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A definição tradicional ou clássica do conhecimento com remonta ao

Teeteto de Platão e caracteriza o conhecimento como sendo crença verdadeira e justificada. Na obra platônica vê-se Sócrates e Teeteto entabular um longo

diálogo no qual buscam uma resposta adequada à questão levantada por Sócrates, qual seja, “que é conhecimento?” (Platão, 2009). Roderick Chisholm (1969) retoma a tentativa de definir o conhecimento esteado na ideia de crença verdadeira e justificada sem todavia alcançar uma caracterização satisfatória, assim como o personagem platônico.

Reconhecendo diferentes usos do termo conhecimento, aqui fazemos menção ao conhecimento proposicional, aquele que é declarável sob forma de proposição dotada de valor de verdade, como em “as nuvens são brancas”, com relação à qual podemos atribuir a sua verdade ou falsidade. Admitiremos, portanto, que a definição tradicional diz respeito a este tipo de conhecimento (Costa 1997, Burdzinski 2005). Assim, colhemos intencionalmente da fala de Teeteto que “[...] conhecimento é opinião verdadeira acompanhada da explicação racional” (Platão, 2009). Contudo, contígua à asserção de Teeteto, acha-se a observação de Sócrates da distinção entre conhecimento e opinião verdadeira, distinção com a qual principia Chisholm (1969, p. 17) o primeiro capítulo da primeira edição de seu livro-texto. Chisholm reconhece o insucesso de Platão na tentativa de colocar sob uma mesma definição as muitas espécies de conhecimento, e tal sinaliza o próprio Platão ao renunciar à sua definição nas últimas palavras do Teeteto, e admite a certeza de não conseguir fazer melhor. Ainda assim, Chisholm evoca “O problema do Teeteto”, e propõe-se a apresentá-lo como segue:

O que é isso que, quando somado à opinião verdadeira, gera o conhecimento? [...] A expressão “S mostra que h está certo”, em que S pode ser substituído por um nome ou descrição de alguma pessoa e em que “h está certo” pode ser substituído por uma frase [proposicional] [...] diz-nos, em princípio, três coisas diferentes: 1.

S acredita que h [...] 2. h está certo [...] 3. _______ . Assim, temos

que preencher um espaço em branco. Que diremos de 3? (Chisholm, [1966] 1969, p.17-8)

Chisholm parte então em busca do que possa completar a lacuna 3, e que, de um modo geral, concerne à justificação da crença em h fundada no que seria uma evidência adequada.

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É importante notarmos que desejosos de partir da definição tripartite do conhecimento com o expresso fim de sustentá-la8, deveremos pois admitir, por definição, que conhecimento é obrigatoriamente o conhecimento de verdades. Mais ainda, deveremos admitir também que aquele que julga saber, crê no que

professa, e assim acharemo-nos em concordância com dois dos princípios

enfatizados por Chisholm. Desta feita, resta-nos mencionar que os dois princípios satisfeitos não são suficientes, embora sejam necessários, para que tenhamos conhecimento tal como o desejamos admitir aqui, de modo que nos falta ainda a consideração de uma terceira condição, a saber, que a crença numa determinada verdade seja justificada, que aquele que afirma saber

baseado numa crença verdadeira esteja em condições de justificar a sua crença.

Assim, consideremos a seguinte definição para o conhecimento a respeito de um sujeito S que lhe é possuidor:

S sabe que p se, e somente se, as condições

i) é o caso que p

ii) S crê na verdade de p

iii) S justifica a sua crença na verdade de p

são satisfeitas simultaneamente. Ou ainda, expondo numa forma logicamente explícita,

ê ç o que significa que o bicondicional pertinente à verdade de que o sujeito S sabe que p, este entendido como uma proposição qualquer, somente será verdadeiro na situação em que todas as proposições da conjunção forem verdadeiras.

As condições que caracterizam a definição tradicional do conhecimento não seguiram nem seguem incólumes a objeções diversas. Sobretudo a terceira condição mencionada, que diz respeito à justificação da crença, desde Aristóteles tem sido fonte de largos e atuais debates filosóficos dos quais se originaram diferentes posições epistemológicas.

Também foi questionada a suficiência das três aludidas condições para a caracterização do conhecimento, sendo notável, sobretudo pelo debate que suscitou, o curto porém célebre artigo de Gettier, Is justified true belief

knowledge?, de 1963. Sobre a insuficiência da definição tradicional tal como foi

apontada por Gettier, Burdzinski (2005) chega a considerá-la irrefutável. A

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Em seu Dicionário de filosofia da educação, WInch & Gingell (2007, p.47) observam que resgatar a definição tradicional do conhecimento é um desejo geralmente presente entre os filósofos preocupados com a teoria do conhecimento, e muito embora não seja o nosso objetivo majoritário neste trabalho, não tencionamos nos afastar de tal definição e, mais que isso, pretendemos admiti-la e sustentá-la.

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partir dos contra-exemplos elaborados por Gettier, comumente chamados de

problemas tipo Gettier, surgiram tentativas diversas de implementação à tríade

tradicionalmente associada à caracterização do conhecimento, incluindo a inserção de uma quarta condição9.

De um modo geral, a ideia ilustrada por Gettier em seus dois contra- exemplos apresentam situações em que as três condições eram verificadas sem contudo implicar conhecimento. Tal se conseguiu com a idealização de casos em que as evidências para a justificação da crença e satisfação da condição iii) eram falsas, o que levou alguns filósofos a propor uma quarta condição na qual se exige a verdade de tais evidências. Também esta quarta condição, breve como aqui a mencionamos, urgiu implementações ulteriores às quais não nos remeteremos mas que podem ser lidas em Moser (1991, p.236).

Mas aqui buscaremos sustentar a tese de Costa (1997, 2002), cujo núcleo central denominado por este filósofo requisito de adequação

justificacional furta a legitimidade de problemas do tipo Gettier, os quais

decorrem da incompreensão da definição tradicional do conhecimento e claramente não a satisfariam segundo a sua compreensão expandida por ele proposta, tratando antes do problema da justificação epistêmica que do problema do conhecimento propriamente dito. Assim, a discussão em torno da insuficiência das condições tradicionalmente admitidas na caracterização do conhecimento e a concepção de uma quarta condição nos é desinteressante, de maneira que passaremos à consideração da proposta de uma solução conservadora para o resgate da definição tradicional do conhecimento.