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SUMÁRIO

8 A 12 MESES INCOMPLETOS

1.3 Interdisciplinaridade e Intervenção Precoce

A partir do momento da detecção precoce tem-se a possibilidade de intervir junto a crianças pequenas, com potencial para problemas de desenvolvimento. Assim, surge a estimulação precoce como uma disciplina terapêutica que tem por objetivo apoiar à criança no desenvolvimento de seus aspectos instrumentais, estando na interdependência de outras disciplinas teórico-técnicas, que complementam sua tarefa, na busca de recobrir as áreas estruturais do desenvolvimento (A.JERUSALINSKY e CORIAT, 1997).

Cabe ao terapeuta em intervenção precoce trabalhar no conjunto dos aspectos estruturais e instrumentais e, assim oferecer à criança a possibilidade de recuperar, ou construir, seu lugar como pessoa, modificando e/ou compensando

substancialmente suas deficiências e as suas condições psicossociais

(A.JERUSALINSKY e CORIAT, 1997; A.JERUSALINJY, 1999).

Coriat (1997) salienta que a possibilidade de inscrição das marcas fundantes do psiquismo depende da variável temporal, pois o sistema nervoso central só está apto a receber determinadas inscrições no início da vida. Para que isso aconteça é preciso prover os “estímulos”7 necessários para o bebê que apresenta dificuldades em seu desenvolvimento, sejam elas orgânicas e/ou psíquicas. Também, neste sentido, Laznik (2004) afirma que é a plasticidade neuronal que confere a possibilidade de fazer suplências, tendo-se a idade da intervenção um dado central, para que se possam instaurar as estruturas que suportam o funcionamento dos processos de pensar inconsciente, antes que uma possível deficiência se instale.

No entanto, o estímulo por si só não basta, e pode vir a ser prejudicial para o bebê. Para A.Jerusalinsky e Coriat (1997), o estímulo deve estar carregado de sentido que é adquirido em função da cadeia significante na qual se inscreve. Esta inscrição vai permitir que a criança situe sua posição frente aos outros e diferencie a significação das coisas no mundo (A.JERUSALINKY, 1998).

Um cuidado que se deve ter no atendimento de bebês diz respeito ao fato de se estar trabalhando em tempos de constituição psíquica, assim, a introdução de diferentes profissionais, nesse momento, pode ter um efeito dissociativo em relação aos pais e ao exercício de suas funções, prejudicando, o desenvolvimento do bebê (J. JERUSALINSKY, 2002). Além disso, nos primeiros anos de vida do bebê, qualquer operação adquire uma marca estruturante, assim, a decisão de quem,

7 Aqui a palavra “estímulos” não se relaciona a uma concepção comportamentalista, mas à relação da

quantos e como será esta intervenção tem consequências fundamentais. Para a criança, esta fragmentação imaginária pode ter consequências simbólicas, pois os discursos de vários terapeutas podem não possibilitar que se constitua nela uma escolha para determinar seu sistema de significações (A.JERUSALINKY, 1998).

Nesse sentido, ao longo da construção da clínica para bebês foram sendo inseridos os conceitos de Interdisciplina e Terapeuta Único (TU). A interdisciplina configura-se como constituição de um espaço comum em que o conhecimento não se esgota na própria identidade profissional do terapeuta que atende (fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta...), mas vai mais além de si mesmo numa articulação mais abrangente (A.JERUSALINKY, 1998).

Dessa forma, na prática clínica com bebês, o ideal será um número mínimo de terapeutas que trabalhem diretamente com o bebê e sua família. O Terapeuta Único deverá ser um especialista em intervenção precoce com uma formação específica em relação aos bebês e não com conhecimento parcializado de um aspecto instrumental apenas do desenvolvimento (CORIAT, 1997). Afirma-se ser possível construir um discurso único sobre o bebê, que não esteja pautado por suas dificuldades, mas que seja o tradutor da unicidade da linguagem falada na diversidade dos discursos técnicos e científicos (J.JERUSALINSKY, 2002).

Além disso, prioriza-se, nos atendimentos em intervenção precoce, a presença dos pais, e que o terapeuta possa lhes atribuir um papel significativo, não apenas passivo, a fim de que possam exercer plenamente as funções parentais que são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Os pais são convocados a olhar, a partir de uma posição na qual exerçam uma marca simbólica (BRANDÃO et. al., 1997).

Brandão et. al. (op. cit.) diz que as cenas terapêuticas são caracterizadas por diferentes configurações quanto à distância entre criança-pais-terapeuta, que vão se adequando conforme o caso. Propõe ainda que não é a distância física, nem a intensidade das interações entre os participantes que caracteriza a situação clínica, mas as significações que circulam entre esses personagens.

Entre os profissionais importantes na intervenção precoce, destaca-se o fonoaudiólogo, pois além de sua atuação na clínica com crianças constituída desde a instituição da área, é possível vê-lo na atuação precoce por ser um profissional que pesquisa e desenvolve métodos terapêuticos em linguagem e audição. Assim, ele deve e pode compor as equipes de intervenção precoce. Para tanto, conforme os

conceitos de Interdisciplina e Terapeuta Único, terá a demanda de um saber para além da aquisição e desenvolvimento das estruturas formais que constituem a linguagem. Certamente, devem ser mantidas as peculiaridades do olhar de sua especificidade e de sua escuta (J.JERUSALINSKY, 2002), mas há que conhecer sobre estruturação psíquica, ou seja, a subjetividade e cognição (visualizável no brincar), bem como os demais aspectos biológicos referentes a aspectos neurológicos e auditivos, das funções neurovegetativas, sobretudo as orofaciais, da psicomotricidade corporal, entre outros aspectos8.

A partir desses pressupostos, a pesquisa IRDIs, realizada em Santa Maria, abriu espaço para a criação de um grupo de intervenção precoce para que fossem acolhidos os bebês e suas famílias em situação de risco. Também a observação de que na cidade não havia uma prática interdisciplinar na clínica de bebês, e que os bebês com limites biológicos evidentes eram encaminhados a diversos atendimentos simultâneos (equoterapia, hidroterapia, fonoaudiologia, educação especial, fisioterapia, etc.), causou perplexidade em duas profissionais, atuais docentes do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFSM, que, formadas no Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, fundaram o grupo na forma de um Programa de Extensão Universitário. São elas a professora do Curso de Fonoaudiologia - Ana Paula Ramos de Souza (orientadora deste trabalho) e a professora do Curso de Terapia Ocupacional - Dani Laura Peruzzollo. Este grupo interdisciplinar atende hoje mais de 30 crianças no programa de Intervenção Precoce e conta com profissionais da fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e educação especial.

Os casos apresentados nesta dissertação integram este programa e demonstrarão, de certo modo, os dilemas e tropeços da instalação de um novo fazer, bem como os desafios na transição da pesquisa à estruturação do atendimento. Apenas um dos três sujeitos, conforme já mencionado, recebeu uma intervenção precoce, embora os três já dessem sinais de que algo não ia bem em seu desenvolvimento no primeiro ano de vida.

8 Considerando o histórico da formação do fonoaudiólogo, sabe-se que as áreas de conhecimento da

linguagem, voz, motricidade orofacial e audição, bem como conhecimentos de neurologia, psicologia cognitiva e aprendizagem, otorrinolaringologia, sempre estiveram presentes. Os aspectos psíquicos, em perspectiva psicanalítica, é que se intensificaram na formação de modo heterogêneo no país, da década de 90 para cá. A Pontifícia Universidade de São Paulo foi o centro inovador no Brasil e, no Rio Grande do Sul, a fonoaudióloga Luíza Surreaux a primeira a buscar essa formação, e fazer essa interface Fonoaudiologia-Psicanálise.

Também evidenciarão os dilemas da interdisciplinaridade, pois vários saberes comparecem como fundamentais para a clínica com bebês. Nos sujeitos aqui analisados, coube um enfoque maior no funcionamento de linguagem, que será objeto de reflexão no capítulo 2.

2. DO FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM EM TEMPOS DE