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1 A direção de um trabalho psicanalítico na instituição

Capítulo III Sobre uma direção de trabalho institucional com psicóticos

III. 1 A direção de um trabalho psicanalítico na instituição

Vamos nos dedicar a pensar sobre um trabalho analítico que acontece num contexto diferente daquele do qual foi historicamente originário, a saber, o consultório. Quanto a isso, podemos inclusive encontrar nos escritos de Freud sua posição que vem de encontro neste ponto mesmo em que tentamos avançar.

Em “Sobre a psicoterapia”, Freud afirma: “Não considero nada impossível que, mediante uma modificação apropriada do método, possamos superar essa contra- indicação e assim empreender a psicoterapia das psicoses”125.

E, também, em “Linhas de progresso na terapia psicanalítica”, Freud faz alusão a possibilidade de mudanças no método psicanalítico e nos diz: “Defrontar-nos- emos, então, com a tarefa de adaptar a nossa técnica às novas condições. (...) “No entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa”126.

É preciso enfatizar que estamos nos referindo à mudança no método e não aos

princípios. Desta forma sustentamos que o trabalho psicanalítico pode operar para além dos consultórios.

125

FREUD, S. - (1905 [1904]) Sobre a psicoterapia in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 250.

126

FREUD, S. - (1919 [1918]) Linhas de progresso na terapia psicanalítica in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.181.

Gostaria de destacar, especificamente, duas instituições brasileiras para pensar sobre a direção de trabalho em cada uma delas: o Núcleo de Atenção Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP) e o Centro de Atenção Psicossocial Infanto- juvenil (CAPSi) Pequeno Hans.

A escolha por estas duas instituições está vinculada aos seus lugares na história da assistência em saúde mental para crianças ou para crianças e adolescentes. O NAICAP foi uma iniciativa do Ministério da Saúde e, por muito tempo, se constituiu como único serviço para atendimento às crianças com grave sofrimento psíquico. O CAPSi Pequeno Hans foi o primeiro serviço infanto-juvenil extra-hospitalar e de base territorial também no Estado do Rio de Janeiro.

O Núcleo de Atenção Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP)127 foi uma iniciativa do Ministério da Saúde no estado do Rio de Janeiro e funcionava desde final da década de 80 no Instituto Municipal Philippe Pinel. O NAICAP surgiu como um Hospital-Dia, sendo naquele momento, o único dispositivo assistencial diferente do ambulatório e da internação. Tinha como mandato social atender todo o estado do Rio do Janeiro exatamente porque não havia, naquele momento, a formulação da política de CAPS com base territorial.

Em meados de 2004 houve uma junção dos dois serviços existentes no Instituto Municipal Philippe Pinel, o Centro de Orientação Infanto-juvenil (COIJ) e o Núcleo de Atenção Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP), sob a nova denominação de Núcleo Infanto-Juvenil (NIJ).

O trabalho que foi desenvolvido no NAICAP seguiu a orientação cuja terminologia francesa é “pratique à plusiers”. Significante escolhido por Jacques- Alain Miller para se referir ao que lhe foi proposto como tema para as terceiras Jornadas da Rede Internacional de Instituição Infantil, que ocorreram em Bruxelas, em 1996. Remete a fundação em 1974, por Antonio Di Ciaccia, de L’Antenne 110, instituição que acolhe crianças psicóticas e neuróticas graves na Bélgica, cuja direção do tratamento segue uma orientação psicanalítica.

Então, além de l’Antenne, Le Courtil também na Bélgica, Nonette, na França, e uma quarta, Mish’olim, de Tel-Aviv, acolhem crianças, adolescentes e jovens

127

Para obter maiores informações históricas sobre o NAICAP, remetemos o leitor a seguinte bibliografia: RIBEIRO, J. M. – O percurso de um trabalho em instituição orientado pela psicanálise.

in MONTEIRO, K. & RIBEIRO, J. (orgs.) Autismo e psicose na criança: trajetórias clínicas. Rio de

adultos, psicóticos e neuróticos graves com uma direção de tratamento orientada pela psicanálise. Estas são algumas das instituições que compõem a Rede Internacional de Instituições Infantis do Campo Freudiano. É preciso dizer que esta Rede Internacional está se ampliando e neste momento outras instituições também dela fazem parte.

Este trabalho cujo termo em francês é “pratique à plusiers”, e que por ora traduziremos por uma “prática entre vários”, apresenta em sua baliza três coordenadas: o tratamento do Outro, a pluralização dos parceiros na clínica institucional e o remanejamento de saber128.

O “Tratamento do Outro”, termo cunhado por Alfredo Zenoni,129 refere-se a uma direção de trabalho que o sujeito psicótico já realiza para tratar seu Outro sem lei.

A partir de uma pontuação de Jacques-Alain Miller, podemos fazer uma equivalência entre o estatuto do Outro na psicose e a doença mental: “A doença mental é (...) a doença do Outro não barrado”130.

O “Tratamento do Outro” significa dizer que o tratamento visa o Outro. Toda a empreitada do sujeito psicótico será no sentido de trabalhar para regular o seu Outro louco. Trabalho árduo e constante do qual o sujeito se empenha em realizar. Assim, podemos estabelecer uma possível direção do tratamento em que cada um da equipe se coloca como parceiro no “tratamento do Outro” do sujeito psicótico. Para isso é preciso se submeter às certas exigências do sujeito. Virginio Baïo em seu texto intitulado “As condições do Outro e a Ancoragem”131, coloca que devemos saber que há um trabalho realizado pelo sujeito para barrar o seu Outro louco, sendo esta uma das condições para que o psicótico possa nos aceitar como parceiros.132

É preciso enfatizar que tratamento do Outro não é tratar os pais, nem os

membros da família, e sim, se colocar como parceiro do sujeito psicótico, num trabalho que ele próprio já iniciou para descompletar seu Outro louco.

128

BASTOS, A. - Medicação e tratamento psicanalítico do autismo. in Pulsional: Revista de Psicanálise: Tratamento do Autismo. São Paulo: ano XVI, n° 173, set, 2003.

129

ZENONI, A. - Traitement de l´Autre. in: Preliminaire. n° 03. 1991. & ZENONI, A. - Psicanálise e Instituição: a segunda clínica de Lacan. Revista de Saúde Mental do Instituto Raul Soares – Abrecampos - Rede FHEMIG - Belo Horizonte, MG - Ano 1 – v. 1 - n° 0 - 2000.

130

MILLER, J-A. - (1977). Lições sobre a apresentação de doentes in Matemas I. Campo Freudiano no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 149.

131

BAÏO, Virginio. Lês conditions de l’Autre et l’ancrage in: Les Feuillets du Courtil - Point d’ancrage, la création des repères subjectifs en institution. Belgique, nº 18/19, 2000.

132

São duas as condições apontadas pelo autor e a segunda que será abordada mais adiante e consiste numa certa posição frente ao saber que o situe do lado do sujeito psicótico.

A pluralização de parceiros na clínica é o mesmo que dizer que colocamo-nos entre muitos para que o sujeito encontre parceiros. Percebemos que quando estamos entre vários, o olhar e a voz, signos da presença do Outro, parecem não se caracterizar tão invasivos, como quando numa situação de atendimento individualizado.

É preciso estar em determinadas condições que possibilitem que possamos vir a

ocupar o lugar de parceiros para o sujeito psicótico. Quanto a isso é possível verificar que quando estamos “atentamente distraídos”133, ou mesmo numa “presença/ausente”134 ou ainda “subtraídos de uma posição demandante” é o que

possibilita que o trabalho aconteça.

A pluralização dos parceiros pode se apresentar de duas maneiras. Uma delas consiste numa presença, no real, de outros técnicos e outras crianças e outros adolescentes. Mas esta não é a única modalidade. É possível que a presença de um terceiro, que não o analista ou a criança e o adolescente, compareça não no real da cena, mas no discurso do analista. Exemplificando, quando numa dada situação o que comparece é uma relação dual em que o Outro se apresenta como caprichoso, há que se convocar um terceiro para fazer um trabalho de regulação. Sobre isso tão bem formula Zenoni quando afirma o seguinte: “(...) nós não estamos lá para fazer respeitar a lei, mas para presentificar um Outro que respeita a lei e está, ele mesmo submetido à lei (...)”.135

Reconhecendo nas elaborações do sujeito um trabalho para tratar seu Outro louco, estratégias são construídas a partir de uma organização institucional para que se possa ocupar esse lugar de se incluir como parceiro num trabalho que o psicótico já realiza para barrar seu Outro desregrado. Estamos, assim, nos submetendo às exigências de trabalho nas construções do psicótico, porque será ele quem indicará o caminho do tratamento, assim o saber está do lado do sujeito.

133

BAIO, V. - O ato a partir de muitos. in Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP-MG, n° 13, set. 1999. p. 66-73.

134

LAMY, Maria Inês. Presença/Ausência do Analista: apresentação de um caso de autismo in: Caderno da XI Jornada Clínica da EBP – Seção Rio – “O Encontro analítico: da sessão ao discurso” (dez 2000/ PUC-RJ).

135

ZENONI, A. Psicanálise e Instituição: a segunda clínica de Lacan. Revista de Saúde Mental do Instituto Raul Soares – Abrecampos - Rede FHEMIG - Belo Horizonte, MG - Ano 1 – v. 1 - n° 0 - 2000. p.24.

Virginio Baio, no seu texto intitulado “As condições do Outro e a Ancoragem”136, coloca que é preciso saber-não-saber, o que equivale dizer que o saber está do lado do sujeito psicótico. Esta seria para este autor a outra condição para que o sujeito psicótico nos aceite como seu parceiro.137 Isto não se refere a uma certa posição de humildade frente ao saber. É de outra coisa que se trata. Afirmar que o saber está do lado do psicótico, implica em afirmar que nos cabe a tarefa de acompanhá-lo em suas construções, por isso reforçamos a idéia de que sejamos seus parceiros nesta empreitada. É ele quem nos guiará no decorrer do caminho.

A posição de aprendizagem, a posição de “alunos da clínica”, como se refere Zenoni, remete a afirmação de que o saber está do lado do sujeito. Não há um da equipe que saiba sobre o sujeito. E assim, a direção do trabalho é orientada pelo sujeito e não por um saber prévio acerca da especialidade do clínico.

Ao que estamos abordando como remanejamento de saber, Stevens nomeará de desespecialização138. Assim o psicanalista na instituição não seria o especialista do sujeito ou do gozo. O trabalho passa por todos que trabalham na instituição a partir daquilo que cada um dará como um testemunho de seu trabalho com uma determinada criança ou adolescente. Mas cada um falará não como especialista, não a partir de seu saber, aquele saber que adquiriu na graduação.

Di Ciaccia afirma que este trabalho é caracterizado pelo fato de que “junto à criança, cada um dos adultos não se refere à sua especialidade, mesmo que psicanalítica, mas antes garante, apenas por sua presença, que a ocasião de um encontro seja apreendida”139

Poderíamos indagar: como garantir que a ocasião de um encontro possa de fato ser apreendida? Ou dito de outro modo, como garantir que o lugar de parceiro do psicótico esteja se sustentando? O espaço da Reunião Geral é fundamental para que se verifique, a partir das dificuldades e dos impasses que os casos suscitam, se cada um está se colocando como parceiro. Os impasses não significam fracassos e impotência. É antes de tudo um instrumento de trabalho. É importante que cada

136

BAÏO, Virginio. Lês conditions de l’Autre et l’ancrage in: Les Feuillets du Courtil - Point d’ancrage, la création des repères subjectifs en institution. Belgique, nº 18/19, 2000.

137

Já abordamos uma outra condição para que o sujeito psicótico possa nos aceitar como parceiros, que é o reconhecimento de seu trabalho para barrar seu Outro louco.

138

STEVENS, A. - A instituição: prática do ato. in Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Ano 10. N. 4 (ago/set). Rio de Janeiro. 2003. p. 18.

139

Di Ciaccia, A. Inventar a psicanálise na instituição. in Os usos da psicanálise. Primeiro encontro americano do Campo Freudiano. Rio de Janeiro: Contra Capa set/ 2003. p. 37.

técnico possa transmitir para os outros integrantes da equipe o que se passa entre ele e cada criança ou adolescente, para que a partir das dificuldades surgidas com cada um possa se realizar a construção coletiva do caso, extraindo sua lógica. Assim é elaborada uma direção de tratamento para cada sujeito.

“Por um lado, visa-se, assim, extrair daí a lógica em questão e, por outro

lado, tem-se a perspectiva de calcular a estratégia a partir da qual responder, para que o sujeito realize seu ato, produzindo-se como sujeito; isso acontece na perspectiva de nos manter a todos, rigorosamente, na mesma orientação estratégica, mas deixando cada um com sua liberdade tática140.

Mais adiante, no mesmo texto, o autor afirma que: “(...) para além do estilo e das manobras de cada um, [todos se prestam] à mesma política: o ato do sujeito e o tratamento do gozo”141. Temos então uma coordenada que é para todos da equipe, sendo que o manejo é singular, para cada técnico.

O trabalho da equipe consistirá em dizer não ao gozo invasor do sujeito psicótico e compartilhar de seu trabalho naquilo que ele já realiza para esvaziar seu Outro sem lei. “A função da reunião geral não visa tratar a equipe, mas serve para que esta última possa se manter na posição de um Outro regulado, ou seja, de um Outro que sabe-não-saber”.142

O que é transmitido na reunião é o trabalho que o psicótico realiza, permitindo com isso que se verifique o que cada um da equipe aprendeu com ele. A reunião geral como lugar onde se verifica se o sujeito psicótico está em trabalho e se os técnicos da equipe se encontram nas condições que irá permitir o ato do sujeito psicótico.

Fazer circular a palavra entre os técnicos da equipe nas reuniões impede que um desses técnicos possa se colocar como único que sabe sobre a direção do tratamento do caso, mantendo um lugar vazio de saber, ou mesmo como o único parceiro do sujeito. Um saber-não-saber e trabalhar a partir do que não se sabe, pois cabe ao sujeito construir seu próprio saber.

140

BAIO, V. - O ato a partir de muitos. in Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP-MG, n° 13, set. 1999. p. 67.

141

Idem, Ibidem. p. 72.

142

Apresentamos as balizas de um trabalho marcado por uma terminologia francesa: “pratique à plusiers”. É preciso destacar que esta nomenclatura recebe algumas traduções como “prática feita por muitos”, “prática de/entre muitos”,

“prática de/entre vários”. Fizemos a opção pela versão traduzida por “prática entre

vários” em consonância com alguns psicanalistas brasileiros. É assim que Ana Cristina Figueiredo, Andréa Guerra e Doris Diogo afirmam: “Optamos pela última versão [a prática entre vários143] porque consideramos que se trata de uma prática que faz trabalhar os “vários” operadores que pluralizam o Outro num movimento

“entre”, nos intervalos da própria operação do significante, mas não constitui

necessariamente “muitos”, já que pode aproximar da idéia de quantitativo”144.

A partir de tudo o que apresentamos podemos afirmar que o trabalho intitulado a “prática entre vários” com suas três coordenadas, o tratamento do Outro, a pluralização dos parceiros na clínica institucional e o remanejamento de saber, constitui uma direção de tratamento para sujeitos psicóticos que leva em conta a posição destes sujeitos diante de seu Outro invasor.

Agora nos dedicaremos a pensar sobre o trabalho numa outra instituição, o Centro de Atenção Psicossocial Pequeno Hans.

Este CAPSi sempre esteve localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Sua inauguração se deu em outubro de 1998 quando já havia sido formulada e instituída uma política pública de saúde mental em que o dispositivo CAPS assumia o papel de organizador e centralizador na rede de cuidados. O CAPSi nasce com uma dupla e simultânea adesão na sua implantação, qual seja, de seguir rigorosamente a direção de uma política pública de saúde mental infanto-juvenil no que se refere à implantação de serviços de base territorial, sem fazer concessão a uma direção de trabalho de princípios teóricos-clínicos da psicanálise.

Situaremos quatro tempos de uma pesquisa145 que traz a marca da escolha por um significante que nomeia o trabalho nesta instituição. São tempos marcados pelo projeto de pesquisa que teve início no ano de 1999 na Universidade do Estado do Rio

143

O que está no interior dos parênteses nós incluímos para esclarecer a citação.

144

DIOGO, D. & Figueiredo, A. & GUERRA, A. A prática entre vários: uma aplicação da

psicanálise ao trabalho em equipe na atenção psicossocial. in BASTOS, A. (org.) Psicanalisar hoje.

Rio de Janeiro: Contra capa Livraria, 2006. p. 123.

145

ELIA, L. - Psicanálise coletiva: as bases científicas da psicanálise e sua aplicação clínica ao campo da saúde mental pública e coletiva. Prociência – Programa de incentivo à produção científica, técnica e artística. UERJ/SR 2/DEPESq-FAPERJ. 2008-2011.

de Janeiro, cujo orientador-pesquisador, o psicanalista Luciano Elia, também acumula a função de supervisor deste CAPSi. Esta explicação nos fornece subsídios para entender o próprio movimento de nomeação de um trabalho que sofreu modificação no decorrer do tempo da pesquisa.

Vejamos como as modificações foram acontecendo. Primeiramente, em 1999, o trabalho foi intitulado de “Clínica-dia como extensão espácio-temporal e estrutural do dispositivo psicanalítico”. Posteriormente, em 2002, houve uma reformulação na nomeação que passou a ser o “dispositivo psicanalítico ampliado na clínica institucional pública do autismo e da psicose infantil”.

Segundo o pesquisador, Luciano Elia, o termo “extensão”, presente na primeira formulação — “clínica-dia como extensão espácio-temporal e estrutural do dispositivo psicanalítico” — poderia remeter a dualidade formalizada por Lacan:

“psicanálise em intensão” e “psicanálise em extensão”. “Psicanálise em intensão”

faria referência ao trabalho analítico como um tratamento que se realiza entre analisante e analista e a “psicanálise em extensão” diria respeito à presentificação da psicanálise no mundo, o que remete ao trabalho de transmissão da psicanálise. A pesquisa não tinha como objetivo a transmissão da psicanálise, mas uma investigação acerca da direção do tratamento dos sujeitos no CAPSi. Desta forma o objetivo não consistia na transmissão da psicanálise no serviço público, o que não estaria ausente, mas não seria prioritário no CAPSi. Portanto não se tratava da extensão da psicanálise, e sim da ampliação do dispositivo psicanalítico.

Já em 2005, o significante escolhido foi “psicanálise com muitos” fazendo alguma interlocução com a terminologia francesa “pratique à plusiers” — citada quando apresentamos o Núcleo de Assistência Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP). Havia, portanto, possíveis aproximações com a terminologia francesa, mas também diferenças. Para Luciano Elia não se tratava de uma aplicabilidade da psicanálise, como os franceses sustentavam, mas sim da psicanálise com todo o seu rigor. É o mesmo que dizer que não seria uma prática psicanaliticamente orientada e sim a psicanálise stricto sensu.

Atualmente, o projeto que iniciou em 2008 recebe outro título: “psicanálise coletiva”. Assim o pesquisador almeja uma aproximação com o campo da Saúde Coletiva.146. Além disso, é importante destacar que Luciano Elia afirma que o sujeito

146

Esta mudança é explicada por Luciano Elia e vale a pena citá-la: “O principal motivo deste direcionamento da pesquisa é o fato de que a tendência dominante no mundo contemporâneo e na

é articulado ao coletivo. Com isso o significante coletivo ganha dupla importância

uma vez que remete à saúde coletiva e ao sujeito do inconsciente.

Para este autor a aproximação com o campo da saúde coletiva se faz importante se levarmos em conta a tendência dominante do mundo que se volta para a pesquisa num campo chamado de medicina do comportamento.

A articulação entre o sujeito do inconsciente e o coletivo é explicado por Luciano Elia ao remeter o significante coletivo ao conjunto de traços, isto é, cadeia significante. Citemos as palavras do autor:

O coletivo, não como grupo ou conjunto de indivíduos, mas como coleção de traços, cadeia de significante, que se distribui em vozes, em outros semelhantes, enfim, entre muitos, é uma dimensão teórica importante para o sujeito do inconsciente. Freud já falava em sobredeterminação como a determinação por múltiplas cadeias, séries de fatores, na impossibilidade de uma determinação do sujeito por uma única série causal.

Essa perspectiva de um coletivo que se opõe do modo mais claro ao grupal (na medida em que o grupal é individual, faz o Um da identidade individual mesmo que com muitas pessoas) tem sido fecunda no trabalho clínico da psicanálise em instituições de saúde mental com crianças e

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