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A disciplina sobre o ensino de Geografia: importância na formação do professor

1.3. Aspectos gerais e importância da disciplina Ensino de Geografia no contexto do

1.3.1 A disciplina sobre o ensino de Geografia: importância na formação do professor

Antes de me dedicar à realização da análise sobre a importância da didática específica da Geografia na formação do professor, resolvi dedicar um espaço para uma questão mais geral: a função das disciplinas voltadas para o ensino dos diferentes componentes curriculares ou as didáticas específicas, nas licenciaturas em Pedagogia frente à reconhecida falta de conhecimentos acerca dos conteúdos específicos por parte dos professores-alunos ou dos futuros professores.

Esta é, sem dúvida, uma temática que está merecendo uma atenção especial por parte dos pesquisadores, pois as licenciaturas em Pedagogia estão sendo implantadas cada vez mais rapidamente por todo o país, em geral com o mesmo formato dual: as disciplinas ligadas à área geral ocupam a maior parte da grade curricular, e o que “sobra” é que fica para as didáticas específicas, dentre elas, a de Geografia. Estas, em geral, são oferecidas o mais próximo possível do final do curso mantendo, de certa forma, o modelo de formação 3+1 adotado no início dos cursos de licenciatura, por volta da década de 30 do século passado e já ultrapassado dado os estudos sobre a aprendizagem da docência e formação profissional. Segundo documento enviado ao CNE pela Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia (CEEP) e Comissão de Especialistas de Formação de Professores (2005), “... se em 2001 tínhamos aproximadamente 500 cursos, hoje temos 1372 Cursos de Pedagogia além de 716 Cursos Normais Superiores20”.

O professor das séries iniciais precisa de uma sólida formação geral em psicologia da aprendizagem, didática, sociologia, história da educação, filosofia etc. Não nego essas necessidades, pelo contrário. Mas e os conteúdos específicos que precisará ensinar nas disciplinas de Geografia, Português, Matemática, História, onde e quando serão aprendidos? Como assinalou Marcelo García (1992, p. 5)

“Quando o professor não possui conhecimentos adequados da estrutura da disciplina que está ensinando, seu ensino se vê afetado em alguns aspectos que a pesquisa já detectou: por exemplo, quando os professores não conhecem a disciplina que ensinam, podem representar erroneamente o conteúdo e a própria natureza da disciplina”21.

Dentre os objetivos gerais da formação de docentes para o ensino infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental consta que a formação inicial e continuada deve garantir condições para que esses professores sejam capazes de:

“... criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações didáticas eficazes para a aprendizagem e para o desenvolvimento dos alunos, utilizando o conhecimento das áreas a serem ensinadas, das temáticas sociais transversais ao currículo escolar, bem como as respectivas didáticas” (BRASIL, 1999, p.83).

Da forma como este texto está escrito parece estar subentendido que o professor já possui “o conhecimento das áreas a serem ensinadas”, competindo, portanto, à formação inicial e continuada, garantirem as condições para que ele desenvolva os tratamentos didáticos do mesmo. Mas não existe forma sem conteúdo! E a questão persiste: onde os professores das séries iniciais aprenderão os conhecimentos das áreas específicas que precisarão ensinar ou que já ensinam? Essa é uma discussão que considero carente de proposições objetivas, ainda hoje.

Em se tratando da Geografia, área que conheço mais de perto, essa aprendizagem do conteúdo específico é fundamental, haja vista que os conhecimentos específicos dos professores-alunos se resumem, na maioria das vezes, naqueles adquiridos como alunos no Ensino Fundamental e Médio. E como é de conhecimento geral, esses conhecimentos são bastante incipientes, inclusive o eram os da própria pesquisadora na época em que lecionava nas séries iniciais e os dos participantes dessa pesquisa, que afirmaram terem dificuldades ou mesmo não saberem vários assuntos: mapa, escala, legenda, conceitos geográficos (território, espaço, natureza

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etc.), localização, orientação etc. Por mais competente que seja o docente da disciplina Didática da Geografia, ele jamais conseguirá trabalhar conteúdos e metodologias do ensino num nível necessário para que os professores-alunos desenvolvam suas atividades com segurança e autonomia, dado o número de horas de que dispõe.

É importante ressaltar que não estou defendendo a aprendizagem dos conteúdos específicos da Geografia (e também das demais áreas) como sendo o grande e único problema da formação dos professores que ensinam nas séries iniciais do Ensino Fundamental, mas como um dos problemas importantes. Parafraseando Callai (2002), a relação teoria-prática na formação do professor de Geografia deve conter a perspectiva pedagógica e científica para que não incorramos no erro do puro “conteudismo” e nem da “capa metodológica” sem conteúdo.

É importante ressaltar, ainda, que ao me referir à aprendizagem dos conteúdos específicos estou abarcando seus componentes substantivo e sintático, ou seja, a aprendizagem dos conteúdos inseridos numa perspectiva teórico-filosófica da Geografia (humanística, marxista, cultural), bem como o (os) paradigma (s) de construção do conhecimento em que está pautada essa concepção (MARCELO GARCÍA, 1999).

Em outras palavras, a ênfase que está sendo dada aos conteúdos específicos na formação do professor polivalente deve ser vista como algo mais profundo do que a aquisição dos conteúdos a serem ensinados. Essa aprendizagem precisa constar de uma filosofia da Geografia, do seu papel ao longo da história no ensino e no conhecimento do espaço. Como bem apontou Callai (2002, p.255),

“Muitas das discussões que hoje se fazem estão esquecendo que se é professor de alguma coisa, e não de tudo ou de qualquer coisa. Depreende- se daí que não é exclusivamente uma questão de estratégias didáticas e posturas pedagógicas. Estes são, sem dúvida, aspectos intrínsecos na formação do professor, mas os meios, os instrumentos que lhe permitirão o fazer docente é o conteúdo da ciência com que se trabalha”.

E no caso dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental é, também, o conhecimento, nessa perspectiva, da Geografia (assim como a História, a Matemática, Português, etc.).

Essa discussão deve ser inserida nos debates sobre a especificidade do Curso de Pedagogia, discussão essa que vem no bojo da elaboração e divulgação das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, cujo maior impasse é, a meu ver, se ele deve formar apenas professores para as séries iniciais ou apenas os especialistas. Neste último caso, os professores seriam formados em Cursos Normais Superiores (como muitos já estão sendo) e longe da pesquisa, visto que o corpo docente que aí atua não precisa ter titulação acadêmica (a maioria). Destaco que não há consenso sobre essa questão.

As entidades da área da educação, ANFOPE (Associação pela Formação dos Profissionais da Educação), FORUMDIR (Fórum de diretores das Faculdades, Centros de Educação e das Universidades públicas do país), ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), ANPEd (Associação Nacional e Pós–Graduação e Pesquisa em Educação) , CEDES (Centros de Estudos Educação & Sociedade), têm desencadeado amplo processo de discussão que se encaminha para a defesa de pontos considerados históricos na construção de diretrizes para a reformulação do curso de Pedagogia e que estão sendo desconsiderados pelo CNE. Um desses pontos é a concepção de docência como base da formação dos profissionais da educação, o que não se confunde, segundo o Documento das Entidades sobre a Resolução do CNE (2005, p. 4), “... com a redução do curso de Pedagogia a uma licenciatura”. Ainda de acordo com o referido documento, é preciso esclarecer que a denominação docência está sendo

“... considerada no seu sentido amplo, enquanto trabalho e processo pedagógico construído no conjunto das relações sociais e produtivas e, sentido estrito, como expressão multideterminada de procedimentos didático-pedagógicos intencionais, passíveis de uma abordagem transdisciplinar” (op.cit., p. 04).

Assim entendida a docência é vista no interior de um projeto formativo e não como uma atividade mecânica, baseada em métodos e técnicas neutros, desarticulados da realidade social. É nesse contexto de lutas políticas e ideológicas que precisamos pensar e defender a

inclusão do ensino dos conteúdos específicos nos cursos de formação para os docentes das séries iniciais.

No capítulo a seguir, enfoco um pouco do que tem sido o ensino de Geografia nas últimas décadas no nosso país, sua função nos currículos do ensino básico, as críticas ao ensino de Geografia que se autodenomina neutro politicamente e os caminhos apontados para a edificação de ensinos mais críticos, mais humanos, voltados para a compreensão da injusta e desigual realidade espacial, bem como sua transformação, ou para a valorização das dos aspectos mais subjetivos do espaço geográfico entendido enquanto lugar de relações humanas mais singulares, afetivas, simbólicas. Essa análise servirá de base para a compreensão posterior do ensino descrito pelos participantes da pesquisa, como tendo sido aprendido na disciplina Ensino de Geografia na UEFS, bem como do ensino desenvolvido por eles em suas salas de aula.

CAPÍTULO II

O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: O INSTITUÍDO E OS INSTITUINTES (OFICIAIS E NÃO-

OFICIAIS)

Como vimos na primeira parte do capítulo I, os avanços capitalistas das últimas décadas do século XX vêm comandando uma série de transformações, (re) adaptações, nas esferas econômicas, sociais, políticas, culturais, no mundo e, em especial, nos países da América Latina. A difusão dos ideais neoliberais foi e continua sendo necessária para garantir sua expansão e consolidação de forma harmônica e a escola, enquanto responsável pela educação formal da sociedade, incluindo importante aspectos da formação para o trabalho, tem sido tratada como instituição de grande relevância nesse processo. Isto não significa que ela (a escola) absorva, incorpore e desenvolva essa função (de difusora da ideologia neoliberal) de forma simples e harmônica. Seu caráter social lhe confere uma complexidade de interesses que são plurais e contraditórios. Ao mesmo tempo em que desenvolve a função de reproduzir os interesses hegemônicos ela também pode apresentar resistência a eles. Parafraseando Pérez Gómez (2000), a escola possui espaços de relativa autonomia que podem ser usados para combater a tendência conservadora de reprodução dos interesses das classes dominantes.

O Estado, apesar de ter o seu papel redimensionado frente ao avanço transnacional do capital, se mantêm como estrutura política responsável pela criação das condições necessárias para a implantação e movimentação desse capital nos mais variados territórios. No Brasil, a aliança do estado com o neoliberalismo tem sido evidenciada pela criação de incentivos vultuosos a empresas estrangeiras que pleiteiam a instalação de filiais no nosso espaço, pela privatização de empresas estatais, pela flexibilização de direitos, pelo redução dos investimentos na área social e pela liberdade controlada do processo educacional.

É nesse contexto de expansão das políticas neoliberais e das formas como as mesmas vêm influenciando a organização do espaço brasileiro em todos os seus aspectos e sentidos, inclusive no educacional, que procuro analisar o ensino de Geografia desenvolvido no nosso país nas últimas décadas.

2.1. A participação do Estado no direcionamento do ensino de Geografia nas séries