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A dimensão subjetiva na análise da Representação Política

A representação política é uma temática de estudos pertinente às Ciências

Políticas e Sociais, entre outras áreas do conhecimento e, como tal, comporta diversas

abordagens. Aqui nos interessa explicitar duas linhas de abordagem pelas quais este tema é

comumente tratado buscando entrever os seus limites.

A representação política, segundo Tavares (1994), é uma relação entre o

conjunto de cidadãos que integram uma comunidade política nacional e os seus

representantes, na qual os primeiros autorizam aos últimos a tomar decisões que obrigariam

universalmente a todos. Cotta (1986) define a representação política como um mecanismo

político particular para a realização do controle entre governados e governantes.

Estas concepções de representação política constituem duas principais

correntes de estudo sobre a forma de organização do sistema político: os autores que

adotam a perspectiva sistêmica, presente na definição de Tavares (op. cit.), concebem a

sociedade como um sistema integrado (objetivos e metas comuns) cuja existência é mantida

por relações complementares entre seus vários elementos. Neste sentido, postula-se que há

congruência entre representantes e representados. Numa outra perspectiva - a antagônica –

na qual se insere a definição de Cotta (op. cit.), parte-se da existência de pressões,

resolução parcial e temporária, havendo sempre relações de conflito entre grupos

hegemônicos e grupos subordinados e, por isto, necessidade de controle.

Segundo Pitkin (1985), a partir do modelo sistêmico, a representação

política é conceituada como um ordenamento público e institucionalizado que envolve

muitas pessoas e grupos, operando nos esquemas complexos de ordenamento social de

larga escala. Neste sentido, o que identifica essa representação não é a ação individual

exercida por algum participante, mas a estrutura e funcionamento do sistema como um

todo, isto é, os modelos que emergem das múltiplas atividades de muitas pessoas. Assim,

para a perspectiva sistêmica, o essencial é identificar os componentes, que na estrutura

social e no funcionamento do sistema como um todo, propiciam o estabelecimento de

mecanismos de representatividade política. A abordagem sistêmica, então, enfatiza a

análise da estrutura social como totalidade, enquanto dimensão de análise no estudo da

representação política.

Essa perspectiva sistêmica predomina na discussão a respeito da cultura

política, especialmente sobre a representação política. Nesse debate, observa-se o esforço

em superar o referencial individualista que não faria mais sentido em nossa sociedade

pluralista e cada vez mais complexa. Assim, alguns dos estudos que serão mencionados

buscam situar as instituições representativas dentro dos padrões estruturais e dos fluxos

processuais inerentes aos sistemas políticos das sociedades complexas, ou seja, de

preferência no macrossistema (Campilongo, 1988).

Ao analisar questões pertinentes aos estudos cujo foco dirige-se para o

na sociologia política, provavelmente devido à influência das abordagens formais do conceito de representatividade, é forte a concepção de que a relação de representação desenvolve-se dentro do seguinte esquema: existem demandas ou exigências inerentes aos cidadãos e introduzidas no sistema político (input of demand), que, processadas, recebem uma resposta (output) do sistema representativo. Assim, o sistema representativo é explicado pela constante adequação entre inputs e outputs.

De acordo com o autor, este modelo expressa a perspectiva individualista ao

concentrar-se nas necessidades dos indivíduos. Esta concepção individualista acerca do

fenômeno da representação política é considerada insuficiente na medida em que não leva

em conta o contexto social em que ocorrem as interações sociais, sendo desenvolvido o

modelo de análise input de suporte.

Tal modelo parte da idéia de que “o acesso ao processo decisório é

predeterminado por uma cadeia de reações advindas do ambiente que circundam os

sistemas políticos” (Idem: 26), ou seja, as contraprestações como indicadores de

congruência com o representante. Neste sentido, o enfoque centrado nas variáveis

estruturais – regras de organização dos partidos, legislação eleitoral, grau de

operacionalidade da tripartição dos poderes, elenco de direitos sociais e políticos

assegurados na Constituição - é deslocado para o exame das variáveis ambientais que

influem na definição das políticas públicas (Idem).

A este respeito, Luhmann (1980) ressaltou o fato de que as funções

representativas abrangem apenas uma parte do sistema político, pois as políticas adotadas

nas instituições representativas já foram filtradas, selecionadas e definidas em outros

modelo anteriormente citado (input de demanda) inadequado, pois o mesmo não percebe

que as alternativas das relações representante-representados são, muitas vezes, formuladas

fora dos vínculos institucionais.

As diversas críticas ao modelo input de demanda são feitas sob o argumento

de que esse modelo explicaria pouco da vida política por não dar atenção a pontos

significativos referentes a esse assunto como, por exemplo, aspectos relativos à cultura

política enquanto dimensão simbólica da realidade, na qual se constituem discursos

ideológicos, crenças, valores desenvolvidos nas relações sociais que consistem a estrutura

social.

Uma outra hipótese foi então explorada pelas abordagens sistêmicas, a qual

procura ver no processo político tanto o “sustento específico” como o “sustento difuso” ou

“apoio simbólico”. O suporte específico focaliza as demandas específicas objetivas que são

apresentadas por um determinado grupo de interesse embora seja insuficiente para explicar

fenômenos políticos como (a) a tolerância dos membros de um sistema político a longos

períodos de frustração na realização de suas exigências; (b) o sacrifício e adiamento de

benefícios conjunturais em nome de vantagens para as futuras gerações; (c) a satisfação

apenas parcial das demandas; (d) a supressão de benefícios antes obtidos; (e) o

planejamento em longo prazo das respostas às exigências específicas (Campilongo, 1988:

27).

Já o modelo de suporte difuso destaca não a satisfação instrumental ou a

resposta a exigências específicas de grupos de interesse e sim a recompensa simbólica que

o processo de constituição de representantes incorpora, ou seja, a dimensão cultural e

subjetiva desse processo. O sistema político, segundo essa perspectiva, seria capaz de obter

A representação política passa a ser interpretada de uma perspectiva dúplice:

de um lado, enfatizando o circuito “representante-representados” em busca do suporte

específico; de outro, examinando um grupo de símbolos de preferência indeterminado – “a

caixa de ressonância dos valores prevalecentes” refletida no suporte difuso.

Como afirma Campilongo, o deslocamento das investigações das

“demandas” para o “suporte” sugere que as respostas a estas questões talvez não residam

nas atitudes, percepções e comportamentos dos representantes diante das exigências dos

representados, mas no suporte conferido por estes àqueles. Segundo o autor, a esse respeito

parece ainda pequena a contribuição de estudos políticos, jurídicos e sociológicos.

Essas considerações sobre representação política apontam para a

importância de um enfoque multidisciplinar dos processos relativos ao campo das relações

políticas, que contemple tanto as estruturas formais que compõem o sistema político que

configuram a dimensão objetiva e sociológica, quanto os processos subjetivos produzidos e

produtores de relações sociais que configuram a dimensão psicossociológica como um

aspecto importante na análise da representatividade política e a constituição de suas normas

e regras. Desse modo, queremos ressaltar que estudos que enfocam a representatividade

política de um prisma exclusivamente normativo-estrutural deixam de perceber um

significativo fluxo de dados subjetivos que subjazem à fronteira formal, como a construção

de representações e identidades sociais que se entrelaçam aos aspectos formais do jogo

político.

Adotamos, portanto, a perspectiva interdisciplinar por considerá-la

enriquecedora para as discussões no campo das Ciências Sociais, hoje. Assim, reunimos

elementos teóricos e metodológicos da Ciência Política, Sociologia e Psicologia Social na

como unidade de análise o Orçamento Participativo. Nesta abordagem levamos em conta a

interação entre os aspectos objetivos (sociológicos) e os aspectos subjetivos

(psicossociológicos) de uma experiência de democracia participativa (ou direta).