapa do desenvolvimento humano e, mais ainda, desconstruir estigmas associados à deficiência intelectual (dentre eles o que infantiliza a pessoa com deficiência, negando seu adolescer), favorecem a passagem para a vida adulta de modo mais saudável. Por fim trouxemos um pouco das implicações que as diversas terminologias têm trazido aos sentidos dados à deficiência intelectual e, conscientes de nossa limitação em conceituá-la, fizemos um breve comentário do que tem sido veiculado sobre o tema. Atualmente a definição da AAMR é referência porque resgata a coexistência de

pontos fortes no indivíduo e enfatiza possibilidades de melhora para o nível de funcionamento da vida da pessoa com deficiência intelectual.