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1 FÉ E RAZÃO

1.4 A DIMENSÃO HUMANA E RELIGIOSA DA FÉ

Por ser o termo religião bastante controverso, adotamos especificamente a concepção Tillichiana de preocupação suprema, de substância, fundamento e profundidade da vida espiritual humana. Visto que “A religião é um dos aspectos do espírito humano10”. Olha, isso

significa que na dimensão espiritual o ser humano pode manifestar a perspectiva religiosa da fé. Mas qual seria esta perspectiva? “É o que parte das profundezas de nossa vida espiritual11”. Sendo esta profundidade a que permeia todas as outras dimensões. Eis o lugar da religião!

O homem é um ser que na sua finitude, diferente dos outros seres vivos, busca o infinito. Enquanto busca transcendente, privilegia o enfoque espiritual, mas também tem consciência de suas dimensões psicofísicas com pleno conhecimento da sua importância e de que são estruturas indissociáveis do ser.

A experiência humana é uma vivência relacional com o mundo e com o outro indivíduo – intersubjetiva; e também subjetiva. O projeto de vida de cada ser humano, orientado por valores, gera a consciência de: necessidades – físicas, psíquicas e socioculturais que podem ser receptivas ou expressivas; e limitação – representada como fragmentação, finitude e vazio existencial, caracterizado pelo ser de busca, porque ser inacabado. Croatto (2001, p.42) confirma que:

Em tudo o que deseja e faz, o ser humano manifesta que não é um ser pleno: deve crescer biologicamente, aprender intelectualmente, preparar-se para tudo, buscar metas, melhorar a saúde, aspirar a uma vida melhor, reiniciar uma e outra vez caminhos novos; ainda na véspera da morte, sente que tem de fazer algo para ser o que ainda não é. É um ser que está sempre em busca. Essa é uma característica fundamental do ser humano12.

No entanto, a vocação do homem é ser completo, por isso a inclinação à totalidade e a busca de sentido não somente na vida, mas sentido da vida. Na sua realização a razão transcende os limites de sua finitude e se abre à experiência do sagrado. Neste contexto,

A religião revela a profundidade da vida espiritual, encoberta, em geral, pela poeira de nossa vida cotidiana e pelo barulho de nosso trabalho secular. Dá-

10 TILLICH, Paul. Teologia da Cultura, São Paulo: Fonte Editorial, 2009, p.42. 11 Ibid.

nos a experiência do sagrado, intangível, tremendamente inspirador, significado total e fonte de coragem suprema (TILLICH, 2009, p.45.)13 Desta forma, o homem religioso se relaciona com o sagrado e vivencia suas espiritualidades.

O verdadeiro lugar da religião é na profundidade da vida espiritual humana. “Pois a religião e o mundo secular estão no mesmo barco. Não deveriam andar separados, pois tal separação é apenas ocasional” (TILLICH, 2009, p.46).

Na concepção tillichiana, a religião como preocupação suprema, manifesta-se em todas as funções criativas do espírito:

1. Na esfera moral como exigência de seriedade incondicional; 2. No domínio do conhecimento que busca a realidade suprema; 3. Na função estética como expressão do significado absoluto.

Então, por que será que a humanidade tem colocado a religião separada das outras atividades? Tillich diz que [...] “por causa da trágica alienação da vida espiritual em face de seu fundamento e profundidade” (2009, p.45). Pois diversas foram e ainda são as funções espirituais da religião. Na moral, a religião foi silenciada ou tida como perigosa; Na cognitiva, subordinou-se ao conhecimento puro; Na estética, a religião hesitou para não correr o risco de se dissolver na arte; No sentimento, na subjetividade sentimental, a religião morre, pois “[...] perde a seriedade, a verdade e seu significado supremo” (TILLICH, 2009, p.44). Finalmente, a religião percebe que “[...] seu lugar próprio em todos os lugares, principalmente nas profundezas das funções da vida espiritual humana” (TILLICH, 2009, p.44). A religião é a dimensão da profundidade em todas as funções espirituais. “É o aspecto dessa profundidade na totalidade do espírito humano” (TILLICH, 2009, p.44).

O homem religioso participa do aspecto subjetivo que diz respeito ao íntimo da pessoa e do aspecto objetivo que expressa o divino através dos símbolos. A espiritualidade consiste na relação harmoniosa destes aspectos e experiência das qualidades específicas do espírito humano. Pois, “O termo ‘espiritualidade’ designa toda vivência que pode produzir mudança profunda no interior do homem e o leva à integração pessoal e à integração com outros homens” (GIOVANETTI, 2005, p.137). Segundo Paiva (2011) a palavra espiritualidade é de origem eclesiástica latina, derivada da palavra espírito e foi forjada pela Igreja em referência ao Espírito Santo.

13 TILLICH, 2009, p.45.

Inicialmente a palavra espiritualidade não se distinguia de religiosidade cristã. Constituindo-se formas específicas de vivência religiosa e busca de Deus nas diversas religiões.

No iluminismo, século XVIII, a espiritualidade ganhou outra referência, passou a designar o espírito humano, ou seja, o ideal universal e a vida racional do homem.

Os iluministas lutaram pela libertação da servidão feudal consagrada pela religião, e pela justiça para todo ser humano individual. Sua fé era fé humanística, suas formas de expressão eram mais seculares do que religiosas. Mas tratava-se de fé, e não de intuição científica, se bem que eles acreditavam no poder superior da razão, conjugada com justiça e verdade (TILLICH, 1985, p.47).

Atualmente a espiritualidade, assim como a religião, tornou-se um tema bastante controverso. Apesar de ter surgido com denotação religiosa, ainda que insipiente, é também compreendida como oposição à instituição e legalismo religioso quando apenas entende a criatividade, afetividade, liberdade do indivíduo na construção pessoal e a conexão sistêmica dos grupos destituída da busca de Deus.

Sendo assim, essa relação espiritual é essencialmente humana e conduz o homem à forma mais profunda de sua existência, porquanto é uma relação de autoconhecimento, relação com o outro, com o mundo e a possibilidade de relação com o Transcendente. “Mesmo que a finalidade da vivência religiosa seja transcendente, trata-se de uma experiência humana, própria do ser humano e condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histórico e cultural” (CROATTO, 2001, p. 41). A espiritualidade não é a dimensão humana, mas a vivência e experiência humana do mundo profano e do mundo sagrado.

O estudo à luz das Ciências humanas, mais especificamente das Ciências das religiões que dialoga com múltiplos saberes de forma a favorecer a reflexão e a compreensão da fé e da espiritualidade, a partir do fenômeno religioso e das experiências religiosas, do ponto de vista das necessidades da existência humana.