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2.1- A problemática acerca da divisão do trabalho

a) Trabalho útil: do caráter político da divisão do trabalho.

Sendo a substância do valor o trabalho, Marx procedeu à análise do duplo caráter da categoria trabalho, que expressa a contradição fundamental da polaridade interna da própria forma-mercadoria, que a cinde em momentos concretos e sensíveis e, de outro lado, em momentos abstratos. O trabalho útil, assim, é o trabalho sob a forma concreta e sensível do valor de uso. Como a característica fundamental da categoria valor de uso é seu caráter sensível e concreto que expressa as particularidades das diversas atividades sociais produtivas; é, por isso, o trabalho útil, ou, melhor dizendo, os trabalhos úteis, em tudo diferentes uns dos outros, que produzem valores de uso diversos. A atividade do tecelão produz tecido, a do pedreiro produz casas, a atividade do professor qualifica futuros trabalhadores. Desta forma, o que temos é uma pluralidade muito rica e diversificada de trabalhos úteis diversos, que expressa a própria divisão social do trabalho (MARX, 1985. p. 49-53).

Harry Cleaver, tanto quanto Robert Kurz (CLEAVER, 1981; KURZ, 1992) ressaltam que esta categoria não possui um caráter neutro ou apolítico, não podendo, portanto, constituir um lado positivo do processo capitalista ou mesmo uma categoria natural ou supra-histórica que deveria ser preservada, enquanto o trabalho abstrato constituiria o aspecto negativo a ser suprimido – é esta também a posição teórica de Anselm Jappe (JAPPE, 2006, p. 83-130). Isto se deve, precisamente, ao fato de o trabalho

útil - ou os diversos trabalhos úteis - primeiramente, desempenhar a produção de

mercadorias que, como já vimos, possuem valores de uso diversos e mesmo opostos para as diferentes classes sociais, não sendo utilidades politicamente neutras (se a mercadoria não possui valor de uso apolítico ou neutro, ainda menos o trabalho que a produz teria esta neutralidade). Em segundo lugar e, de forma igualmente relevante, temos o fato de

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os trabalhos úteis forçosamente expressarem uma divisão social do trabalho que não é neutra, como demonstrou Cleaver e Bernardo (CLEAVER, 1981, p. 147-152; BERNARDO, 2005). A divisão do trabalho, como analisada por estes dois autores, é um mecanismo político de fragmentação da classe trabalhadora.

Bernardo, em Democracia Totalitária (BERNARDO, 2004), demonstra de forma pormenorizada como a reorganização popularmente conhecida como “toyotista”78 do processo de trabalho, que envolveu a produção de fraturas na classe trabalhadora segundo perfis qualificacionais de trabalho simples e complexo (ver também BERNARDO, 1998), funcionou como elemento de fragmentação e pulverização das coletividades operárias. No artigo “Trabalhadores, classe ou fragmentos?” (BERNARDO, 2005), apontou para o caráter real da reestruturação produtiva enquanto mecanismo de dissolução das coletividades e identidade operárias. Ele analisa também como a fragmentação dos trabalhadores, seja por perfis qualificacionais, divisões de setores produtivos, subcontratação, terceirização, divisões étnicas, nacionais, culturais ou de gênero, funcionou como elemento desorganizador das lutas operárias autônomas das décadas de sessenta e setenta, possibilitando ao poder capitalista a centralização do controle sobre estes mesmos trabalhadores através da microeletrônica:

“O toyotismo encontrou uma maneira de minorar, ou até de evitar, aquele considerável risco político. A electrónica permite que os administradores das empresas centralizem a captação das informações e a emanação das decisões independentemente de qualquer contacto físico com os trabalhadores e de qualquer relação física dos trabalhadores entre si. Os vários processos particulares de trabalho ficam integrados em grandes conjuntos mesmo que sejam prosseguidos em isolamento físico, por vezes podendo até localizar-se a milhares de quilómetros de distância uns dos outros. Assim, as economias de escala sociais aumentam sem que seja necessário aumentá-las fisicamente.”

(BERNARDO, 2005)

O uso político da microeletrônica, campo tecnológico que inclui em si as redes de computadores, é destacado por Bernardo:

“Uma das preocupações fundamentais do toyotismo consiste em limitar a concentração física dos trabalhadores, ou até em dispersá-los fisicamente, e ao mesmo tempo concentrar os

resultados do trabalho através da tecnologia

electrónica.”(BERNARDO, 2005).

78 Não constitui a única forma de organização do trabalho vigente na atual reestruturação produtiva, embora seja a mais

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Cleaver, por sua vez, demonstrou como o aumento do capital constante e a redução proporcional do capital variável79 se destinaram a minar a resistência laboral naquele momento: “(...) o capital contrapõe à recomposição política da classe operária

o seu próprio nível novo de composição orgânica” (CLEAVER, 1981, p. 131); bem como

a manipulação dinâmica da divisão do trabalho, ao impedir que a classe trabalhadora adquira uma homogeneidade politicamente perigosa, permitiu, sob as mesmas diversas fraturas acima citadas, restabelecer o controle social e a imposição do trabalho, possibilitando a recomposição da taxa de lucro social média:

“Vemos assim que a preocupação com o trabalho abstrato (valor) leva os capitalistas a criar a divisão, e portanto a estrutura mesma, do trabalho útil, para realizar a homogeneidade do trabalho abstrato. Por isso, o trabalho útil no capital deve ser considerado como o material do qual o trabalho abstrato é formado. O trabalho imposto através da forma de mercadoria, que constitui a substância do valor no capital, só existe na estrutura fluida do trabalho útil concreto.” (CLEAVER,

1981, p. 148).

Esta análise coincide com as posições de Kurz, críticas ao trabalho útil (KURZ, 1992; KRISIS, 1999), nas quais o trabalho deve ser criticado também em sua forma útil e não apenas na forma abstrata. A forma como o Manifesto contra o Trabalho (KRISIS, 1999) coloca o trabalho em sua forma útil como elemento de sujeição social enfatiza que

79Capital constante refere-se a instalações, máquinas, matérias primas e materiais auxiliares – o trabalho morto. Capital

variável refere-se à força de trabalho e encargos trabalhistas – o trabalho vivo (MARX, 1985, p. 165-172). O aumento do capital constante em relação ao variável é o elemento que determina, para Marx, a redução tendencial da taxa de lucro, gerada pelo estreitamento da base de valorização (devido à redução da participação de trabalho vivo na produção da mercadoria e o aumento do trabalho morto nesta – ver MARX, 2011). Entretanto, é importante frisar que o aumento do capital constante não significa necessariamente a redução absoluta do volume de capital variável. Este último permanecendo inalterado e aumentando o primeiro já significa uma redução do capital variável em relação ao constante. O capital variável pode mesmo aumentar, porém o constante aumentar ainda mais, significando também uma redução proporcional. Bernardo enfatiza que é uma concepção errônea a afirmação de que já não haveria mais classe trabalhadora ou operária, e pelo contrário, demonstra que o número de trabalhadores cresceu (BERNARDO, 2005). Isto não necessariamente invalida ou contradiz a tese de Kurz sobre a redução da base de valorização, na medida em que consideramos a relação acima citada entre capital constante e variável. Pelo contrário, a explosiva expansão do trabalho precário se deve, para Kurz, justamente a esta mudança na composição orgânica que reduz a base de valorização, levando o capital a acionar o mecanismo da mais-valia absoluta. Ver Robert KURZ. Mais-valia absoluta. In Revista EXIT!. <http://obeco.planetaclix.pt> (acesso em 2010). Bernardo, entretanto, enfatiza em suas análises que a redução do valor dos elementos do capital constante, somada à reorganização dos processos de trabalho, pode reequilibrar novamente a taxa de lucro (ele mesmo defende a capacidade do capitalismo multiplicar a natureza, compensando a destruição ecológica). Para ele não há crise estrutural e o limite à valorização só poderia ser posto pelos conflitos sociais; entretanto, em sua análise, no decorrer do ciclo econômico longo a mais-valia relativa se absolutiza assim como o trabalho complexo se torna trabalho simples novamente pela difusão e generalização das novas tecnologias e formas de organização do trabalho, pressionando, assim, o capital a reorganizar a produção (ver BERNARDO, 1991; 1979). Já Harry Cleaver fica com uma posição intermediária entre as de Bernardo e Kurz (embora não faça referências a Kurz e tenha escrito suas principais análises antes do começo da produção teórica do mesmo e não haja referências a Bernardo em suas obras), abordando a influência dos conflitos sociais na economia, mas defende também a tese do estreitamento da valorização, gerada segundo ele, pela própria luta de classes, que desencadearia o aumento da composição orgânica do capital (CLEAVER, 1981). O documentário L’Eterna Rivolta (2010), sobre o pensamento e a trajetória de Antonio Negri, destaca a forma como as empresas italianas desencadeavam o aumento da tecnologia e do desemprego como arma política de decomposição do movimento operário autônomo nos anos sessenta e setenta.

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a própria estrutura de organização do trabalho útil não é provida de neutralidade ou isenta de caráter político.

Cleaver ressaltou que esta divisão do trabalho quase sempre produz fraturas hierárquicas na classe trabalhadora – para além de divisões horizontais simples – é o caso das clivagens de gênero e étnicas, dentre outras (CLEAVER, 1981)80. Como analisamos em nosso trabalho de mestrado Economia Política da Educação de Massas: A escola

pública como condição geral de produção do capital (DIAS, 2010), uma das principais

80 Podemos enumerar muitos tipos de clivagens no interior da classe trabalhadora: as qualificacionais (entre

trabalhadores qualificados e bem remunerados e trabalhadores precários que exercem trabalhos manuais e mal- remunerados), as salariais e trabalhistas (dentro da mesma divisão hierárquica anterior, envolvendo nível salarial e regime de contratação), as de acesso a níveis de ensino (alunos de escolas públicas e particulares, faculdades públicas e particulares), as clivagens de gênero (hierarquização salarial e de poder entre homens e mulheres, inserindo-se também discriminações a homossexuais), as divisões étnicas (discriminações e hierarquias devido a cor da pele ou local de origem no país), divisões regionais (discriminação de trabalhadores emigrados de regiões mais pobres do país), clivagens nacionais (entre a força de trabalho separada por países, onde entra o nacionalismo como poderoso fator de divisão da classe trabalhadora internacional), clivagens entre trabalhadores nacionais e estrangeiros dentro do mesmo mercado de trabalho nacional, clivagens religiosas, clivagens de divisão espacial de setores e campos de produção, clivagens por turno ou horários de jornada diversos e fragmentados, clivagens culturais (envolvendo identidade e pertencimento a grupos), clivagens de idade (trabalhadores jovens, adultos e idosos), divisões que segregam trabalhadores que portam necessidades especiais (como a surdez, cegueira, etc.), clivagens categoriais e corporativas (oriundas da divisão da força de trabalho em categorias profissionais, o que inclui as divisões geradas pelas estruturas sindicais), clivagens por sindicalização ou questões políticas (rivalidades entre sindicatos, centrais sindicais, partidos ou grupos políticos), clivagens por região de moradia (favelas, periferias e moradores de bairros abastados ou melhor equipados), dentre outras muitas formas possíveis. Cleaver ressalta que estas fraturas não são apenas divisões horizontais, mas se tornam divisões hierárquicas, na medida em que envolvem diferenciações na remuneração ou nível salarial pago aos trabalhadores segundo estas divisões. Até mesmo o acesso a transportes e meios de mobilidade urbana introduz importantes clivagens, que estão na base de toda a problemática detonadora de muitos dos protestos sociais em meados do ano de 2013. O próprio caráter multifacetado, complexo e heterogêneo dos muitos protestos (favelas lutando contra violência e despejos, estudantes e trabalhadores contra o aumento da passagem de ônibus, setores de trabalhadores da chamada classe média lutando contra corrupção e impostos excessivos, setores sindicais lutando por salários e direitos, lutas de médicos e enfermeiros, lutas de grupos ecológicos, lutas de moradores próximos a estradas contra pedágios e por direito a passarelas, lutas de movimentos de homossexuais contra a discriminação e o projeto de “cura gay”, manifestações públicas de grupos religiosos contra o movimento LGBTT, e mesmo protestos de grupos conservadores e até greves patronais de caminhoneiros – podia-se ver num mesmo dia um protesto de uma favela contra a violência policial na periferia e cartazes de setores de classe média em uma área central urbana, exigindo segurança pública e pautas conservadoras como a redução de idade penal ou pena de morte),demonstra a forma como a classe trabalhadora brasileira encontra-se extremamente fragmentada, a ponto de haverem protestos os mais diferenciados e mesmo com pautas antagônicas entre si. As mesmas clivagens citadas acima podem se recombinar entre si produzindo situações mistas ou gerando subdivisões internas, novas divisões dentro de outras. Dentro de setores sociais se reproduzem divisões hierárquicas, e mesmo entre grupos marginalizados. Por exemplo, a estratificação hierárquica existente no interior da prostituição, do crime organizado, de grupos marginalizados, sanatórios, prisões, orfanatos, clínicas e manicômios, chegando a recriar estruturas até de exploração no interior dos grupos. São bastante conhecidas as hierarquias dentro de conventos ou dos antigos leprosários. Dentro de grupos religiosos e igrejas podem se reproduzir hierarquizações e segregações. O próprio acesso ou não a meios eletrônicos como as redes de computadores é uma clivagem e os próprios usos destas redes para diferentes finalidades podem compor outras divisões. O Capital e as classes capitalistas engendram e manipulam dinamicamente e politicamente a divisão do trabalho. A fragmentação dos trabalhadores, como percebeu Bernardo (BERNARDO, 2005), permite a perda da consciência e identidade de classe e a emergência de discursos que negam a luta de classes e a própria existência de classes sociais e da exploração. Pode- se dizer que o discurso ideológico e publicitário sobre uma sociedade multiculturalista e heterogênea, acompanhado de discursos relativistas, espelha a consciência de uma classe trabalhadora fragmentada, conforme hetero-organizada pelo capital. No extremo deste processo, a própria atomização dos indivíduos faz os aspectos sociais serem eclipsados e permite a moralização das questões sociais – e a culpabilização dos indivíduos, e não do sistema, por estas mesmas mazelas. Cleaver (CLEAVER, 1981) destaca que a autonomia expressa pelas lutas dos grupos sociais colocados em extratos hierarquicamente inferiores, na medida em que nega a própria constituição hierarquizada, torna-se elemento de recomposição da classe trabalhadora. Ele descreve este processo quando alude às lutas das mulheres, estudantes e negros nos Estados Unidos e na Itália nos anos sessenta e setenta. Igualmente, podemos dizer que a introdução de hierarquias dentro de grupos sociais em luta se torna um fator decisivo para a recuperação destas mesmas lutas pelo capital (e a consequente ascensão social e incorporação de indivíduos oriundos dos mesmos meios a postos de gestores).

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formas de divisão dentro da classe trabalhadora é a por níveis qualificacionais – de formação e acesso à educação – de forma a constituir a própria hierarquia do espectro do

trabalho simples ao complexo, permitindo também a clivagem entre setores de

trabalhadores mais qualificados (campo do predomínio do regime da mais-valia relativa) e o dos trabalhadores precários (campo do predomínio do regime da mais-valia

absoluta).81 E mesmo, conforme analisamos naquele trabalho, o campo do exército de

reserva e dos marginalizados da superpopulação relativa (MARX, 1985) recebe sua

escolarização em políticas de administração da pobreza e controle social pelo sistema de ensino público – políticas formuladas e abertamente defendidas em documentos oficiais dos conselhos técnicos de organizações multilaterais internacionais (DIAS, 2010). A própria estrutura da divisão do trabalho útil, assim, expressa relações de poder político

81 Curiosamente, o artigo Protestos virtuais e impotência política(parte 2), de 25 de março de 2013, publicado em

Passa Palavra (disponível em <http://passapalavra.info/2013/03/74500>), afirma que por detrás de toda a polêmica envolvendo a eleição de um pastor evangélico conservador para a Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional e a problemática da ascensão das bancadas evangélicas e setores conservadores no mesmo, estaria uma questão de fundo social mais ampla relacionada ao perfil da atual classe trabalhadora. Segundo o artigo, os setores da sociedade politicamente hegemonizados pelas igrejas evangélicas poderiam representar uma massa de trabalhadores precários, que encontram nas igrejas uma forma de socialização:“O Censo IBGE 2010 aponta que “evangélicos pentecostais formavam o grupo religioso com a maior proporção de pessoas pertencentes a classes de rendimento até 1 salário mínimo (63,7%)”. O censo também aponta que o grosso das pessoas religiosas concentra-se nas faixas de renda até três salários mínimos.(...) Esta organização dos setores mais precarizados em torno das igrejas, principalmente as pentecostais e neopentecostais que foram as organizações a conseguir dar respostas mais sólidas às demandas deste setor dos trabalhadores, reflete uma situação particular, porém não inédita. De um lado, e de forma acelerada, frações da classe trabalhadora se incorporam nos setores mais produtivos da economia devido à abertura do país aos capitais externos e ao aumento de vagas nas universidades e escolas técnicas, vivendo de trabalhos sujeitos a métodos pós-fordistas de gestão que exigem uma nova cultura do trabalho. Do outro lado, setores que dificilmente serão inseridos nos circuitos mais produtivos da economia são explorados como nunca antes, seja na informalidade, seja em trabalhos com uso menos intensivo de tecnologias (geralmente no setor de serviços). Se para o primeiro grupo, além de outras instituições, temos as universidades e escolas técnicas a formar estes trabalhadores, no segundo grupo, por mais que a expansão das universidades e escolas técnicas objetive também alcançá-lo, as igrejas exercem papel fundamental e criam uma coesão no discurso como em poucos momentos da história foi possível.” Assim, o artigo analisa que o confronto público entre setores mais progressistas que exercem a defesa de direitos dos homossexuais, mulheres, questão do aborto, liberdade religiosa, etc. em relação aos setores hegemonizados por igrejas mais conservadoras, expressaria uma fratura no interior da classe trabalhadora brasileira, entre os setores do predomínio da mais-valia relativa (que possuindo maior acesso a bens culturais, possuem um amplo leque de formas possíveis de socialização) e setores de trabalhadores precários sobre os quais predomina o regime da mais-valia absoluta (e que pouca alternativa de socialização teriam além das igrejas; ainda mais se considerarmos a baixa taxa de sindicalização destes setores) ou mesmo o desemprego e exclusão social. Isto se torna ainda mais evidente na miríade extremamente heterogênea de formas pelas quais eclodiu a onda nacional de protestos durante o mês de Junho de 2013. A grosso modo, dentre a rica composição de múltiplos protestos, houve uma polarização dos mesmos entre setores da chamada classe média, com demandas concentradas em combate à corrupção ou discursos mais conservadores, e a radicalização de revoltas de setores populares mais pobres e estudantis (ver o texto Uma nação em cólera: a revolta dos Coxinhas, em Passa Palavra, 24 de Junho de 2013, in <http://passapalavra.info/2013/06/79985>). Ainda, entre o que torna mais complexo analisar este conjunto de revoltas, inclui-se o fato de a maioria das igrejas evangélicas não ter se envolvido diretamente com a onda de protestos, apesar das declarações públicas de algumas lideranças deste setor a favor de demandas de combate à corrupção e aos polêmicos projetos de “cura gay” encaminhados pela Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional. Mas o próprio caráter multifacetado dos protestos, que ia desde manifestações pacíficas com bandeiras brasileiras e apelo nacionalista, até protestos radicais com enfrentamentos mais violentos e destruição de ônibus, lojas e prédios públicos; e outros protestos com bloqueios de rodovias e marchas de favelas contra a repressão policial, demonstra claramente as fraturas existentes na classe trabalhadora brasileira – decorrentes do complexo da divisão do trabalho. Outro fator que dificulta a compreensão destes novos processos de luta, constitui no fato de que boa parte das alas mais radicalizadas dos movimentos ser composta também por universitários com um nível de qualificação elevado. Estas divisões contrapõem lutas e setores com demandas contraditórias. Todo este rico processo pode ilustrar a análise que fazemos, acerca do caráter político da divisão do trabalho útil.

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de classe; a fragmentação dos trabalhadores e a reorganização das relações de trabalho pelos gestores capitalistas se apresentam como ferramentas políticas de controle social que permitem restabelecer a valorização do capital e a taxa de lucro. A adoção da microeletrônica em larga escala durante a reestruturação produtiva que sucedeu após a década de setenta, que Kurz aponta como fator de aumento da composição orgânica do

capital (e para ele, fator decisivo para uma crise estrutural do mesmo), pode também

politicamente ser considerada, a partir das abordagens de Cleaver e Bernardo já mencionadas, enquanto ferramenta política de dominação e controle social sobre a força

de trabalho. Justamente este campo tecnológico amplo inclui em si as redes de

computadores.

Poderíamos ainda considerar o fato de que é justamente com a assimilação e recuperação pelo capital das lutas autônomas dos anos sessenta e setenta, e com o refluxo ou derrocada destes movimentos, que foi possível que a reivindicação das identidades sociais plurais que antes eram contrapostas à homogeneização forçada das formas de organização do taylorismo e fordismo, fosse recuperada pelo capital. Emergiram novas formas de controle social, com base em discursos fragmentados e relativistas, multiculturalistas, e mesmo o uso do “politicamente correto” como deslocamento das

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