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5 IMPACTOS AMBIENTAIS, SOCIAIS E ECONÔMICOS: OS OLHARES DAS

5.1 OS OLHARES DAS TÉCNICAS

5.1.1 A Dimensão Ambiental

Ao longo das entrevistas, notou-se que a dimensão ambiental é um dos primeiros aspectos que é falado quando se trata de abordar questões sobre o Sistema Água Viva, até mesmo quando as perguntas não eram direcionadas especificadamente para esta dimensão. Outro ponto aqui a se destacar é que, por vezes, ao abordar uma subcategoria, eram trazidas também aspectos não diretamente ligados a ela, mas sim inerentes a outras subcategorias, fato que ocorre também em outras dimensões e também interdimensões.

29 Impactos neste trabalho abrangem as alterações ocorridas nas dinâmicas das casas, da vida das mulheres e da comunidade tanto na dimensão ambiental e social, como também na econômica, a partir do uso do Sistema Água Viva.

Na fala de quase todas as técnicas, com exceção de uma delas, a maneira como o sistema alterou positivamente a destinação dos resíduos da casa aparece como sendo um fator de grande relevância quando se consideram as consequências da utilização da tecnologia.

Olhe, uma das coisas que a gente observava muito, e que talvez você consiga também perceber isso também na fala delas, é que, às vezes, até tinham uns quintais bem interessantes do ponto de vista da produção, mas tinha a água acumulada no terreiro, aquela poça de água a céu aberto, na porta da cozinha, praticamente. Então, do ponto de vista ambiental, acho que aquilo era o mais impactante, o mais visível da mudança, né, e que elas também percebem claramente isso, aquela água empoçada que também acumulava muito mosquito, que as galinhas bebiam, né, então... As crianças ficavam brincando por ali, pelo quintal, naquela água. Era um aspecto muito desagradável pra quem vivia e pra quem ia lá visitar também, então, é uma mudança significativa (Técnica Nísia).

[...] O quintal tando sempre sequinho, né, sem estar juntando água, é bom não somente pros bichos, mas, também, pra a saúde da família, né, porque a gente sabe que aquela poça, aquela água parada ali junta mosquitos da dengue, junta outras coisas, e traz doença pra dentro de casa, os bichos adoece, aí lá vai as mulher atrás de remédio para dar às galinha, né. Não é o que a gente quer. [...] Então elas falam muito que os bicho deixou de adoecer, que não fede mais, porque água parada, suja ainda mais, fede muito. Acho que melhorou muito essa questão da higiene do quintal [...] (Técnica Clara).

Fica nítido que a questão da destinação dos resíduos da casa relaciona-se diretamente com outras ligadas à saúde das pessoas do grupo familiar, dos bichos que são criados.

Uma questão importante que se depreende da fala das técnicas é a inter-relação entre vários aspectos (desperdício de água, destinação inadequada das águas servidas e falta de água para o cultivo). Observa-se que o conflito entre o desperdício de água, que, em geral, é acumulada nos quintais das casas da comunidade, e a falta de água para a realização de atividades de cultivo e criação tende a se dissolver quando da utilização da tecnologia social, o que influencia na produção e organização dos quintais onde o sistema está instalado.

[...] é notada, assim, a diferença das casas. Quando a gente chegava que a gente via água empoçada num canto, que a gente via planta sem água, morrendo por causa que não tinha água, enquanto havia água empoçada ali do lado, né? (Técnica Clara)

[...] como a gente vê nas casas que têm e nas casas que não têm a gente vê muito desperdício de água. Por mais que as pessoas digam “essa água não presta”, mas é uma valorização muito grande esses filtros, porque você vai reutilizar de toda forma para uma coisa que não tinha antes, como, por exemplo, as produção que elas têm, as hortaliças (Técnica Anatália).

[...] por lá ser um assentamento e as pessoas não tem muita água perto, né? Então, já facilitou bastante a reutilização da água, porque, assim, pra elas produzirem, elas tinham que ir atrás de água bem longe, pelos relatos que eu ouvi (Técnica Patrícia).

Não foi associado pelas técnicas nenhum prejuízo inerente à situação da destinação dos resíduos da casa após o início da utilização do Sistema Água Viva e estas acreditam que, considerando a realidade local, a tecnologia conseguiu solucionar o problema da destinação da água cinza, nas casas onde foi construída.

A relação entre as práticas de cultivo e criação e o Sistema Água Viva materializa-se, para as técnicas, na alteração do tempo de ciclo dos alimentos cultivados e na mudança na maneira como o solo produz quando irrigado com água efluente do Sistema Água Viva.

[...] Elas têm consciência também de que, do ponto de vista produtivo, essa água, ela é rica em matéria orgânica e que por isso a produção delas se desenvolve melhor, adoecem menos, né, então, ela têm contribuído também pra fertilização do solo. [...] A gente, claro, que tinha essa ideia de que haveria essa contribuição da água, né, do ponto de vista produtivo, do desenvolvimento das plantas, mas Dona Margarida, que foi uma das primeiras, que era a que não produzia nada no quintal dela, ela disse “o coentro cresce muito mais rápido com a água do filtro”, porque a água do filtro é mais rica, então elas têm esse nível de consciência disso, sim (Técnica Nísia). [...] o ciclo, eu lembro demais: foi uma coisa que logo de início a gente já observou. O ciclo do coentro diminuiu, o tempo do nascimento à colheita diminuiu, porque além de ter uma água mais constante, é uma água já adubada, é uma água que já vem com nutrientes, então isso também fez com que esses processos fossem um pouco mais acelerados. Eu acho que no coentro tinha reduzido em pelo menos uma semana, 8 dias (Técnica Frida).

Sublinha-se que o cultivo é realizado sem agrotóxicos, consoante ao paradigma da convivência com o semiárido, entretanto, nas falas das técnicas, não apareceram argumentos ou indícios que pudessem respaldar uma afirmação de que antes da tecnologia o cultivo assim já era realizado.

Ao falarem sobre a disponibilidade de água, um ponto a se destacar é que foi citada a questão da criação de uma dinâmica em termos de cultivo para os quintais onde antes não havia plantação a partir daquela água que estava sendo reaproveitada e disponibilizada pelo Sistema Água Viva.

[...] Eu não acompanhei antes, né, vi depois uma foto do quintal de Dona Margarida. [...] Só um descampado, assim, tudo seco, não tinha um pé de planta. Aí hoje tanto que é as galinha de um lado, as cabras, que ela cria cabra, é num cercado e as hortas lá atrás, e o filtro passa no meio (Técnica Clara). [...] nesse filtro não pode ficar com muita água dentro por muito tempo, quando elas começam na construção, elas têm a ideia que elas vão fazer pra plantação. Alexandra, o quintal dela, na última vez que eu fui lá, tava bem produtivo e é tudo com água do filtro, do Água Viva. Ela disse que se não tivesse não teria como exatamente pela escassez de água (Técnica Patrícia).

Nota-se que as técnicas também julgam importante haver a organização dos quintais, propiciada por políticas de organização produtiva que possibilitaram, por exemplo, a divisão de canteiros, porque isso faz com que o processo do cultivo existente a partir da disponibilização de água não seja interrompido por causa da interferência da circulação dos animais naqueles espaços. Isso denota a importância da existência da relação de entre projetos.

Outro ponto relacionado à disponibilidade de água é a convergência de opiniões das técnicas que há quando estas ligam esta subcategoria, a de disponibilidade de água, à de recursos reaproveitados, ao falarem sobre o reuso da água.

[...] as mulheres passaram a ter mais atenção à água, né, porque eu acho que por mais que elas percebessem a falta d’água em determinado momento, mas elas não tinham atenção de que havia a possibilidade da reutilização da água, de dar duas utilidades para uma mesma água, né, e que isso era uma economia, né. [...] e que isso era contribuir pro meio ambiente, era contribuir pra própria vida delas, porque sobrava mais água de qualidade pra elas executarem as outras tarefas ou demandas de consumo humano [...] (Técnica Nísia).

[...] E também muito interessante era a percepção delas a respeito do reaproveitamento, porque elas não tinham dimensão da quantidade de água que era [desperdiçada]... Mesmo com a dificuldade que tem de água, na comunidade, né? Pra desenvolver um trabalho com hortaliças era toda uma dificuldade. E na casa a quantidade de água era muito pouca aos olhos, mas o que ia embora de fato era muita água. E foi também bem legal ver isso, essa percepção delas depois da quantidade de água que era desperdiçada. Elas [as agricultoras] produziam, mandavam para a Rede Xique-Xique e tudo, mas agora acho que dá mais constância [...] (Técnica Frida).

[...] Pro meio ambiente é um projeto riquíssimo, principalmente agora que a gente tá tendo dificuldade com água, não chove como se chovia antes. E é um projeto que é valioso, porque a água que a gente tá desperdiçando, hoje, com esse projeto, a gente não desperdiça mais, a gente tá reaproveitando. E quando se fala em água, eu acho que o que a gente puder fazer em relação a isso é muito bom pro meio ambiente, porque a gente não tá desperdiçando. Esse projeto em si é muito bom [...] (Técnica Anatália).

Ainda sobre os recursos reaproveitados, as técnicas apontam não somente o reuso da água, mas, também, o reaproveitamento que há daqueles materiais orgânicos que são utilizados no filtro do Sistema Água Viva (carvão, palha de carnaúba e fibra de coqueiro).

Entretanto, sobre os demais recursos utilizados na tecnologia, não aparece nas falas algo que indique que estas mulheres façam associação entre a construção e utilização do Sistema Água Viva e a utilização de recursos naturais escassos, essenciais e esgotáveis ao planeta.

Também não apareceu nas falas algo relacionado ao consumo de energia necessário para a manutenção do sistema de irrigação por gotejamento de baixa pressão da tecnologia social.

Aqui cabe também ressaltar que não foi citado nas respostas das técnicas aspecto negativo referente ao carvão utilizado, que é produzido a partir da queira de madeira.

Resumidamente, o que se nota é uma consonância de opiniões no que se refere aos benefícios ambientais para o local do reuso da água cinza, reconhecendo-o como uma oportunidade de disponibilização e reaproveitamento de água e dos nutrientes presentes no efluente usado para irrigação.

Não foi observado nas falas das entrevistadas riscos ambientais, como, por exemplo, de uma possível contaminação e degradação do solo, ou riscos referentes à perda de fertilidade do solo em decorrência do uso da água cinza filtrada.

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