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1. INTRODUÇÃO

2.2 A DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO FINANCEIRA DAS

anos 1980 e 1990 na luta pela reconstrução de um Estado democrático no Brasil, foi aprovada a CF/1988, como resultado dos trabalhos de uma Assembleia Nacional Constituinte eleita e da participação de representações da sociedade civil que, segundo Souza (2001), confirmou um desenho institucional federativo e descentralizado com ampliação de poderes políticos e financeiros aos estados e municípios.

A CF/1988 garante o direito social à educação para todos. Diversas políticas educacionais foram implantadas visando à materialização desse direito. Acompanhando o contexto internacional de afirmação do neoliberalismo, no Brasil, as políticas que direcionaram a educação brasileira, segundo Farenzena (2001), caracterizam-se pela descentralização, colaboração entre os entes da União, responsabilização dos órgãos educacionais, controle público da gestão financeira, estabilidade do volume de recursos e parâmetros de custos para a alocação de recursos.

A ideia de descentralização está incorporada às reformas na educação brasileira e de outros países latino-americanos nesse período. Países periféricos, no contexto do capitalismo internacional, tiveram de fazer adaptações às suas realidades internas para manterem os recursos advindos de organismos multilaterais como o BID e Banco Mundial (SILVA, 2002).

Segundo Altmann (2002), a influência do Banco Mundial e BID na política macroeconômica brasileira se fez sentir em diversos setores, entre eles a educação. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as reformas educacionais, geradas no contexto de lutas sociais nos anos 1980, foram direcionadas para atenderem aos ditames da ordem imposta por aquelas instituições financeiras internacionais. Faz-se necessária a compreensão do pensamento do Banco Mundial em relação ao bloco de países do qual o Brasil faz parte.

Para o Banco Mundial, no contexto dos anos 1990, fazia-se imprescindível o combate à pobreza como saída para a manutenção da capacidade de consumo e geração de renda dos países subdesenvolvidos. Assim, eram suas recomendações: “uso produtivo do recurso abundante dos pobres – o trabalho – e fornecimento de serviços básicos aos pobres, em especial saúde elementar, planejamento familiar, nutrição e educação primária” (ALTMANN, 2002, p. 79).

Com relação às propostas do BID, a ênfase na educação fundamental, a descentralização e instituições escolares autônomas são basilares. Compreende-se, portanto, o Fundef ter contemplado apenas a educação fundamental e as políticas públicas brasileiras de educação se voltarem para a descentralização como regra até o momento.

Apoiando-se na introdução de mecanismos gerenciais na gestão educacional, a reforma empreendida pautava-se na ideia segundo a qual o sistema educacional brasileiro necessitava de eficiência e eficácia em seus processos internos. Assim, mantendo as orientações dos organismos multilaterais, de acordo com Shiroma, Garcia e Campos (2011), a resolução da crise educacional implicava na descentralização das atividades para as escolas e

no desenvolvimento de instrumentos eficazes de avaliação dos resultados, bem como, a responsabilização de todos os atores envolvidos.

Com relação aos mecanismos gerenciais, Pereira (2001) afirma que o Estado Gerencial se desenvolveu no Brasil a partir de 1995, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, para substituir o modelo de Estado burocrático em crise. A solução, segundo o autor, seria “reformar e reconstruir o Estado para que este pudesse ser um agente efetivo e eficiente de regulação do mercado e de capacitação das empresas” (PEREIRA, 2001, p. 22).

Ao qualificar a Educação como direito humano fundamental, o autor defende que esta não pode estar submetida a regras de mercado, mas, por outro lado,

Não há razão para que sejam controladas pelo Estado, e de se submeter aos controles inerentes à burocracia estatal, contrários à eficiência administrativa, que a Reforma Gerencial pode reduzir, mas não acabar. Logo, se não devem ser privados, nem estatais, a alternativa é adotar-se o regime da propriedade pública não-estatal, é utilizar organizações de direito privado, mas com finalidades públicas, sem fins lucrativos. (PEREIRA, 2001, p. 25).

Essa prerrogativa gerencial do Estado sugere maior descentralização de ações e políticas, no entanto, converge para a transferência de responsabilidades, porque o controle de resultados continua sendo monitorado por organismos centrais. No caso da educação, o MEC ampliou seu poder de controle sobre as políticas e os sistemas de ensino. Os sistemas nacionais de avaliação contribuem para o direcionamento de ações, mas também servem para minimizar as responsabilidades sobre resultados negativos.

Segundo Yanaguita (2010) o financiamento foi o centro das preocupações na construção das reformas educacionais no Brasil, por ser considerado aspecto central na construção das políticas educacionais; assim, mudanças importantes foram implementadas nos padrões de financiamento e da gestão financeira da educação, sendo a descentralização o referencial do novo modelo de gestão financeira das escolas públicas.

De acordo com Souza (2006, p. 251-252) “foi incentivada a priorização de mecanismos de financiamento local, articulando – no âmbito da instituição escolar – um modelo de gestão escolar e mecanismos de administração de problemas do campo financeiro, produzindo uma forma diferente de lidar com essa questão para boa parte das escolas brasileiras”.

Ainda segundo Souza (2006), as metas previstas seriam o fortalecimento do regime de colaboração entre os diversos sistemas de ensino e a ratificação do que está previsto no artigo 15 da LDB, ou seja, a “autonomia de gestão financeira”.

A análise de Souza (2003) identifica nos documentos do BID sobre educação, uma perspectiva onde professores e alunos são vistos como insumos e clientes, respectivamente, e numa lógica influenciada pela teoria do capital humano,4 relacionando o financiamento da educação com o retorno possível no aumento da produtividade no mundo do trabalho.

Percebe-se, portanto, que a descentralização da gestão financeira da escola aponta para dois caminhos, quais sejam a diminuição do papel do Estado no financiamento e a promoção da autonomia das instituições educacionais; todavia, mantendo a visão mercantilizada da educação provinda das interferências das propostas e programas dos organismos multilaterais, o Estado construiu ao longo das últimas três décadas importantes mecanismos de avaliação dos sistemas escolares em nível nacional. Neste aspecto não se detecta qualquer modelo de descentralização, ao contrário, a política de avaliação no Brasil é muito bem controlada pelo MEC. Historicamente o processo de descentralização da educação no Brasil é anterior a propostas de organismos multilaterais. Em 1834 o Ato Adicional repassou às províncias brasileiras a tarefa de gerenciar os seus sistemas de ensino, ficando a cargo do governo imperial da época a educação superior e o ensino secundário.

Anísio Teixeira, além de ser defensor da implementação de fundos, também foi um grande defensor da descentralização e da autonomia da escola pública. Segundo ele,

a escola de formação do brasileiro, não pode ser uma escola imposta pelo centro, mas o produto das condições locais e regionais, planejada, feita e realizada sob medida para a cultura da região, diversificada, assim nos seus meios e recursos, embora una nos objetivos e aspirações comuns (TEIXEIRA, 1977, p. 37).

Teixeira defende a descentralização e a municipalização do ensino, “a experiência dos países mais bem sucedidos nesse empreendimento tem consistido em confiar os poderes locais a manutenção das escolas, auxiliando-os com subsídios oriundos de outras ordens governamentais” (2005, p. 235).

Também se observa que a CF/1988, em seu artigo 211, estabelece o regime de colaboração entre os entes federativos visando minimizar as disparidades regionais típicas do país, o que é reafirmado no PNE em vigor.

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De acordo com Pires, o conceito de capital humano é uma construção de Theodore W. Schultz, para quem o capital humano é humano porque é parte do homem e é capital porque é fonte de satisfação de necessidades ou aquisição de rendimentos. Para Schultz a educação é vista como uma atividade de investimento. Pires afirma que esse tipo de capital passou a nortear as políticas educacionais a partir do final da década de 1960, “sob a alegação de que é essencial não só para promover o desenvolvimento, como também melhorar a distribuição de renda (2005, p. 16).

De acordo com a análise de Nóvoa (1998) as reformas educacionais podem ser vistas de outro ponto de vista, como um estopim para mudanças positivas. Suas teses são voltadas a entender as reformas educacionais como um movimento necessário e para o avanço da educação pública:

A modernização do sistema educativo passa pela sua descentralização e por um investimento das escolas como lugares de formação. (...) As escolas têm de adquirir uma grande mobilidade e flexibilidade, incompatível com a inércia burocrática e administrativa que as têm caracterizado (NÓVOA, 1998, p. 17).

Em última análise, a descentralização da gestão implementada nos sistemas de ensino do Brasil visa garantir a autonomia para os atores escolares tomarem as decisões necessárias nos aspectos administrativos, financeiros e pedagógicos. Aqui interessa, sobremaneira, a questão financeira e a forma como ela contribui para o reforço da autonomia da escola.

Entende-se que a descentralização que se realiza nos sistemas de ensino é relativa. Considera-se, no entanto, que não poderia ser de outra forma, uma vez, que as escolas públicas fazem parte de sistemas maiores, não são universos isolados. Mas precisam manter ou mesmo construir identidade com a população a qual atendem. Neste sentido, compartilha- se aqui com os ideais de Teixeira (1977). A autonomia sendo uma das prerrogativas da descentralização, só efetiva-se com gestão de recursos financeiros.

Faz-se necessário abrir perspectiva acerca do que proporciona a autonomia e de que maneira as escolas públicas realizam essa autonomia. Segundo Silva (2005), o conceito de autonomia está relacionado à participação, envolvimento, autogestão, descentralização, ampliação dos espaços de decisão, divisão do poder de decisão, desburocratização, controle social, etc. A ideia de participação seria a mais significativa em relação à autonomia. Ao mesmo tempo em que o governo prega a autonomia como modelo de gestão para as escolas, segundo a mesma autora, ele mesmo não consegue ser autônomo, uma vez que constantemente se dobra aos ditames da economia internacional.

Considerando a autonomia financeira como o principal ponto do projeto de descentralização, o Estado desenvolveu políticas públicas de repasse de verbas para as escolas, verbas estas que devem ser geridas pelos gestores escolares com a participação de toda a comunidade escolar.

Além de considerar a descentralização como fim em si mesmo, a autonomia passou a ser vista como fórmula de qualidade no momento da construção de políticas públicas educacionais no Brasil nos anos 1990. A disponibilização de recursos públicos conjugou-se

com o incentivo à captação pelas escolas de recursos privados, em contrapartida, o controle central por meio de rigorosas prestações de contas coloca a noção de autonomia questionável.

Para Barroso (1996), a autonomia da escola se traduz em modelos e graus diferenciados conforme a realidade de diversos países nos quais vem sendo implementada a descentralização da gestão financeira. Nessa linha, existe a “autonomia decretada” e a “autonomia construída”, sendo a primeira associada a reformas efetivadas em países como Estados Unidos e Inglaterra e que se constitui na descentralização de recursos, desburocratização dos sistemas de controle e racionalização da gestão. Tais medidas exigem retorno das escolas por meio de resultados positivos em testes estandardizados como forma de manterem a alocação de recursos. Sobre isso o autor assevera,

A análise crítica das medidas políticas que, em vários países, têm consagrado, do ponto de vista legal, uma gestão local do estabelecimento de ensino e o reforço das competências dos seus órgãos de governo não pode ignorar que, para além desta

autonomia decretada, as escolas desenvolvem (e sempre desenvolveram) formas

autônomas de tomada de decisão, em diferentes domínios, que consubstanciam aquilo que pode ser designado por autonomia construída. (BARROSO, 1996, p. 10).

Conforme explicita o autor, a possibilidade de gerenciar recursos descentralizados não é suficiente para garantir autonomia. O modelo de gestão que repassa recursos para todas as escolas, mantendo sobre elas mecanismos de controle externo (avaliação, prestação de contas, controle de qualidade), não é garantidor de autonomia, o que segundo o autor, “resulta da confluência de várias lógicas e interesses que é preciso saber articular, e assim, não há autonomia das escolas sem autonomia dos indivíduos” (BARROSO, 1996, p. 10).

A realidade das políticas educacionais de descentralização financeira e reforço da autonomia das escolas no Brasil não é igual às políticas adotadas nos países citados por Barroso, mas é fato que, como já apresentado neste trabalho, os mecanismos de avaliação se intensificaram paralelamente à elaboração de políticas públicas de reforço da descentralização financeira.

Segundo a análise de Santos (2006), a autonomia financeira da escola é sim um importante mecanismo para garantir direitos e deveres de participação de toda a comunidade escolar, uma vez, que viabiliza as condições materiais necessárias para efetivação do projeto político pedagógico da instituição. Santos (2006) afirma que as medidas necessárias para a garantia de efetivação de condições autônomas de gestão escolar implicariam em adequar os repasses de recursos descentralizados às necessidades da escola, o que de fato não ocorre.

Em outra análise, Siqueira Júnior escreve sobre a autonomia não apenas como resultado da descentralização de recursos, mas também como aprendizado da democracia para todos os atores envolvidos, ou seja, a autonomia “é um projeto que visa o nascimento de um poder instituinte para os seres humanos. A descentralização financeira é apenas uma pequena parte do processo maior de assunção dos sujeitos de sua história” (2004, p. 111).

Não é possível reduzir a construção da autonomia da escola a um projeto de descentralização eficiente de recursos. É certo que a questão financeira é sobremaneira importante, mas outras questões estão envolvidas nesse processo como, por exemplo, a participação efetiva dos pais e de toda a comunidade escolar nos assuntos que dizem respeito ao cotidiano escolar. Neste trabalho interessa a participação na definição dos gastos, da formação da lista de prioridades da instituição, mas é importante esclarecer que a autonomia não se constrói apenas com isso.

Como afirma Souza (2003), no contexto das políticas neoliberais, a transferência de responsabilidades para as escolas reforça uma concepção simplista de educação e um modelo empresarial de escola, ou seja, a instituição deve ser administrada por meio da racionalização dos recursos muito mais do que levando em consideração as necessidades dos estudantes e a qualidade da educação.

De acordo com Pires (2005), neste mesmo contexto neoliberal, as políticas educacionais buscaram minimizar o papel do Estado na promoção de políticas sociais e o seu nível de intervenção na economia, devendo os indivíduos se responsabilizarem por seus sucessos ou fracassos e o mercado ser o verdadeiro regulador das atividades econômicas. Constata-se, portanto, a perspectiva de desobrigação do Estado.

Outro aspecto significativo, nas políticas de descentralização financeira e reforço da autonomia da escola, foram abordados por Amaro (1996), para quem, contraditoriamente, a descentralização é compatível com a centralização, ou seja, a transferência de competências mantém as hierarquias e corresponde à transferência de responsabilidades que o Estado não assume.

Então, o que se observa é a desconcentração de poder de gestão, ou a transferência de responsabilidades a níveis inferiores. Segundo o autor “descentralização é outra coisa: é o surgimento de novos centros, a nível periférico, regional ou local, ou seja, algo que parte de baixo, ficando para o Estado apenas o que não puder ser feito pelos outros níveis” (AMARO, 1996, p. 22-23).

Se a descentralização financeira reforça a autonomia ou contribui para a sua construção é objeto desta pesquisa. Importante também é destacar e discorrer sobre outro

aspecto importante que já foi levantado e que pode ser visto como causa ou efeito de temas já tratados até aqui, qual seja, a participação dos pais e de toda a comunidade escolar nas decisões da escola, portanto, da gestão democrática da escola pública.

Compreender o que efetivamente é participação ativa da comunidade na gestão da escola é relevante. Participar de reuniões e assembleias escolares é, sem dúvida, um exemplo de participação, mas não é só isso. Participar implica também em trabalho, em disposição para contribuir de maneira positiva na implementação de projetos, na elaboração de propostas e, enfim, na busca por soluções dos problemas e demandas cotidianos. Em um primeiro momento, participação pode ser entendida apenas como estar presente. A escola precisa de mais do que a presença de toda comunidade escolar. É necessária a tomada de posição, o deslocamento das zonas de conforto e partir para ações concretas.

2.3 A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA E A FORMAÇÃO DE

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