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CAPÍTULO 1. FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA: A ORIGEM DE BLUMENAU E BRUSQUE

1.2 C ARACTERIZAÇÃO DA FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA

1.2.1 A divisão da terra: as pequenas propriedades de policultivo

A ocupação de Blumenau é um dos raros casos brasileiros e catarinenses em que se trata de uma colonização privada13, conduzida por um colonizador alemão chamado Hermann Blumenau, que posteriormente será conhecido apenas como “Dr. Blumenau”14

. Aos 31 anos, ele soube do projeto do governo imperial brasileiro de ocupação de terras devolutas quando veio à América do Sul em missão de uma empresa colonizadora da Alemanha. Na ocasião, conheceu Santa Catarina e associou-se a Ferdinand Hackradt, que já estava há algum tempo em Santa Catarina (mas logo desistiria da sociedade). Dr Blumenau fez uma proposta de colonização ao governo imperial e, ao conseguir terras (uma parte dela doada pelo governo e outra parte comprada), decidiu iniciar sozinho, com recursos próprios, a colonização de Blumenau, em 1850,

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O ciclo de colonização no Vale do Itajaí, embora tenha se iniciado por Blumenau e Brusque, não se encerrou por aí. Outras pessoas, como Emílio Odebrecht, Otto Wille, Victor Gaertner, Gottlieb Reiff e Luis Bertoli, além da Companhia de Colonização Hanseática, realizaram a colonização do alto Rio dos Cedros, Benedito Novo e Rio do Sul, municípios que recebem este nome no século XX após desmembramento de Blumenau. Eram terras localizadas no chamado Alto Vale do Itajaí, vendidas aos “alemães novos”, que chegaram após o primeiro ciclo de colonização, e aos italianos (HERING, 1987).

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Há registro de uma outra tentativa de colonização privada em Santa Catarina, em 1845, portanto, antes da iniciativa do Dr. Blumenau. Charles van Lede teria feito a fundação da colônia belga de Ilhota, “empreendimento que teve fracasso parcial alguns anos depois, motivado principalmente por disputas de terras. Em conseqüência, muitos colonos belgas abandonaram a área com suas famílias indo para a capital da província ou para outras colônias do Vale (Gaspar e Blumenau)” (SEYFERTH, 1974, p. 38). 14

Ele é conhecido como Dr. pelos seus estudos na área de química em Erlangen, na Alemanha. Além de química, Dr. Blumenau também estudou filosofia (DEEKE, 1917)

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em uma área àquela época que totalizava 9,5 mil km15. Esse local compreendia diversos municípios que hoje estão desmembrados como Indaial, Gaspar, Rio do Sul, Ascurra, Apiúna, dentre outros.

Já a Colônia Brusque foi instalada pelo presidente da Província de Santa Catarina chamado Francisco Carlos de Araújo Brusque, que mais tarde deu nome à cidade. Esta colônia, portanto, de cunho estatal, era bem menor em extensão do que a Colônia Blumenau, com 1,9 mil km2, englobando quatro distritos: além de Brusque, contava com o que hoje é Guabiruba, Nova Trento e Porto Franco.

Apesar de ter sido colonizada 10 anos depois do início da colonização de Blumenau e de forma estatal, Brusque16 tem características bastante semelhantes a Blumenau, no que diz respeito ao tipo de propriedade que foi estabelecida, descendência da imigração, agricultura e também no que se refere ao processo de industrialização, assunto que será aprofundado mais adiante.

Em Blumenau, a data de 2 de setembro de 1850 é o marco histórico da chegada de dezessete colonos emigrados17 da Alemanha, que ocupariam lotes demarcados ao longo dos rios e ribeirões. Já a fundação de Brusque ocorrera com 59 colonos alemães, em 1860. Ambas as colônias tornam-se municípios no início da década de 188018.

A colonização tanto de Blumenau como de Brusque foi inspirada em alguns modelos de planejamento de organização espacial que vinham sendo adotados na Alemanha para a conformação de uma cidade. A característica mais importante guardava relação com a divisão de terras em lotes alongados, que fez do sistema de povoamento do Vale do Itajaí similar, em parte, ao Waldhufendorf19. Ele teria sido usado na colonização medieval da Floresta Negra, Odenwald,

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Em 2010, a área que compreendia Blumenau era bem menor, de 519,8 km2 (IBGE, 2010).

16 Apesar de a data oficial de colonização de Brusque ser 1860, Seyferth (1974) destaca que, antes de 1860, havia já alguns habitantes em Brusque. Próximo à atual sede do município, havia algumas serrarias, que foram instaladas anos antes por Pedro José Werner, Franz Sallentien e Paulo Kellner, que teriam saído de outras áreas de colonização alemã anteriores à colonização de Brusque.

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Antes dos primeiros imigrantes, a mata virgem e semitropical em que se constituíam Blumenau e Brusque era habitada por índios Kaigangs, Xoklengs e Botocudos. Há diversos relatos sobre a luta desses primeiros imigrantes com índios e a ocorrência frequente de saqueamentos do núcleo colonial pelos indígenas; questões que foram resolvidas em boa medida pelo uso da arma de fogo pelo imigrante branco (DEEKE, 1917; SEYFERTH, 1974).

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Importante destacar que antes de se tornar município, em 1880, a colônia de Blumenau havia sofrido uma outra transformação: teria voltado às mãos do Estado. Em 1860, Dr. Blumenau decidiu negociar com o governo imperial para que a maior parte de suas terras voltasse a ser do Estado porque estava com dificuldades financeiras para mantê-la e para fazê-la crescer, com obras de infraestrutura. Assim, Dr. Blumenau concedeu parte de suas terras ao governo e passou a ser administrador da colônia, prestan do contas ao governo imperial dos seus serviços. Portanto, a partir de 1860, Blumenau e Brusque eram, ambas, colônias estatais (DEEKE, 1917; SEYFERTH, 1974)

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Waldhufendorf significa o sistema que foi usado para a divisão de terras de uma região de floresta. Em alemão, Wald quer dizer floresta, Hufe refere-se à propriedade alongada que foi distribuída e Dorf significa aldeia (SEYFERTH, 1974).

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leste da Mittelgebirge, e em parte das florestas de terras baixas do norte da Alemanha ainda feudal (HERING, 1987; MAMIGONIAN, 1960).

Esse sistema foi importante porque ajudou a definir a pequena propriedade como característica da localidade, inclusive diferenciando essa formação socioeconômica da maior parte do território brasileiro, marcado pelo latifúndio privado e monocultor.

No Vale do Itajaí, a demarcação foi de uma parcela de 20 a 30 hectares, sendo 2/3 constituídos de terras montanhosas. A localização em zonas montanhosas e ao longo de um vale fez com que a distribuição das terras em lotes alongados a partir do curso do rio garantisse uma certa paridade na distribuição das terras de várzea e permitiu que o proprietário de cada lote tivesse um meio de comunicação, seja pela picada ou pelo curso d’água.

Alguns relatos da época do início da colonização (1850) sugeriram, no entanto, que a intenção do Dr. Blumenau era a criação de um grande latifúndio agrário privado, para o qual traria mão de obra da Alemanha para trabalhar em suas terras por meio de pagamento de salários. Mas ele teria recuado nesta opção por conta dos altos custos de uma iniciativa deste tipo justamente por se tratar de uma área de floresta densa, difícil de ser desmatada para formação de um núcleo colonial20. Então, teria partido para a repartição de terras em pequenos lotes para venda21 a pequenos produtores emigrantes da Alemanha (DEEKE, 1917).

A pequena propriedade local tem ainda outras interpretações complementares. Singer (1968) observa que o tipo de terreno e que a falta de recursos foram fatores determinantes para isso no Vale do Itajaí:

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É interessante observar que o núcleo colonial, tanto em Blumenau quanto em Brusque, deu significado ao que seria a futura cidade, interferindo na sua organização espacial. Diferentemente de uma típica colonização portuguesa, nesses municípios não há uma igreja na área central, mas sim este núcleo, que abrigava serviços básicos de atendimento ao colono. Essa área chamava-se

Stadtplatz (em alemão Stadt significa cidade e Platz significa lugar). Ela vai determinar a configuração espacial porque para este

núcleo também convergiriam as estradas e onde um pequeno porto fluvial possibilitaria a articulação desta economia com o seu entorno nas fases iniciais (LAGO, 1978; SEYFERTH, 1974).

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Mas nem tudo era terra necessariamente comprada do Dr. Blumenau. De acordo com Deeke (1917), houve quem chegou antes de Dr. Blumenau nessas áreas. Parte do que hoje é o bairro Ponta Aguda é um exemplo, tendo o Dr. Blumenau adquirido terra de terceiros para formar a colônia. E, até 1850, quem quisesse terreno para o estabelecimento de uma propriedade agrícola, sem que tivesse que comprá-la, escolhia terra devoluta e lá se instalava. Se fossem terras de grande área territorial, teria que requerer concessão do governo para impedir invasão de terceiros, e em seguida demarcar seus limites de acordo com o título concedido. A partir da colonização privada, em 1850, as regras mudaram. Um decreto imperial sustou a aquisição arbitrária de terras devolu tas e regulamentou a distribuição delas e dos serviços demarcatórios. Só se tornava a partir de então proprietário aquele que pagava taxas. Nem todos os posseiros conseguiam se enquadrar às novas regras, nem pagar taxas, e aqueles que não cumpriam as regras, perdiam a posse. Assim, novos posseiros surgiam e adquiriam direitos sobre as terras (DEEKE, 1917).

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A terra apropriada à produção de artigos de exportação era muito menos acessível que a terra adequada à produção de subsistência. Além disso, o imigrante alemão não possuía meios suficientes para iniciar um sistema de plantações, que exigia uma imobilização financeira bem grande em mão-de-obra escrava. Por outro lado, seria temerário procurar concorrer com o latifúndio escravocrata, na monocultura de café, por exemplo, baseado em pequenas propriedades do tipo familial. Tudo isto forçava a colonização como Blumenau a praticava, a se isolar da única economia de mercado viável, a de mercado externo, e a se inserir no setor de subsistência (SINGER, 1968, p. 98).

Na obra de Seyferth (1974), encontram-se dentre outras explicações para a formação da pequena propriedade também uma imposição do próprio governo imperial. Destaca-se que houve interesse do governo imperial em povoar uma área de florestas com pequenos proprietários agricultores em virtude da pressão dos grandes proprietários de café quanto à concessão de terras a estrangeiros em São Paulo. Sendo o café uma das principais fontes de divisas para o país, argumentava-se no Senado que pequenas propriedades, policultoras ou não, encravadas nas áreas cafeeiras seriam extremamente prejudiciais, então este tipo de povoamento tinha que ser em outro local, como a área do Brasil meridional, que compreende a região sul. Também havia uma razão estratégica para que o governo imperial destinasse essas áreas à colonização de imigrantes: era preciso abrir vias de comunicação entre o litoral e o planalto do país. Tanto foi assim que as primeiras colônias foram estabelecidas em pontos estratégicos entre o planalto e o litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, a fim de garantir de alguma forma as vias de penetração. “Em Santa Catarina, principalmente, não havia comunicação entre a capital Desterro e o planalto e foi com esta finalidade que se deu estímulo à colonização alemã no Vale do Itajaí” (SEYFERTH, 1974, p. 31).

Ora, independentemente dos variados motivos, o importante a reter para esta pesquisa é que, como resultado do tipo de colonização feita, ocorre no Vale do Itajaí uma repartição de terras em pequenas unidades produtoras e a estrutura fundiária é relevante porque ajuda – embora não seja o único fator - na compreensão de uma realidade regional, uma vez que pelo perfil da concentração da propriedade são estabelecidas a renda e a demanda, com impactos sobre a formação socioeconômica do local. Alguns estudos apontam que, geralmente, quando a propriedade da terra está muito concentrada (bem como o excedente econômico) nas poucas mãos de grandes proprietários de terras, a instalação de indústrias ocorre em plantas de vultosas dimensões, para atender à demanda regional ou multi-regional. Em regiões como o sul do país,

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em que a propriedade da terra historicamente é mais desconcentrada, ocorre uma “formação industrial radicalmente diferente, calcada na pequena e média indústria” (CANO, 1985, p. 65)22

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