• Nenhum resultado encontrado

A valorização crescente do trabalho em grupo, conforme observado no item I.1 dá margem para a consequente valorização de sua análise. Esta tendência mostra a necessidade das empresas procurarem outros modelos de organização além dos modelos tradicionais (taylorismo/fordismo), considerados eficazes em ambientes

mais estáveis e de produção em massa, e as decisões relativas à concepção, fabricação e comercialização passam a ser concebidas em um contexto de cooperação (SALERNO, 1999).

Neste item, exploram-se com mais profundidade os conceitos envolvidos com o trabalho coletivo/cooperativo, assim como as dimensões que o mesmo pode assumir.

II.1.1 Conceito de trabalho cooperativo

Em geral, os modelos clássicos utilizados em análises do trabalho não abordam aspectos da dimensão coletiva do trabalho, em relação à interdependência existente entre tarefas e/ou atividades de vários operadores ou quanto à importância das relações sociais em uma equipe de trabalho (BARTHE, 2003).

A tarefa é a prescrição do que deve ser feito por um operador, sendo definida pela organização com base em um objetivo (o estado final desejado) e pelas condições para sua realização (os procedimentos, os constrangimentos de tempo, os meios à disposição e pelas características do ambiente físico, etc.). A atividade é o que é feito, a estratégia de adaptação que o sujeito mobiliza para efetuar a tarefa, sendo que o operador fixa para si um objetivo, a partir do objetivo da tarefa, para finalizar a atividade (FALZON, 2007).

Uma vez que a dimensão coletiva do trabalho torna a situação mais flexível, cada vez mais complicada e menos determinista (para um dado observador) das inter- relações (interações, retroações, interferências, etc.), a complexidade sistêmica aumenta, manifestando-se no fato que o todo possui qualidades e propriedades que não se encontram no plano das partes consideradas isoladamente e, também, pelo fato de que as partes possuem qualidades e propriedades que desaparecem sob o aspecto das coações organizacionais do SI (MORIN, 2002).

Uma nova ordem de complexidade aparece quando a existência e a manutenção de sua diversidade são inseparáveis das inter-relações com o ambiente, inter-relações (e que são ao mesmo tempo autônomas e dependentes) com as quais o SI tira do exterior matéria-energia e em um grau de complexidade superior: informação (MORIN, 2002).

Para De Terssac e Maggi (2004), o trabalho é cada vez menos considerado como uma realidade já constituída, diante da qual o indivíduo deve se submeter. O trabalho torna-se uma ação coletiva por meio da qual os indivíduos vão cooperar para obter certo resultado, dentro de condições dadas. Esta ação se desenrola tendo alguns constrangimentos, em razão do contexto estruturado pelos dispositivos, regras e normas que irão definir o espaço de ação e que poderão ser ou não questionados pelos indivíduos.

A ergonomia passou a pesquisar e empregar noções ligadas ao trabalho coletivo, como: cooperação, colaboração, coordenação e outras, fundamentais para essa forma de trabalho. É possível encontrar na literatura diferentes definições e abordagens para estas noções e, desta forma, considerou-se importante apresentar algumas definições utilizadas nesta pesquisa.

Conforme citado no item I.1, a definição de cooperação utilizada neste trabalho é dada por Dejours (2005, p. 93):

Cooperação é uma conduta coordenada, definida como a ação de participar de uma obra comum. A cooperação supõe um lugar onde, ao mesmo tempo, convergem as contribuições singulares e cristalizam-se as relações de dependência entre os sujeitos.

O autor salienta que a cooperação remete ao coletivo de trabalho e é uma conduta coordenada que possibilita desempenhos superiores e suplementares em relação aos desempenhos individuais.

A cooperação não idealiza o operador humano, pois faz a integração das diferenças entre as pessoas, articulando os talentos específicos de cada trabalhador e compensando as possíveis falhas singulares. Segundo o autor, a qualidade do trabalho, a confiabilidade e a segurança estão diretamente ligadas à qualidade da cooperação, podendo compensar as falhas da organização do trabalho prescrito e as restrições dos desempenhos humanos.

O termo cooperação, quando se trata da questão do trabalho, pode ser definido de uma forma mais ampla no sentido que duas ou mais pessoas cooperam quando se empenham em uma tarefa conjunta em direção a um determinado objetivo. Para que este objetivo seja alcançado, são necessárias ações de ambos (cada um dos parceiros executa as ações), de modo que cooperar é operar em comum, buscando

o ajuste por meio de novas operações de correspondência, reciprocidade ou complementaridade (PIAGET, 1996).

Segundo Tavares (2002), a cooperação exige que os participantes estejam de acordo com respeito a um conjunto de regras que deve ser observado no decorrer da atividade. Acordo e regras não precisam ser o resultado de uma comunicação formal nem mesmo de intenção explícita. Podem se desenvolver no decorrer da própria interação, por tradição, por experiência anterior com sucesso, tentativa e erro ou processos evolutivos relacionais. A cooperação exige, portanto, que os agentes:

Identifiquem um objetivo comum;

Estejam engajados em ações para realizar esse objetivo comum;

Sejam aptos para reconhecer que os outros agentes estão engajados no mesmo objetivo;

Enfim, que sejam aptos para evitar os conflitos ou para resolvê-los.

O indivíduo integrado a um SI no qual a distribuição de competências, de tarefas, de papéis, necessita de processos integrantes (coordenação, comunicação, organização/cooperação). A dualidade entre o todo e as partes, entre unificação e distribuição, entre homogeneidade e heterogeneidade raramente é levada em conta nos métodos de análise e concepção de sistemas informatizados (ERCEAU et al, 1994). Esta questão será mais bem detalhada no item II.5, onde os processos integrantes serão associados ao trabalho cooperativo de um grupo, focado por meio de um software que o implementa.

II.1.2 Dimensões do trabalho coletivo

Para Guérin et al. (2001), existe uma série de termos utilizados para descrever as dimensões do trabalho coletivo:

Coordenação: neste caso pressupõe que os operadores devem levar em conta mutuamente o ordenamento de suas ações e respectivas decisões, tendo ou não objetivos imediatos diferentes;

Coação: corresponde a um caso de coordenação no qual os operadores realizam ações paralelas, e que em dado momento devem convergir;

Cooperação: realização conjunta de uma mesma tarefa, em um mesmo objeto de trabalho, em uma relação de dependência mútua. Nesta situação, as diferentes pessoas envolvidas na ação obtêm informação sobre o andamento da ação das outras, de maneira a poder ajustar a maneira como trabalham em tempo real;

Colaboração: é o caso dos trabalhadores que, normalmente, não trabalham no mesmo objeto, mas compartilham suas competências para lidar com uma situação particular, ou mesmo famílias de situações.

A coordenação aparece ainda como um fato característico das formas organizacionais e constitui uma condição para a cooperação, em que a cooperação aparece como um processo que vai além da coordenação, englobando-a. Outro elemento chave para a compreensão da cooperação corresponde à noção de objetivo, em que um grupo corresponde a uma reunião de agentes que compartilham um mesmo objetivo (TAVARES, 2002).

Ainda segundo Guérin et al. (2001), é necessário que cada um dos participantes do grupo tenha uma representação suficiente do trabalho que os outros efetuam, sendo que duas condições são importantes:

Conhecer a organização geral do seu trabalho e de seus colegas, considerando suas diversas fases, assim como suas limitações;

Ter informações que possibilitem avaliar em um determinado momento como o desdobramento de suas ações afetam os demais.

Outro aspecto inerente à atividade coletiva diz respeito à comunicação entre os elementos do grupo, em q ue cada um dos participantes está comprometido com uma ação, interpretando as informações que lhe chegam baseadas em sua focalização naquele momento, tendo como apoio o conhecimento das ações dos demais participantes do grupo. Considera-se que ocorre comunicação sempre que há transmissão de informação entre uma pessoa e outra.

A comunicação pode ser explícita (palavras trocadas entre os elementos do grupo, gestos, etc.) ou implícitas (por uma atividade especificamente realizada, ou por meio de um som produzido por um determinado elemento do grupo, etc.).

A ergonomia direcionou suas análises e não considera somente a ação individual e a relação “tarefa-atividade” de um só operador, mas a ação coletiva e as relações entre tarefas, atividades e diversos operadores (MAGGI, 2005).

Assim, a efetiva organização do trabalho, além de exigir a coordenação de experiências singulares e, sobretudo de cooperação, implica a vontade das pessoas trabalhar em conjunto, de modo que a mesma não pode ser prescrita, exigindo uma relação de confiança das pessoas na construção de normas e regras que determinem a forma de executar o trabalho (DANIELLOU; SIX, 2003).

II.1.3 Considerações sobre a dimensão coletiva do trabalho

Esta seção mostra a importância de se considerar o trabalho coletivo e, mais particularmente, o trabalho cooperativo, tanto nos sistemas de informação como nos softwares desenvolvidos para dar suporte a este ambiente. São descritos os conceitos a respeito da dimensão coletiva do trabalho e a contextualização do trabalho cooperativo.

Os conceitos aqui descritos sobre cooperação serão utilizados ao longo da pesquisa, sendo refinados e adaptados na medida que métodos e técnicas relativas ao trabalho cooperativo e ao levantamento dos requisitos de software neste ambiente forem introduzidos durante seu andamento.