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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 21 1.Detecção e Intervenção Precoces em Casos de Risco ao Desenvolvimento na

1. DETECÇÃO E INTERVENÇÃO PRECOCES EM CASOS DE RISCO AO DESENVOLVIMENTO NA INFÂNCIA

1.2 A Detecção Precoce de Orientação Psicanalítica

A avaliação do desenvolvimento infantil, ao longo dos últimos anos, no Brasil, tem sido realizada por escalas de desenvolvimento, que em sua maioria são descritivas, classificatórias e métricas, ocupadas em medir comportamentos (WANDERLEY, WEISE e BRANT, 2008). As autoras salientam que as variáveis articuladas com a constituição da subjetividade acabam sendo excluídas ou negligenciadas por esses processos de avaliação. Afirmam que a maior parte das escalas utilizadas avaliam a criança em comportamentos e/ou habilidades sem relação entre si, e, além disso, não consideram o adulto ou cuidador no processo de avaliação.

Assim, do ponto de vista das autoras, e também desta pesquisadora, os testes psicométricos não avaliam o conjunto dos aspectos estruturais e instrumentais do desenvolvimento, focando apenas em um ou outro aspecto. Não permitem formular uma hipótese de funcionamento do bebê-familiares para se pensar a intervenção.

Escalas como o Teste Denver (1967), Gesell (1946) e Bayley (1993) não partem de uma concepção de criança como parte de um mundo essencialmente simbólico que requer uma estrutura psíquica para organizar as suas funções, porque tomam como objeto de análise apenas comportamentos do campo instrumental (WANDERLEY, WEISE e BRANT, 2008). Assim, surge a necessidade de estabelecer instrumentos de avaliação que abarquem a interface entre funções e habilidades de acordo com um lugar a partir do qual a criança dá sentido ao mundo, e não apenas verificar comportamentos resultantes de habilidades geneticamente programadas (WANDERLEY, WEISE e BRANT, 2008).

Uma vez que o desenvolvimento infantil, nos primeiros anos, está intimamente associado ao exercício das funções parentais, é necessário que os instrumentos de avaliação captem o estabelecimento e como se manifesta a relação mãe-bebê e pai-bebê.

Nesse sentido, recentemente, no Brasil, foi implementada uma pesquisa visando o estabelecimento de Índices de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDIs), aplicáveis nas consultas pediátricas, por exemplo, de modo a fazer emergir a possibilidade de acompanhamento precoce de casos em que há uma suspeita de problemas na estruturação psíquica (KUPFER et. al, 2010). A referida pesquisa foi realizada de 2000 a 2008, com financiamento do Ministério da Saúde. Ancorada na teoria psicanalítica, constou de um conjunto de índices, observáveis nos primeiros 18 meses de vida da criança, cuja ausência poderia indicar uma perturbação do curso evolutivo infantil. Os índices foram formulados a partir da experiência dos autores de mais de 30 anos no campo da infância. Houve, portanto, um padrão ouro na formulação dos índices.

A metodologia utilizada na elaboração da pesquisa foi de um desenho de corte transversal, seguido de um estudo longitudinal. Teve como amostra quatro grupos de crianças nas faixas etárias i) de 1 a 3 meses e 29 dias; ii) de 4 a 7 meses e 29 dias; iii) de 8 a 11 meses e 29 dias e iv) de 12 a 18 meses, atendidas na clínica pediátrica de unidades básicas e/ou centros de saúde, de nove cidades brasileiras (totalizando 11 centros de saúde). Os pediatras foram capacitados e utilizaram os índices durante a consulta clínica regular, durante os 18 meses de idade das crianças, e as mesmas foram reavaliadas por meio de avaliação psicanalítica e psiquiátrica aos 3 anos de idade. A ideia de capacitar os pediatras devia-se ao interesse dos psicanalistas de levar um olhar sobre o psíquico para os profissionais

que fazem a puericultura inicial. Os índices não foram pensados para proporcionar diagnósticos, mas como forma de detectar se algo não está indo bem nas relações da criança com suas figuras parentais e, a partir daí, convocar a avaliação psicanalítica mais precisa. Portanto, não são índices de uso exclusivo de profissionais do campo psíquico (psicólogo, psicanalista ou psiquiatra). Foram pensados para inserção em equipes da linha de cuidado materno-infantil do Sistema Único de Saúde.

A análise de dados da primeira etapa do estudo foi composta de uma descrição epidemiológica para estimar a associação dos índices com variáveis clínicas e epidemiológicas. Após três anos de seguimento, as crianças foram avaliadas para identificação de transtornos psíquicos e psiquiátricos e verificadas as associações com os índices de risco ao desenvolvimento infantil.

Na pesquisa, foram utilizados eixos teóricos que determinam a constituição da subjetividade, tendo a função de organizar e orientar a seleção e aplicação de indicadores de risco psíquico e de desenvolvimento. Assim, os quatro eixos são: estabelecimento da demanda (ED), suposição de um sujeito (SS), alternância presença/ausência (PA) e função paterna (FP) (KUPFER, 2008).

O eixo Estabelecimento da Demanda (ED) compreende as primeiras reações involuntárias e reflexas que o bebê apresenta ao nascer, tais como: o choro, a agitação motora, e a sucção da própria língua. Tais demandas precisam ser entendidas pela mãe como um pedido da criança à ela; sendo previsto que a mãe se coloque em posição de responder. Nesse processo, a mãe demanda de seu filho que ele a deseje e inverte sua própria demanda transformando-a em demanda do filho. Nesse sentido, a mãe (inconscientemente) é conduzida a reconhecer em cada gesto de seu filho um signo de demanda endereçada a ela. O modo como acontece a construção de uma demanda está na base de toda a atividade posterior de inserção desse sujeito no campo da linguagem e da relação com os outros.

O eixo Suposição de um Sujeito (SS) refere-se a uma antecipação, uma vez que o bebê ainda não está constituído como sujeito, contudo, sua constituição depende justamente dessa antecipação e das significações que a mãe dá ao apelo do bebê e de como ela o vê. Essa antecipação causa grande prazer no bebê, já que ela vem acompanhada de uma manifestação jubilatória da mãe sob a forma de palavras carregadas de uma musicalidade prazerosa, chamada de mamanhês ou

manhês (LAZNIK, 2004), o que fará o bebê tentar corresponder ao que foi suposto nele. É, dessa forma, que a subjetividade pode efetivamente construir-se.

Alternar presença-ausência (PA) implica que a mãe/cuidador não responda ao bebê apenas com presença ou apenas com ausência, mas sim que possibilite uma alternância (não apenas física, mas, sobretudo, simbólica). A experiência da falta se faz necessária para que um bebê se torne sujeito desejante: a mãe presente evoca o objeto ausente, como o objeto presente evoca a mãe ausente. Essa descontinuidade, tanto da satisfação, quanto da presença materna são fundamentais para o surgimento das representações simbólicas que abrem caminho para a instalação do pequeno sujeito na linguagem. A ausência materna marcará toda ausência humana como um acontecimento existencial, especialmente significativo, obrigando a criança a criar um dispositivo subjetivo para a sua simbolização. Portanto, a presença/ausência, é tida como o fundamento estrutural da linguagem na medida em que para que exista a palavra tem de se romper o enlace entre o objeto causal e a satisfação. Em outros termos, a palavra tem que adquirir o poder de evocar a satisfação em ausência do objeto.

O eixo Função Paterna (FP) é o registro que a criança tem progressivamente da presença de uma ordem de coisas que não depende da mãe, embora essa ordem possa ser transmitida por ela. As satisfações imediatas, que antes advinham da relação com o próprio corpo e com o corpo da mãe/cuidador, são renunciadas. Entretanto, para que essa função possa operar é preciso que a mãe situe a lei como uma referência a um terceiro, fazendo com que o bebê advenha à linguagem. Essa “ordem terceira” toma para a criança, e também para a mãe, a forma de regras e normas que introduzem o “não” em suas vidas. Uma das funções do exercício da FP sobre a díade mãe-bebê é de ter como efeito uma separação simbólica entre eles, bem como propor à mãe o fato de que seu filho não é um “objeto” destinado unicamente para a sua satisfação. Portanto, depende dessa função, a separação do filho como sujeito singular e sua diferenciação em relação ao corpo e às palavras maternas.

Conforme Kupfer et al. (2010), os eixos apresentados se entrelaçam nos cuidados que a mãe dirige à criança e também nas produções que a criança realiza durante o seu desenvolvimento, sendo que a ausência de um deles aponta para problemas na estruturação da subjetividade.

A partir dos quatro eixos acima referidos, foram levantados, inicialmente, 51 indicadores de risco para o desenvolvimento e risco psíquico, que ficaram reduzidos a 31. Contudo, a partir das análises estatísticas desses 31 índices, chegou-se a 18 índices finais com poder preditivo de risco ao desenvolvimento, expostos no quadro a seguir:

0 A 4 MESES INCOMPLETOS EIXOS

1. Quando a criança chora ou grita, a mãe sabe o que ela quer. SS/ED 2. A mãe fala com a criança num estilo particularmente dirigido à ela (mamanhês). SS

3. A criança reage ao mamanhês. ED

4. A mãe propõe algo à criança e aguarda sua reação. PA 5. Há trocas de olhares entre a criança e a mãe. SS/PA