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CAPÍTULO III – DIMENSÕES DA BRANQUITUDE NA POLÍTICA DE OFERTA DE

5.1 A diferenciação racial: negros/cotistas e brancos/não cotistas

O tratamento diferenciado dos estudantes permeado pela ideia de raça é percebido e narrado de forma parcial pela maioria dos entrevistados. A narração parcial da interação entre os grupos raciais é um ponto da branquitude (BENTO, 2014; PIZA, 2014). Apenas duas servidoras entrevistadas relataram exemplos de diferenciação por conta da cor/raça. A servidora de 68 anos, autodeclarada branca, relata que um aluno branco e outro negro foram contratados como bolsistas na gerência de cursos da área técnica. Enquanto o primeiro foi colocado para ajudar na digitação de documentos, o segundo foi responsabilizado para servir o café. A servidora de 51 anos, autodeclarada negra afirma que há muito tempo participa das cerimônias

de formatura e percebe que “os alunos oradores são aqueles bem brancos e os professores patronos também. Mesmo que aqui no Campus a maioria dos alunos é parda ou se declara como parda, tem alunos negros, mas eu nunca vi nenhum deles como oradores de turma”.

A coordenadora do curso de Informática de 43 anos, autodeclarada negra também afirma a existência de diferenciação, porém, como o curso de Informática é bem equiparado em termos de cor, a diferença é percebida pelo viés financeiro. A servidora aproveitou para relatar uma situação ocorrida no curso em 2015, que retrata o tratamento diferenciado de estudantes “negros/cotistas” e “não cotistas/ mais brancos”. Conforme o relato dela, a separação de cotistas e não cotistas foi feita e justificada pelo coordenador da época como uma prática usada para nivelar os alunos em termos de resultados de aprendizagem. Todavia, os estudantes negros/cotistas denunciaram o caráter preconceituoso dessa prática e exigiram mudanças. Na visão da servidora, devido a isso, atualmente, o ensalamento dos alunos executado pelo departamento de Informática procura mesclar as turmas e, portanto, os estudantes convivem harmoniosamente.

Pesquisadora: Você acha que a cor/raça tem influência no cotidiano escolar? Causa tratamento diferenciado? Em quais situações?

Faz tempo, quando o coordenador da época separou as turmas de informática fazendo uma turma de alunos cotistas e outras turmas de não cotistas. O coordenador disse que não foi por discriminação, que foi pra nivelar as turmas. Os alunos cotistas fizeram um movimento contra essa ideia porque eles descobriram perguntando um pro outro que todos os alunos que estavam naquela sala eram cotistas. O ensalamento das turmas é feito aqui no departamento, mas a gente procura equilibrar as turmas. A gente equilibra os meninos e meninas, cotistas, não cotistas [...] procura mesclar bastante, inclusive depois desse problema que deu com os cotistas. Os professores na época disseram que nunca tinham pensado em preconceito, mas pra evitar qualquer coisa, agora mescla bem as turmas [...] Hoje os alunos convivem tranquilamente [...] Não tem diferença, o problema maior é financeiro. (Servidora, 41 anos)

Afirmar que a convivência é harmoniosa na tentativa de apagar contradições e diluir conflitos e postular a conciliação entre os grupos raciais “constituem a essência do famigerado mito (ou ideologia) da democracia racial brasileira. Esse mito, ao longo da história do país, vem servindo ao triste papel de favorecer e legitimar a discriminação racial” (BENTO, 2014, p. 48). Ademais, a separação de cotistas e não cotistas foi rememorada por todos os estudantes entrevistados do curso de Agrimensura, e por apenas uma estudante autodeclarada negra do curso de Informática. Para esses estudantes, as relações não são harmoniosas. Isso porque práticas de diferenciação ainda persistem de forma oculta e silenciosa no contexto atual do IFMT – Campus Cuiabá, como revela a fala um aluno autodeclarado negro de 19 anos do curso de Agrimensura: “Aqui na escola eles não falam, mas tem diferença... tanto que aqui já teve, no ano que eu entrei, a revolta dos cotistas na informática. [...] Eles fazem ainda essa divisão,

até hoje é assim, mas eles tentam esconder, entendeu?”. Em concordância, segue também o relato feito pela estudante do curso de Informática autodeclarada negra:

No nosso curso já teve uma separação de duas turmas. Uma de brancos e outra de negros cotistas. Foi no ano de 2015 essa separação da turma A e da turma B. E isso continua acontecendo [...] na Turma A os alunos são mais brancos e elitizados do que a B, a minha. Em 2015 os alunos da turma B, de negros e pardos cotistas começaram a perceber que eles eram negros e os alunos da A eram brancos, aí eles começaram a fazer pesquisas entre eles mesmos perguntando: você entrou por cota? E perceberam que todos da sala entraram por cotas e eram negros. Um dia eles foram na turma A pra olhar e viram que todos eram brancos. E teve um alvoroço aqui na escola. Aí, depois disso eles tentaram mudar isso, mas só que mesmo assim prevalece essa diferença, tanto que os elogios são sempre pra turma A. Fica tudo subtendido e fica parecendo que é absolutamente normal. (Estudante, 18 anos)

É pertinente ressaltar também que as conversas informais realizadas com professores do curso de Informática indicam que a divisão de estudantes considerados “negros/cotistas” e “não cotistas/brancos” é operante e não passa despercebida por docentes que atuam no curso, pois um professor de 53 anos relatou que dentre as turmas A e B do 3º ano do curso de Informática, a turma A é composta por não cotistas e maioria branca enquanto os estudantes da turma B são na maioria cotista e mais negra. E ainda, o professor destacou de forma incisiva que deveria ser perguntado ao Departamento de Informática o porquê dessa separação das turmas por cota.

A coordenadora e professora do curso de Agrimensura, de 43 anos, autodeclarada branca, assim como a coordenadora do curso de Informática, de 43 anos, autodeclarada negra, afirma a diferenciação racial dos estudantes, mas associada à desigualdade econômica, ao dizer que “a diferenciação racial existe, a cota já faz essa diferenciação aqui dentro da instituição, mas, o que pesa mesmo é a condição financeira”.

Ao serem interrogadas mais especificamente se existe diferença entre ser cotista e não cotista, foi possível perceber ainda que a diferenciação racial opera tanto entre os alunos entre si no âmbito de um curso, quanto entre os cursos de formação profissional integrados ao nível ofertados pelo IFMT – Campus Cuiabá, visto que há cursos que são frequentados majoritariamente por estudantes classificados como mais brancos/não cotistas e os cursos mais acessados por aqueles classificados como negros/cotistas.