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A difusão de uma Escola Nova católica: raízes e orientações

ESCOLA NOVA CATÓLICA?

4.2 A difusão de uma Escola Nova católica: raízes e orientações

Nas décadas de 1940 e até mesmo de 1950, há a presença de uma educação progressista baseada na concepção escolanovista de educação, segundo Ghiraldelli Junior (2001). Para ele, dos anos de 1930 até os anos de 1950, o escolanovismo conquistou adeptos até mesmo dentro da Igreja Católica, que outrora havia se mostrado “contrária” à propagação dos princípios dessa Escola e lutado “contra” essa propagação. Essa instituição, nesse período, passou então por modificações de mentalidade, o que a levou, nos anos de 1950, a desenvolver em sua rede escolar experiências pioneiras sobre a Pedagogia Nova e sobre os “métodos ativos”.

Dessa maneira, o escolanovismo se reestruturou e se reorganizou ao ser absorvido por agrupamentos e setores sociais antes contrários a esse ideário, mas ele também foi se transformando e se adaptando internamente com relação aos desenvolvimentos da sociedade capitalista. Ghiraldelli Junior aponta a esse respeito que:

Pelas mãos dos próprios educadores liberais, a Pedagogia Nova foi deixando os velhos mestres e incorporando novos nomes, demonstrando grande capacidade de recomposição e de rearticulação no sentido de não perder os espaços conquistados na sua luta por hegemonia na arena das teorias

educacionais (GHIRALDELLI JUNIOR, 2001, p. 127).

A disputa pela hegemonia dentro do campo educacional brasileiro que ocorreu no início da década de 1930, entre os militantes da igreja católica e os chamados pioneiros da educação nova, foi estrategicamente pensada por cada grupo na tentativa de alcançar os seus objetivos educacionais. A disputa acirrou-se em 1932, quando um grupo significativo de católicos que participavam da Associação Brasileira de Educação (ABE)56 deixou esse grupo e passou a se reunir inicialmente em torno das Associações dos Professores Católicos do Distrito Federal (APCs) e no Centro D. Vital de São Paulo. Com o intuito de fortalecer sua

56 A ABE foi criada no ano de 1924 e dela faziam parte ilustres representantes do movimento da Escola Nova no Brasil.

organização, esse grupo fundou, em 1933, a Confederação Católica Brasileira de Educação

(CCBE)57 (SGARBI, 1997, 2001; CARVALHO, 2003).

O objetivo dessa Confederação era a luta pelo ensino religioso nas escolas e a defesa das “idéias avançadas” e “progressistas”, do mundo moderno, porém com uma leitura feita à luz dos critérios e com a ponderação da encíclica papal Divini Illius Magristri58, de Pio XI.

Essas idéias foram veiculadas pela Revista Brasileira de Pedagogia59, que divulgou os aspectos pedagógicos, filosóficos, políticos e psicológicos do escolanovismo católico por meio de artigos, resenhas, comentários, etc, que retratavam o quotidiano dos educadores e das escolas associadas à Confederação (SGARBI, 1997; 2001).

Pio XI, na encíclica Divini Illius Magistri, pensa a educação da seguinte forma: “consistindo a educação essencialmente na formação do homem como ele deve ser e portar- se, nesta vida terrena, em ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado, é claro que [...] não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã” (PIO XI, 1974, p. 5). Sendo assim, fica ressaltada ainda a importância suprema da educação cristã. Porém essa educação é indispensável não só para os indivíduos. Segundo a encíclica, sua relevância se dá para toda a sociedade e para as famílias.

De acordo com a encíclica, para não errar “nesta obra de suma importância” é preciso ter uma idéia clara e exata sobre de quem é a “missão de educar”, “qual o sujeito da educação”, “quais as circunstâncias necessárias do ambiente” e “qual o fim e a forma própria da educação cristã”, segundo a ordem estabelecida por Deus (PIO XI, 1974, p. 6).

Segundo Pio XI (1974), os jovens católicos devem rejeitar a escola neutra e laica, “donde é excluída a religião” (p. 32). Não se deve admitir ainda a escola mista, e muito menos única. A escola deve ser católica e para isso é necessário que ela tenha mestres, programas, livros. E todas as disciplinas devem ser regidas pelo espírito católico.

Alerta ainda Pio XI (1974, p. 35) que

Acolhendo, pois, o que é novo, terá o cuidado de não abandonar facilmente o antigo, demonstrado bom e eficaz pela experiência de muitos séculos, [...]. Estas nobres tradições exigem que a juventude confiada às escolas católicas seja, sem dúvida, plenamente instruída nas letras e ciências, segundo as

57 Segundo dados do Estatuto da Confederação Católica Brasileira de Educação, apresentados por

Sgarbi (1997), essa sociedade foi fundada em 11 de maio de 1933 e constituída no mesmo ano durante o Primeiro Congresso Eucarístico Nacional. A CCBE era uma sociedade de professores e estabelecimentos de ensino católicos e um grêmio de assistência social-religiosa, com sede na capital do país. Seu fundador e primeiro presidente foi Everardo Backheuser. Ela deixou de existir em 1938.

58 A primeira edição dessa encíclica foi publicada em 12 de janeiro de 1930, em italiano.

exigências dos nossos tempos, mas ao mesmo tempo sólida e profundamente, em especial na sã filosofia [...].

De acordo com a encíclica, “o fim próprio e imediato da educação cristã é cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão” (PIO XI, 1974, p. 38). Por isso, a educação cristã abrange o homem no seu todo, ou seja, cuida do sensível, do espiritual, do intelectual, da moral, do individual, do doméstico e do social.

A pesquisa de Sgarbi (1997) evidencia que os católicos ligados ao movimento de 1930 e organizados em torno das APCs e da CCBE não foram contrários aos princípios da Escola Nova como um todo e chegaram mesmo a construir, a divulgar e a vivenciar um escolanovismo próprio, ou seja, um “escolanovismo católico” que foi sendo divulgado e sistematizado por meio do impresso. E a encíclica é o meio pelo qual são “filtradas” essas idéias progressistas que os católicos passam a defender com muita moderação.

Sgarbi (2001) relata em sua tese que, entre os meios para alcançar os objetivos da CCBE, encontra-se a difusão do pensamento dos “grandes mestres da pedagogia católica” por meio de “obra para os educadores” ou de “manuais para os educandos”. Manuais, segundo ele, das diversas matérias do ensino, em todos os graus e modalidades, evidenciando, assim, a escolha do impresso para atingir seus objetivos.

Porém, no período do golpe de Estado articulado por Getúlio Vargas em 1937 e da instauração do Estado Novo, os educadores católicos se desarticularam. A reorganização dos educadores católicos se dá com a criação da Associação de Educação Católica do Brasil (AEC), criada em 24 de novembro de 1945, cuja função seria “coordenar, articular trabalhos em conjunto e trocas de experiências, bem como ajudar aos colégios católicos, que continuavam crescendo” (SGARBI, 1997, p. 173). Para Sgarbi (1997), não é possível observar na AEC, pelo menos nos seus primeiros anos de existência, a continuidade do ideal da CCBE.

4.3 Entre arte e ciência: da Pedagogia expressa no manual à Pedagogia afirmada