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A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA PERSPECTIVA DO ESPAÇO

CAPÍTULO 1 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SIMBOLIZAÇÃO DO

1.2 A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA PERSPECTIVA DO ESPAÇO

Os fatos não são apenas materiais, mas também simbólicos e estão ligados às práticas sociais. Bourdieu (1989) afirma que os ‘sistemas simbólicos’, como a arte, a religião e a língua são estruturas estruturantes. No entanto, os símbolos para Bourdieu são:

instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social [...] (BOURDIEU, 1989, p.10).

A dimensão simbólica objetiva “[...] apreender estruturas e mecanismos que [...] escapam tanto ao olhar nativo quanto ao olhar estrangeiro, tais como os princípios de construção do espaço social ou os mecanismos de reprodução desse espaço (BOURDIEU, 1997, p. 15).” Portanto, a noção de espaço, para o autor, expressa o “conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento (BORUDIEU, 1997, p. 18).” O que demonstra o quanto a ideia de diferenciação está presente na noção de espaço. O espaço social é construído por duas dimensões de diferenciação que os próprios indivíduos e grupos se organizam: o capital econômico e o capital cultural. “As

diferenças nas práticas, nos bens possuídos, nas opiniões expressas tornam-se diferenças simbólicas e constituem uma verdadeira linguagem (BOURDIEU, 1997, p.22)”. Portanto, as diferenças funcionam “como diferenças constitutivas de sistemas simbólicos (Ibidem, p.22)”.

Existe “um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer (BOURDIEU, 1997, p. 27)”. Dito isso, fica implícito que existe um mundo social onde “os agentes sociais têm a fazer, a construir, individual e, sobretudo coletivamente, [...] (Ibidem, p.27).” O autor vai mais longe e afirma que “o espaço social é a realidade primeira e última já que comanda até as representações que os agentes sociais podem ter dele (Ibidem, p.27).”

Com isso cabe indagar: que efeitos simbólicos, como os provocados por representações sociais da moradia e da natureza relacionam-se à prática? O universo simbólico de uma cidade, para De Alba (2006), é resultante do imaginário que se alimenta das experiências direta do espaço, assim como de outras representações provenientes dos meios de comunicação e de uma ampla gama de discursos sociais e políticos.

Porém, as representações da cidade, ainda de acordo com De Alba, não são somente construções simbólicas individuais, mas formas de pensamento social que se nutrem de diversas fontes, entre elas: as experiências passadas e presentes, costumes, crenças, imprensa escrita, na mídia em geral e outros. Por isso, Moscovici (1978), afirma que o homem constrói representações para entender o mundo de hoje.

Assim sendo, as funções das representações que cabe destacar na pesquisa é a orientação de condutas, decisões e ações que serão importantes tanto para o planejamento e gestão da cidade, como para o cotidiano dos moradores. As representações, no entanto, são dinâmicas. Isso se dá porque elas se criam e recriam ao longo do tempo com novas experiências, novos conhecimentos, com novas ideias, recordações, sensações, criatividade e uma infinidade de possibilidades que o imaginário permite.

A relação entre materialidade e subjetividade aparece como elo fundamental na pesquisa. A moradia e a natureza, enquanto fenômenos sociais complexos, suscitam representações que, para serem compreendidas, remetem a condutas e práticas humanas que lhes dão suporte e conferem sentidos, em conjunto com os sistemas simbólicos. Devem, então, ser compreendidas como inerentes ao sujeito, que reúne ideologias e crenças em representações sociais.

Os elementos da realidade simbólica, em estudo, estão relacionados, por um lado, à contradição – conflitos e dilemas da regularização dos loteamentos irregulares – e, por outro lado, a necessidade de proteção da natureza. Desvelar as representações sociais da população de baixa renda passa por essa ideia de diferenciação de Bourdieu (1997).

Nesse sentido, a representação social também busca relacionar os diferentes aspectos do ambiente, invocando a dimensão social, para alcançar uma visão unificada do ambiente como objeto científico, de acordo com Jodelet (1989). Considera-se que a dimensão simbólica e cultural, assim como as ideologias e as experiências cotidianas, representa importante indício para a compreensão do ambiente. Ou seja, para a representação ser social é necessário que suas características sejam comuns a um grupo. Isto significa que o sujeito deve ser entendido como pertencente a um grupo social e o objeto como conceitos, ideias e vivências que são comuns ao grupo.

A autora considera a dimensão subjetiva e material como imprescindíveis para a análise do ambiente, a qual denomina de “sociofísico”, ou seja, “[...] como un producto material y

simbólico de la acción humana cuyo aspecto social está situado en términos de significaciones” (JODELET, 1989, p. 32).

Portanto, a representação social é constituída em um processo que envolve sujeito e o contexto social de suas experiências. Assim sendo, o espaço em que se insere o sujeito é compreendido como um suporte de indicadores simbólicos, de crenças e de expectativas da população, o que proporciona estudar o seu simbolismo como uma representação social (RAYMOND & HAUMONT apud JODELET, 1989). As formas espaciais, quando são utilizadas as representações sociais, seriam projeções espaciais de estruturas internalizadas, materializadas como representações sócio-espaciais.

Pensar em práticas sócio-espaciais é pensar em um espaço social, ou seja, produzido socialmente, como resultado de experiências cotidianas e passadas “[...] que reflejan uma

relación social poniendo em juego los processos cognitivos y afectivos, que em el plano individual o coletivo, están ligadas al compromisso estructural y a la identidad de los sujetos” (JODELET, 1989, p. 36).

A preocupação com a esfera simbólica é destacada por vários autores contemporâneos das ciências humanas. Uma unanimidade é a necessidade de buscar respostas aos fenômenos na subjetividade do homem, pois muitas vezes os fenômenos são considerados apenas os processos externos e não os movimentos internos dos sujeitos. Moscovici (1978, p. 47),

aponta para a lacuna existente na forma como tem sido analisado o fenômeno simbólico, destacando a maneira insatisfatória apresentada nas abordagens.

Assim, a teoria das representações sociais lança novas bases para a compreensão da realidade, na medida em que não existe heterogeneidade entre o objeto e o sujeito, entre o externo e o interno. Por isso:

Quando falamos de representações sociais, partimos geralmente de outras premissas. Em primeiro lugar, consideramos que não existe um corte dado entre o universo exterior e o universo do indivíduo (ou do grupo), que o sujeito e o objeto não são absolutamente heterogêneos em seu campo comum. O objeto está inscrito num contexto ativo, dinâmico, pois que é parcialmente concebido pela pessoa ou a coletividade como prolongamento de seu comportamento e só existe para eles enquanto função dos meios e dos métodos que permitem conhecê-lo (MOSCOVICI, 1978, p. 48).

A noção de representações sociais tem na análise do sujeito, nos processos internalizados a chave para se atingir o conhecimento das ações que se impregnam de valores e que se transformam em atitudes e em comportamentos. Entende-se que a partir do movimento e internalização configuram-se práticas que refletem valores subjetivos, direção em que aponta Peluso. Para ela, quando são:

Interiorizadas as formas espaciais que as relações sociais adquirem, os sujeitos dotam-nas de símbolos e significados, localizam-se nelas, tomam decisões, submetem-se, ou não, ao poder, alienam-se e exercem, na expressão de HELLER (1992) sua genericidade e sua particularidade (PELUSO, 1998, p.4).

Observa-se que as práticas não estão desligadas dos sujeitos, tendo por seu intermédio a produção de comportamentos, de ações que correspondem a um estímulo dado, configurado pela realidade cotidiana que se impregna de valores que refletem o modo de ver e pensar de cada indivíduo. Assim, na representação social estabelece-se uma dinâmica que envolve o sujeito, o espaço e o contexto sociocultural em que está inserido.

Os elementos simbólicos e dinâmicos da moradia e da natureza adquirem grande importância ao considerar o fenômeno da ocupação do espaço por moradias em áreas caracteristicamente protegidas ambientalmente e habitadas por uma população de baixa renda. Estes elementos do processo de ocupação urbana encontram expressão significativa na realidade social da população de baixa renda e vão ao encontro do conflito sócio-ambiental.

Assim, os grupos sociais elaboram, a partir de suas práticas e/ou ações, um sistema de ações decorrentes das representações sociais para lidar com situações complexas que funcionam como um sistema de referências, dando sentido às condutas e possibilitando a compreensão da realidade social.

Por sua vez, o conflito sócio-ambiental existe num contexto e se efetiva na relação com o outro. Trata-se, portanto, de uma interação entre indivíduos situados em dada estrutura social ocupando papéis sociais e orientados por valores que modelam as possibilidades de interação.

CAPÍTULO 2 – O CAMPO REPRESENTACIONAL: MORADIA E