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3 O documento sob a perspectiva da Documentação

3.2 A dimensão disciplinar da Documentação

Com a preocupação de definir terminologicamente a palavra documento, Rodríguez Bravo (2002) pesquisou em diferentes dicionários e, em síntese, observou que durante muitos séculos, no decorrer da Idade Média, o sentido da palavra documento se restringiu a advertência, instrução, aviso ou conselho, com um significado no campo da ética e da moral. Já no século XVIII buscou-se incorporar à palavra documento valores perdidos desde a época romana, trazendo de volta o seu caráter instrumental de transmissão de feitos, idéias ou juízos, o qual se distinguia da conotação ética e moralizante. Segundo a autora, essas mudanças de significado ocorreram, em grande medida, pelo emprego da palavra documentar, ou seja, provar com documentos.

No século XIX surgiu o advérbio documentalmente e, posteriormente, o adjetivo documentado (que significa: respaldados pelos documentos necessários). Mas foi somente no século XX que apareceu o termo documentação com dois sentidos: a) ação ou efeito de documentar e b) conjunto de documentos que servem para esse fim (inclui-se aí a concepção da investigação científica).

O termo “documentação”, segundo aponta Blanquet (1993, p.199), tem origem na palavra latina documentum (documento). O documento no século XVII ganhou um sentido jurídico ao ser valorizado como meio de “instrução”, tornando-se, assim, sinônimo de

prova.155 Mais tarde, o termo ganhou significado de “aprendizagem” e de “comunicação de um saber”.

Ademais, a partir de 1870, a palavra “documentação” passou a ser utilizada derivada da palavra francesa document (documento) e documenter (documentar), definindo-se este verbo como “[...] apoiar-se em documentos, fornecer documentos”. Nesse caso, o documento passou a ser entendido como “prova” ou “ilustração de um discurso ou de uma afirmação.” (BLANQUET, 1993, p.199).

Como nos explicou Meyriat (1981, p.55), a palavra “documentação” pode ter diferentes significações, considerando-se que ela termina com o sufixo “-ção” (ou “-tion”, no francês), que remete à realização ou ao produto de uma atividade. Assim, ela pode designar duas operações: coleta dos próprios documentos (objetos concretos) e coleta de suas referências. Ela também é apreendida como a técnica ou o conjunto de técnicas responsáveis por reunir, classificar, explorar os documentos (concepção esta mais freqüentemente relacionada à Análise Documental).156

Contudo, não se tem certeza de quem foi o primeiro a pronunciar a palavra “documentação”, por tratar-se de um neologismo que pode ter sido encontrado em muitas línguas, correspondendo às necessidades e a entendimentos de épocas diferentes. Por exemplo, no início do século XX, Otlet procurou atribuir um novo significado ao termo, dando-lhe uma nova “roupagem” e assumindo, nesse contexto, a sua “paternidade”. (BLANQUET, 1993, p.199).

Em seu Traité, Otlet oscila entre o entendimento de “documentação” como sinônimo de “Bibliologia” (entendida, em geral, como “ciência do livro”) e de “disciplina enciclopédica” que engloba e perpassa a Biblioteconomia, a Bibliografia, a Arquivística e a Museologia. A riqueza conceitual de “documentação” consistiria justamente nessa polissemia. Foi através da busca pela compreensão de “documentação” que muitos países (como a Espanha, a Itália, a Inglaterra e a Alemanha) se empenharam em pesquisar essa palavra, tendo descoberto, assim, diferentes concepções, notadas principalmente a partir da década de 1950. (Ibid., p.192-193).

Na tradição otletiana, o termo “documentação” pode apresentar-se como o “[...] conjunto de documentos com a função de documentar, isto é, de informar com a ajuda da Documentação.” (OTLET, 1934, p.373). Ao explicar isto de maneira mais detalhada, o autor

155 Nota-se que os termos documentação e documento adquiriram conotação jurídica no mesmo período em que

se desenvolveram estudos no campo da Diplomática.

nos mostra que a Documentação “[...] é constituída por uma série de operações distribuídas, hoje, entre pessoas e organismos diferentes.” Segundo esta perspectiva, a Documentação “[...] acompanha o documento desde o instante em que ele surge da pena do autor até o momento em que impressiona o cérebro do leitor”, assumindo, assim, um caráter passivo, receptivo ou dativo em diversos setores da sociedade. (OTLET, 1937).

Em 1951, a bibliotecária francesa Suzanne Briet publicou o ensaio Qu´est-ce que la documentation?, que descreve a disciplina como uma “[...] técnica de trabalho intelectual, uma profissão distinta, uma necessidade de nossos tempos.” Para a autora, os termos “documentalista”, “centro de documentação” e “documentografia”, usados na França, são mais completos de significação do que os termos “biblioteconomia especializada” (special librarian), “biblioteconomia” (librarian) e “bibliografia” (bibliography) nos países de língua inglesa. (BRIET, 1951).

Seguindo esta linha de reflexão, Meyriat (1981) conceituou “documentação” apontando três características que justificariam o seu emprego terminológico para designar uma disciplina científica. São elas:

1. Atividade de situar o objeto-documento e confirmar sua existência, bem como de situar o sistema de produção e de distribuição documental (disponibilizados em lugares determinados) – tal atividade documental se faz presente nos processos de pesquisa e de localização da informação em que o documento se faz imprescindível por ser aquele objeto produzido com a função de transmitir informação. O trabalho documental é realizado de modo a direcionar, a um determinado grupo de usuários e em um determinado contexto, informações documentais que nem sempre correspondem à função original do objeto (por exemplo, um jornal sendo utilizado como documento histórico e não como veículo informativo/noticioso). Por analogia, a atividade de edição (produção e distribuição) e a atividade de documentação são complementares, só que de forma inversa, tendo como ponto em comum o documento. A atividade editorial parte da produção de registros escritos, que se tornarão documentos (jornal, artigos científicos, etc.), distribuídos depois por ela aos seus destinatários. Já a atividade documental parte de uma demanda de informação (necessidade de um usuário) e trabalha com as formas e os conteúdos documentais que possivelmente irão satisfazer tal necessidade informacional (p.56);

2. A documentação é utilitária – afirma a qualidade do documento como objeto útil para atender uma determinada demanda de informação. A “utilidade” de um documento é relativa, pois irá depender do contexto em que determinados objetos serão evocados quando imbuídos de informação relevante. Portanto, a relação qualitativa entre usuário e documento “útil” nem sempre terá um mesmo sentido, pois dependerá de determinações histórico-sociais que influirão na sua escolha e utilização. Um determinado documento pode ter uma curta vida útil, sendo, assim, “perecível”. Nesse sentido, a atividade documentária deve estar em consonância com as demandas sociais para que possa direcionar os usuários à “informação”. A utilidade de uma informação tem duração quando ela se constitui como um elemento do saber157 que pode enriquecer intelectualmente o homem. A informação científica, diante da sua importância social, se constitui como o objeto típico da atividade de documentação (p.56-57);

3. A documentação constituindo um sistema158 técnico-social – tal sistema é constituído por um conjunto de elementos objetivados, dentre os quais se destacam: o trabalho humano (individual ou de grupo) que é essencial para a busca da informação; objetos materiais (documentos) e o maquinário empregado para tratar tais documentos; e os procedimentos técnicos (ou o “saber fazer”) necessários para o seu tratamento. A documentação como um sistema técnico-social adquire complexidade à medida que a informação é procurada em um conjunto de documentos ou em coleções. Nesse caso, as técnicas empregadas se diversificam ao mesmo tempo em que se diversificam os documentos. Nessa perspectiva, para facilitar o trabalho de busca da informação (ou do documento), tornar-se-ia necessária a existência de um intermediário que visaria diminuir o tempo e a distância entre o usuário e a informação desejada. Esse mediador é o documentalista, que tem como profissão o trabalho documental. A busca

157 Meyriat definiu “saber” (savoir) como “[...] um conjunto organizado de conhecimentos acumulados e

duráveis, isto é, que permanecem válidos e aplicáveis em casos parecidos, mas em contextos diferentes. A detenção de um saber possibilita a resolução de problemas, responder às situações nas quais nos encontramos; ele nos dá certeza sobre a realidade. É a justificação da antiga ambição do homem, rerum cognoscere causas, e é o fundamento de todo meio científico: o saber em questão pode ser realmente científico, assim como técnico, econômico, etc. Toda informação que se une a este saber, ou que transmite a outro o elemento deste saber, pode ser dessa forma denominado ‘científico’; este epíteto engloba a técnica, a economia, etc. Esta ‘informação científica’ é o objeto mais típico da atividade de documentação.” (MEYRIAT, 1981, p.57, tradução livre).

158 Conforme explicou Meyriat (1981, p.57), o “sistema” consiste em “[...] um conjunto de elementos

interligados de maneira interdependente e ajustado para alcançar um objetivo [...] [que é o de] obter a informação.” (tradução livre).

documental pode ser realizada por um indivíduo ou por um grupo (organismo) vinculado a uma instituição (ou “central documental”), os quais objetivam realizar a denominada cadeia documentária, que consiste na coleta de documentos, extração de dados e de informações, classificação, estoque e recuperação de seus dados, difusão e resposta às questões. Destarte, quanto maior o sistema, maior a sua complexidade. (p.57).

Entretanto, as considerações de Briet (1951) e de Meyriat (1981) foram desenvolvidas com base na publicação do Traité de Documentation de Otlet, que foi considerada a “pedra angular” da consolidação da Documentação como uma disciplina científica.159 Em seu Traité, Otlet defendeu a necessidade de organizar a grande quantidade de documentos acumulados desordenadamente, visto que a Biblioteconomia “clássica” não trazia respostas satisfatórias com os seus métodos e técnicas tradicionais. Justificando a motivação principal da existência disciplinar da Documentação, Otlet (1934, p.6) sinteticamente argumenta que a “documentação organizada” tem como princípio oferecer a ordem das informações documentadas. Sobre esse assunto, comenta Rayward (1994, p. 237-238):

O Traité é talvez a primeira sistemática moderna da discussão dos problemas gerais de organização da informação. O termo “documentação” é um neologismo inventado por Otlet para designar o que hoje nós tendemos a chamar de “Armazenamento e Recuperação da Informação” (Information

Storage and Retrieval). (tradução livre).

Conforme ressaltou López Yepes (1990, p.40), o Traité consiste na sistematização dos estudos de Otlet sobre as questões relativas ao livro e ao documento, ou seja, a todos os elementos informacionais que compõem o universo da Documentação. Desse modo, essa publicação objetivou servir de “[...] base inicial e geral para que, em cada caso, o documentalista em seu centro de documentação pudesse levar a cabo seu próprio Manual de Documentação.”

Portanto, o Traité foi o manual que fundamentou teoricamente a criação das denominadas ciências da documentação e da informação, ao conceber a Documentação e o

159 Na obra Traité de Documentation foram traçadas as bases da Documentação enquanto disciplina, pois “[...] o

desenvolvimento desta ciência começa a ser importante, sobretudo, porque resolve as necessidades informativas que os cientistas demandam para levar a cabo seus trabalhos e conhecer o que fazem os outros cientistas nas suas linhas de investigação.” (MARCOS RECIO; NUÑO MORAL, 2000, p.656).

documento de forma universalizante. Em seu Traité, Otlet nos mostra que a Documentação tem como objetivo:

1) Analisar, generalizar, ordenar, sintetizar os dados adquiridos nos domínios do documento e, ao mesmo tempo, promover novas investigações destinadas, sobretudo, a aprofundar-se nos porquês teóricos de certas práticas da experiência.

2) Elaborar uma série completa de formas documentárias em que possam vir a desembocar os dados do pensamento científico ou prático, desde o simples documento até os campos complexos das grandes coleções e as formas elevadas que constituem o tratado e a enciclopédia.

3) Fazer progredir, desse modo, tudo o que pode tender a exposição mais metódica e racional dos dados de nossos conhecimentos e das informações práticas.

4) Provocar certas invenções que, sem dúvida, poderiam ficar muito tempo esquecidas e sem implicação, mas que em um dia serão, talvez, o ponto de partida de transformações tão profundas que equivaleriam nesta matéria a verdadeiras revoluções. (OTLET, 1934, p.3, tradução livre).

Relativamente à horizontalidade proposta por Otlet no que se refere aos termos Bibliologia, Documentalogia e Documentação para designar uma mesma disciplina, Meyriat (1981) divergiu num primeiro momento do autor belga ao argumentar que o termo mais apropriado seria Documentalogia, pois todos os elementos do “sistema técnico-social” da documentação e as suas inter-relações são contemplados por essa terminologia.

Conforme dissertou Meyriat (1981, p.56), a Documentação poderia ser visualizada, também, de uma maneira mais abstrata, pois toda técnica repousa em um conjunto de conhecimentos que justificam a prática e que remetem ao seu desenvolvimento e aprimoramento. Para o autor, esse saber foi responsável pelo delineamento da Documentação como uma “ciência” sob a influência do termo alemão Dokumentationswisenschaft. Posteriormente, por volta de 1970, o termo “documentação” foi empregado no Bulletin signalétique para expressar o mesmo sentido que a palavra “Ciência da Informação”. Contudo, para Meyriat, os termos mais apropriados para designar a disciplina seriam “Ciência da Documentação” ou “Documentalogia”, embora tais expressões tenham sido raramente utilizadas.

Segundo pontuou Meyriat, o termo “Documentalogia” (documentalogie) expressa com maior precisão o que seria um campo de estudos e uma matéria de ensino (disciplina acadêmica), visto que o sufixo “-logia” (“-logie”, em francês) é aquele utilizado no vocabulário científico para designar disciplinas, tais como a Geologia, a Psicologia, etc. Portanto, a Documentalogia seria uma disciplina científica que cuidaria das questões relativas aos “documentos”. Em termos mais objetivos, o autor explica:

A documentalogia será, dessa forma, um discurso científico sobre os documentos, mas não sobre a documentação. Se quisermos, podemos dispor do termo ao nos referirmos aos documentos, porém é necessário recusar a aplicação no que tange à documentação. (MEYRIAT, 1981, p.59, tradução livre).

O autor separa, ainda, “Documentalogia” de “Bibliologia” (Bibliologie), pois esta última seria a ciência do escrito, referindo-se especificamente ao livro. Assim, numa relação similar entre Documentalogia e documento, a Bibliologia se proporia a estudar as condições sociais, econômicas, jurídicas, técnicas, etc. que intervêm na produção e na distribuição do livro e suas formas de acesso. Foram criadas outras disciplinas para estudar outros objetos, apresentando função similar, a saber: Filmologia (Filmologie); Iconologia (Iconlogie); Discologia (Discologie), etc. (MEYRIAT, 1981, p.59).

Além do sufixo “-logia” para representar a disciplina científica, Meyriat (1981, p.59) igualmente notou um paralelismo nas palavras utilizadas para a caracterização de alguns dos objetos/produtos das atividades dessas disciplinas, todos indicados com o sufixo “-grafia”, a saber: filmografia, discografia, iconografia e bibliografia.

Para Meyriat, todos esses objetos/produtos são criados com a finalidade de auxiliar na comunicação de mensagens informativas, sendo mediadores entre usuários e documentos, pois remetem e direcionam os usuários a documentos que contêm as informações de que necessitam. Nesse sentido, a função desses instrumentos seria de facilitar o acesso aos documentos.

Portanto, Meyriat (1981, p.60) configurou a Documentalogia como uma disciplina que objetiva estudar (de maneira ampla) o contexto de produção e de distribuição de todos os tipos de documentos, já que estes eram estudados de forma compartimentalizada em subdisciplinas (Filmologia, Iconologia, etc.). Nesse caso, essa disciplina estudaria os “documentos por intenção” (documents par intention), ou seja, aqueles que se apresentam potencialmente como “fonte de informação”. Ainda, segundo o autor, “[...] o termo documentalogia engloba todos os outros.” (tradução livre).

Embora concordemos com a argumentação exposta por Meyriat (1981) em favor da utilização do termo “documentalogia” para designar uma disciplina dos documentos, continuaremos a utilizá-lo no sentido, simplesmente, de “documentação”, já que o próprio autor, em um momento posterior (MEYRIAT, 1993), retomou esse sentido, que é o mais usual. Segundo esclarece Meyriat (1993, p.193), a palavra “documentação” assumiu, com o passar do tempo, quatro significados diferentes:

9 Instrumento histórico – como meio de “prova”;

9 Trabalho (processo) – que necessitou de uma formalização para o ensino de técnicas apropriadas nas escolas de documentação;

9 Profissão – com uma atitude intelectual específica;

9 Disciplina científica – cria-se um “saber” que inspira as práticas documentais.

No intuito de apreendermos de forma mais detalhada a proposta de Otlet para o delineamento de seu Traité, torna-se necessário configurarmos a relação entre a influência do pensamento positivista e os matizes científicos que contornaram disciplinarmente a Documentação e que possibilitaram a sua estruturação com características particulares.

Antes disso, vale dizer que Otlet até hoje é lembrado por suas convicções políticas e ideológicas e pela defesa de suas idéias universalistas. Ele soube expressar em seu trabalho, de forma singular, os anseios sociais relativos à acessibilidade de grande quantidade de conhecimentos documentais. Vivendo num período marcado por guerras, ele acreditava que somente através da circulação do conhecimento acumulado documentalmente e da garantia de acesso do mesmo é que a humanidade alcançaria a tão sonhada “paz mundial”.

Naquele conturbado momento, a ciência necessitava de condições objetivas para o seu desenvolvimento e Otlet pautou o seu trabalho na crença de que o potencial científico, direcionado então para fins bélicos, pudesse ser convertido para a disseminação da paz entre os povos. Essa seria a utopia de Otlet. (BLANQUET, 1993, p.199).

Como vimos, essas idéias foram sintetizadas em seu Traité. O contexto institucional foi importante para o desenvolvimento intelectual de Otlet, que se apoiou, muitas vezes, em grande carga empírica, ou seja, buscou observar empiricamente os problemas informacionais que o circundavam.

Visando conferir um caráter abrangente às suas observações ao propor a resolução de tais problemas em um âmbito internacional, Otlet e seu amigo La Fontaine criaram, em 1892, a Oficina Internacional de Bibliografia (OIB) e, em 1895, o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB), no mesmo período da I Conferência Internacional de Bibliografia. Não obstante, no ano da décima Conferência, em 1931, o IIB foi transformado no Instituto Internacional de Documentação (IID), mudança essa significativa, pois tal denominação abrangia o estudo de todas as formas documentais e não somente daquelas bibliográficas. Portanto, essa foi a primeira vez que a palavra “documentação” apareceu no contexto de uma organização institucional internacional não-governamental. Mais tarde, o IID foi transformado na Federação Internacional de Documentação (FID), que foi rebatizada, em 1988, como

Federação Internacional de Informação e Documentação (FIID). (BLANQUET, 1993, p.199- 200).

Conforme defendia Otlet, a independência dos povos em escala mundial resultaria não de atitudes personalistas, e sim de um “determinismo sociológico”. Segundo esse autor, a Liga das Nações (League of Nations)160 não iria terminar com os conflitos mundiais ora em curso. Influenciado pelo pensamento positivista, Otlet concebia a Documentação como um corpo biológico,161 passível de ser dividido em diferentes partes (“órgãos” ou “membros” deste corpo). (RIEUSSET-LEMARI, 1997, p.302).

No entender de Otlet, as iniciativas deliberadas pela Liga das Nações para conquistar a paz mundial caminhavam em direção ao fracasso, principalmente porque ele compreendia que as questões do seu tempo não poderiam ser resolvidas eficientemente “[...] se elas não estivessem baseadas em uma organização racional da informação numa escala internacional.” (tradução livre). Essa foi a premissa que o levou a propor a criação do “Mundaneum”. Portanto, Otlet, mesmo não desconsiderando a atuação da Liga das Nações, necessária para a busca da paz, entendia que esta, sozinha, não era suficiente para conquistar tal propósito. (RIEUSSET-LEMARI, 1997, p.302).

160 A Liga das Nações “[...] foi uma organização internacional criada em abril de 1919, quando a Conferência de

Paz de Paris adotou seu pacto fundador, posteriormente inscrito em todos os tratados de paz. Ainda durante a Primeira Guerra Mundial, a idéia de criar um organismo destinado à preservação da paz e à resolução dos conflitos internacionais por meio da mediação e do arbitramento já havia sido defendida por alguns estadistas, especialmente o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson. Contudo, a recusa do Congresso norte- americano em ratificar o Tratado de Versalhes acabou impedindo que os Estados Unidos se tornassem membro do novo organismo. A Liga possuía uma Secretaria Geral permanente, sediada em Genebra, e era composta de uma Assembléia Geral e um Conselho Executivo. A Assembléia Geral reunia, uma vez por ano, representantes de todos os países membros da organização, cada qual com direito a um voto. Já o Conselho, principal órgão político e decisório, era composto de membros permanentes (Grã-Bretanha, França, Itália, Japão e, posteriormente, Alemanha e União Soviética) e não-permanentes, estes últimos escolhidos pela Assembléia Geral. Não possuindo forças armadas próprias, o poder de coerção da Liga das Nações baseava-se apenas em sanções econômicas e militares. Sua atuação foi bem-sucedida no arbitramento de disputas nos Bálcãs e na América Latina, na assistência econômica e na proteção a refugiados, na supervisão do sistema de mandatos coloniais e na administração de territórios livres como a cidade de Dantzig. Mas ela se revelou impotente para bloquear a invasão japonesa da Manchúria (1931), a agressão italiana à Etiópia (1935) e o ataque russo à Finlândia (1939). Em abril de 1946, o organismo se autodissolveu, transferindo as responsabilidades que ainda mantinha para a recém-criada Organização das Nações Unidas, a ONU.” (ERA VARGAS, 1997).

161 Buscando ilustrar tal metáfora, encontramos referência em Sennet (1997), que disserta sobre a imagem

realizada pelo filósofo medieval João de Salisbury, que, no ano de 1159, comparou o “corpo biológico” ao “corpo político” ao dizer que o “estado (res publica) é um corpo político”. Segundo afirma Sennet (1997, p.22), “João de Salisbury escreveu como cientista e, desvendando o funcionamento do cérebro, acreditava poder ensinar aos reis a arte de legislar. Os objetivos da Sociobiologia moderna e da ciência medieval não se distanciaram muito na medida em que ainda se pesquisa como a sociedade deveria funcionar sob as determinações da natureza. O conceito de corpo político, tanto na concepção medieval como na moderna,