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O CAPITAL FINANCEIRO E O SEU PRIMEIRO GRANDE AVANÇO : A ABERTURA DE CAPITAL DAS TÊXTEIS NA BOLSA

CAPÍTULO 3. OS ANOS 1970 E 1980: TRANSFORMAÇÕES DE CAPITAL DOS GRANDES GRUPOS TÊXTEIS E A

3.2 O CAPITAL FINANCEIRO E O SEU PRIMEIRO GRANDE AVANÇO : A ABERTURA DE CAPITAL DAS TÊXTEIS NA BOLSA

obtenção de recursos para investimentos e financiamento das próprias expansões.

O capital financeiro dava fôlego para outras frações como o capital agrícola e o capital mercantil comercial nesses grupos têxteis. O primeiro tem relação com a produção de algodão, alguns grãos e até mesmo alimentos, como carnes. O segundo tem a ver com um primeiro movimento de abertura de escritórios de vendas e lojas próprias, voltando-se assim à atuação na etapa de circulação do capital.

As transformações do capital industrial têxtil do Vale do Itajaí em outras frações de capital e seus desdobramentos socioespaciais devem ser entendidas como parte do processo do desenvolvimento do próprio capitalismo, que é dado por “formação e reformulação irriquietas da paisagem geográfica”84

. Isso significa dizer que o Vale do Itajaí em si acaba sofrendo transformações a partir das mudanças de um dos seus principais agentes locais, o setor têxtil.

Como será visto a seguir, o setor têxtil do Vale do Itajaí não estava ainda nos anos 1970 e 1980 no centro de uma crise, mas certamente caminhava nesta direção, o que ficará evidente nos anos 1990, debate que será tratado no Capítulo 4.

Por ora, neste Capítulo 3, analisam-se as alterações nas frações de capital do setor têxtil do Vale do Itajaí nos anos 1970 e 1980 – momento de grande centralização do capital - e os ajustes espaciais nele inseridos.

3.2 O capital financeiro e o seu primeiro grande avanço: a abertura de capital das têxteis na bolsa de valores

Nos anos 1930, a principal característica do capital financeiro que estava relacionada com o capital industrial têxtil regional havia sido a iniciativa de grupos têxteis de criar bancos no Vale do Itajaí, ainda no início do século XX. Tal processo de fomento foi, de certa maneira, encerrado com a centralização e concentração dos bancos da região nas operações do Banco Inco, que posteriormente foi vendido ao Bradesco, em 1968. Até então, as empresas têxteis utilizavam mecanismos financeiros tradicionais, como empréstimos, e faziam associações de capital, vendendo participações para sócios. A maioria era Sociedade Anônima, mas de capital fechado. Como exemplos, pode-se citar que a Karsten e a Schlösser fizeram a mudança para sociedade

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anônima em 1933. A Teka fez o mesmo em 1935. A Buettner havia se tornado sociedade por ações em 1953. A Fábrica de Tecidos Carlos Renaux se tornara sociedade anônima em 1918. Já a Dudalina transformara-se, em 1962, em sociedade anônima de capital fechado.

A partir dos anos 1960, e, principalmente, dos anos 1970, porém, um novo mecanismo financeiro se tornou mais comum dentre elas: passaram a abrir o capital em bolsa de valores.

Dessa forma, a financeirização adentrava de forma mais intensa a estrutura de capital e permitia aumentar a rotatividade do capital (aumento do capital variável) e, consequentemente, facilitava o processo de acumulação. Isso porque o desenvolvimento das sociedades anônimas permite o emprego do capital de vários empresários em um único local e cria condições para formação dos grandes monopólios. Assim, o ritmo de acumulação se acentua. Ou, em outras palavras, conforme esclarece Bukharin sobre o significado dessas sociedades: “Massas consideráveis de mais-valia, que ultrapassam amplamente as necessidades de um ínfimo grupo de capitalistas, convertem-se em capital para iniciarem novo ciclo de circulação” (BUKHARIN, 1986, p. 110).

Stein (1957) observa que esse movimento em direção à bolsa de valores fazia parte de um processo histórico, pois, perto do fim da Segunda Guerra Mundial, os fabricantes tradicionais têxteis que abasteciam os mercados externos nos quais o Brasil agora entrara, estavam preparados a retomar tais mercados, com preços mais baixos do que os praticados pelas empresas têxteis brasileiras. Neste momento, as empresas brasileiras tentaram apelar à ajuda do governo, como era costumeiro, para modernização de suas fábricas porque os preços das novas máquinas, necessárias para fazer frente a um novo período de forte concorrência no pós-guerra, haviam disparado. O governo não acenou com grandes possibilidades de ajuda e como uma alternativa para levantar recursos de forma mais rápida, buscaram a emissão de ações:

A emissão de ações e bônus certamente possibilitaria levantar os fundos necessários para a modernização das fábricas. Infelizmente, as ações das fábricas têxteis eram, de modo geral, controladas pelos membros de uma família ou, pelo menos, por um grupo fechado, hostil à admissão de novos acionistas. As fábricas tampouco seriam capazes de oferecer, sobre uma possível emissão de debêntures, juros que rivalizassem com os 11% das obrigações do governo, ou com os 8% dos depósitos à vista. Além disso, aqueles que poderiam subscrevê-las não tinham interesse em investir nas fábricas têxteis, pois a sua natureza hermética impedia-os de conhecer a sua real situação financeira (STEIN, 1957, p. 183).

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Alguns grupos do Vale do Itajaí, que já tinham se transformado em sociedade anônima de capital fechado, decidiram abrir seu capital. À exceção da Renaux, que abriu seu capital nos anos 1940, a grande parte abriu nos anos 1960 e 1970. Nos anos 1960, isso ocorreu com a Hering, em 1960, com a Teka, em 1966, e com a Buettner, em 1969. Posteriormente, um novo conjunto de empresas têxteis tornou-se S/A de capital aberto. Em 1974, a Malharia Blumenau (Mafisa) transformou-se em Sociedade Anônima de capital aberto, mesmo ano em que a Cremer também abriu capital (“Cremer 50 anos”, Folheto Institucional, s/d). A Dudalina manteve o capital fechado.

Havia por parte do governo federal uma política de estímulos fiscais às aplicações em ações e à abertura de capital das empresas, contribuindo para esse mercado fosse veículo fácil para a especulação. Conforme Tavares, nos anos 1970 “o mercado de capitais tornou-se, assim, eufórico, através da especulação realizada com ações de empresas já existentes, dos lançamentos de novas ações e, mais recentemente, com a intensificação do processo de abertura de empresas” (TAVARES, 1974, p. 242).

Para as empresas, a vantagem era uma captação de recursos mais barata do que se pegassem crédito nos bancos. De outro lado, a contrapartida é que a valorização das ações as fazia cada vez mais dependentes dos novos desdobramentos do capital para seu processo de acumulação, aumentando seus riscos, pois possuíam a partir de então o compromisso de pagamento de dividendos para os seus muitos novos acionistas.

Na década de 1970, já era possível observar, de fato, um acentuado processo de especulação financeira no Brasil. Constatava-se um distanciamento entre preços das ações e lucro das empresas brasileira, de maneira geral, de forma que não havia possibilidade de se manter uma base real para a acumulação financeira. Bem como já era observável um processo de concentração e centralização de capitais entre bancos/e ou investidores para fins de especulação financeira e raramente com vistas a competir ou redividir o mercado interno de bens e serviços. Este argumento de Tavares (1974) faz parte de uma discussão ampla sobre a não associação do capital financeiro, de fato, às empresas no Brasil, como ocorreu em outras experiências em países centrais como a Alemanha, mas que não cabe aqui aprofundar.

A busca pela abertura de capital e, consequentemente, pelos recursos de investidores também era uma forma de as empresas se adaptarem às novas regras do jogo mundial, guiado pela financeirização em larga escala. Ao dependerem mais do capital financeiro, contudo, as

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empresas produtivas subordinavam suas operações comerciais e industriais a uma gama de monopolistas do setor bancário, que vão exercer influência sobre o destino da empresa85.

Como lembra Tavares (1974), a especulação ocorria no Brasil, justamente, em um período de aumento da concentração bancária no país86, que tem como efeito colateral para as empresas a restrição do crédito, aumentando a sua dependência de um número cada vez mais reduzido de grupos bancários.

O risco é que com o avanço da financeirização há um estado de poder do rentista e da oligarquia financeira sobre todos os demais grupos da sociedade87.

Isso pode ser visto, na prática, em documento de 1968, intitulado “Artex S/A Fábrica de Artefatos Têxteis, apresentação do Sr. Carlos Curt Zadrozny”. Neste documento da própria Artex, está relatado que a empresa vive para criar riquezas, entendidas como: “lucro para o investidor, boa remuneração para o colaborador; recursos para a comunidade e riqueza para a nação” (Artex S/A Fábrica de Artefatos Têxteis, apresentação do Sr. Carlos Curt Zadrozny, 1968, p. 34). Nota- se que o lucro para o investidor aparece em primeiro lugar.