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Lutas por Educação e Formação: Movimento Estudantil (em geral), Movimento Estudantil (Autônomo), Espaço Povo Forte, Espaço de Educação Popular

Capítulo III O método de entrevistas e o perfil dos leitores.

I) Lutas por Educação e Formação: Movimento Estudantil (em geral), Movimento Estudantil (Autônomo), Espaço Povo Forte, Espaço de Educação Popular

“Casinha”, Coletivo Crítica Social, Cursinho Popular, Grupo de Estudos de Teoria Crítica, Coletivo Domínio Público, UNEAFRO (Cursinho comunitário e popular), Grupo de Maracatu, Centro de Cultura Social – RJ, e também a Rede Extremo Sul – SP.

II) Movimentos Estudantis: Movimento Estudantil (em geral), Coletivo Domínio Público, Movimento Estudantil (Autônomo).

III) Lutas contra a repressão, opressão, e pela descriminalização de drogas: Marcha da Maconha, Luta Anti-Proibicionista (descriminalização das drogas), Mães de Maio, Movimento LGBTT, Base Popular, Advocacia Social, UNEAFRO (Cursinho comunitário e popular), Militância Indígena, Periferia Nossa Faixa de

Gaza.

IV) Lutas Comunitárias: Base Popular, Espaço Povo Forte, Espaço de Educação Popular “Casinha”, Cursinho Popular, Comitê Pró-Organização Popular, UNEAFRO (Cursinho comunitário e popular), Grupo de Maracatu, Movimento Organização de Base, Organização Popular, Rede Extremo Sul – SP.

V) Lutas pelos Transportes Públicos: Movimento Passe Livre – MPL, Fanfarra do Mal, Rede Contra o Aumento, Bloco de Lutas pelo Transporte Público (Porto Alegre), Rede Extremo Sul – SP, Comitê Pró-Organização Popular.

VI) Lutas Trabalhistas e Sindicais: Greves, Participação em Sindicatos (APEOESP - Sindicato dos Professores), Oposição Sindical (Oposição Alternativa da APEOESP, Oposição Bancária), Advocacia Social e Trabalhista, Via Sistema Orgânico do Trabalho (Cooperativismo autogestionário associado – “Via SOT”). VII) Partidos tradicionais: Partido Socialismo e Liberdade, Partido Comunista

Brasileiro, Partido dos Trabalhadores.

VIII) Organizações Anarquistas e Grupos Autônomos: “Organização

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Base Popular, Coletivo Crítica Social, Organização Anarquista Socialismo Libertário - SP, Comitê Pró-Organização Popular, Federação Anarquista do Rio de Janeiro, Movimento Organização de Base, Organização Popular, Centro de Cultura Social – RJ, Movimento Estudantil (Autônomo), Movimento Passe Livre - MPL, Espaço de Educação Popular “Casinha”.

IX) Lutas Étnicas e contra o racismo: Espaço de Educação Popular “Casinha”, UNEAFRO (Cursinho comunitário e popular), Grupo de Maracatu, Militância Indígena, Comitê Pró-Organização Popular, Mães de Maio (Movimento formado por mães de vítimas da violência policial), Periferia Nossa Faixa de Gaza. X) Lutas culturais: Fanfarra do Mal, Espaço Povo Forte, Espaço de Educação

Popular “Casinha”, Militância Indígena, UNEAFRO (Cursinho comunitário e popular), Grupo de Maracatu, Periferia Nossa Faixa de Gaza.

XI) “Lutas de Juventude”: Movimento Passe Livre – MPL, Fanfarra do Mal, Movimento Estudantil (em geral), Espaço de Educação Popular “Casinha”, Cursinho Popular, Bloco de Lutas pelo Transporte Público – Porto Alegre, Rede contra o Aumento, Coletivo Domínio Público, Luta Anti-Proibicionista, Marcha da Maconha, UNEAFRO (Cursinho comunitário e popular), Grupo de Maracatu,

Periferia Nossa Faixa de Gaza e Movimento Estudantil (Autônomo).

XII) Outros (solidariedade com povos, anti-guerra, refugiados): Movimento

Palestina para Todos (MOPAT); Comitê Autônomo de Solidariedade ao Povo Palestino.

Certamente, esta categorização que fizemos acima não é a única possível, e o leitor pode reagrupar e dividir os grupos e movimentos de inúmeras outras formas. Mesmo esta divisão que fizemos possui muitos problemas e insuficiências, na medida em que um mesmo grupo ou movimento pode se inserir em uma, duas, três ou mais categorias de atuação ou atuar em outras que não sabemos (ou deixar de atuar em alguma, também). Esta relação de atuações dos entrevistados, citada na Tabela 9, poderia ter sido diferente a depender também do círculo em que efetivássemos as entrevistas. Ela fica, portanto, condicionada e limitada pelo alcance de nosso próprio círculo social e de contatos que compõem nossas fontes – e o leitor precisa ter em mente isto, que é um fato muito importante. Ela serve, na verdade, para permitir um vislumbre do (ou ao menos indícios

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do) perfil dos leitores e debatedores de mídias eletrônicas de crítica social, não podendo ser tomada como um quadro conclusivo ou totalizante deste público.

Como pudemos ver, a maioria das atuações elencadas apresenta-se concentrada em questões imediatas e demandas concretas atuais, mais do que nas pautas ideológicas mais abstratas dos partidos e sindicatos tradicionais. No processo de lutas eclodido em Junho de 2013, no Brasil, ficou patente o descrédito e ausência de fé nas mudanças por vias burocráticas e institucionais em amplos segmentos de manifestantes. Isso se manifestou de forma emblemática no rechaço aos partidos políticos tradicionais em manifestações e também no esvaziamento dos atos convocados em Julho de 2013 pelas maiores Centrais Sindicais do Brasil (DIAS: 2013), que exerciam uma tentativa de capitalização política do movimento. Certamente, houve tentativas de apropriação ou capitalização deste descontentamento também por grupos de orientação de direita,

extrema-direita e mesmo “fascistóides”, culminando em agressões a militantes de

esquerda em protestos nos centros de São Paulo e Rio de Janeiro, em Junho de 2013 (DIAS: 2013; DUARTE: 2013). Além disso, o rechaço aos partidos e organizações políticas poderia também se confundir em algumas situações com certa negação do

político (formulada como proposta de efetivação da política como puro ato

“administrativo”, no sentido técnico, aparentemente “neutro”113 – vale lembrar como

atualmente a palavra “política” é frequentemente utilizada na imprensa por gestores para desqualificar greves e ocupações, como um adjetivo negativo – “esta greve é política”.), e uma regressão da contestação das relações sociais de exploração em direção a pautas mais abstratas e moralistas, como a discussão em torno da moralização da política, centrada na questão da corrupção (e uma naturalização consequente das próprias relações

113Obviamente, temos em mente que as funções administrativas são fundamentalmente funções políticas, e

que a ciência administrativa é uma ciência do exercício de poder político sobre a força de trabalho. O que aludimos aqui é o mito ou construção social e ideológica (fortemente difundida na imprensa e no senso comum mais conservador) que atribui uma suposta “neutralidade” ou caráter “apolítico” aos gestores e suas funções administrativas. Na verdade, esta negação do político nada possui de apolítica. Trata-se de pura e simplesmente negar a luta de classes, o conflito, o contraditório; e uma apologia a um totalitarismo de mecanismos tecnocráticos que governariam sem oposição. É uma curiosa contradição – os gestores que exercem poder político acusarem aqueles que os contestam de serem (e terem interesses) “políticos”, e utilizarem a palavra “política” como um insulto. Torna-se possível a construção ideológica de um discurso que tente conduzir o descontentamento social com os aparelhos políticos institucionais em direção à apologia da soberania da tecnocracia e das empresas – ou seja, do Estado Amplo. Podemos ver formulações semelhantes na ideologia de grupos que surgiram depois de Junho de 2013, como o Partido Novo, que defende uma modalidade ainda mais radicalizada de neoliberalismo. Ver - <http://novo.org.br>. Ver também Instituto Liberal do Nordeste - <http://ilinordeste.wordpress.com/>. Atualmente, se difundem novas formulações e polêmicas que chegam a defender um “anarco-capitalismo”, sem Estado ou uma forma de Estado Mínimo ainda mais radical.

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de exploração)114. Porém, o rechaço às instituições da esquerda tradicional partidária e

sindical, na maioria das vezes não expressou apenas posturas conservadoras, mas muitas vezes um descrédito, crise e esvaziamento destas instituições, que passam a ser vistas como meios de enquadramento das lutas sociais ou de imobilização destas. Este fato complexo, por um lado expressa a consciência deste esvaziamento; também em outros setores, houve o rechaço à esquerda tradicional com argumentos conservadores dos mais variados – fator que foi muito denunciado pelas esquerdas tradicionais. Porém, o que queremos salientar aqui é que nem todo rechaço foi simplesmente manifestação conservadora ou “fascistóide”, mas também consciência da crise das instituições de representação e mediação políticas e sindicais. Mesmo a extrema-direita tentou, desde então, convocar inúmeros protestos anticorrupção, e mesmo reeditar a famosa Marcha

da Família, de 1964, pedindo “Intervenção Militar” (contra um suposto “perigo

comunista” do Governo Federal), mas não teve êxito e sua adesão não somou mais do que quatro centenas de pessoas em São Paulo e algumas dezenas de pessoas em outros protestos posteriores (as próprias Marchas Antifascistas convocadas como reação nas mesmas datas foram muito maiores e mais expressivas, como nos demonstrou a própria imprensa na época). Já importantes greves eclodiriam nos meses posteriores, organizadas por fora dos sindicatos, como a famosa Greve dos Garis do Rio de Janeiro, durante o carnaval de 2014, ou as greves de motoristas de ônibus por todo o país, além de outras categorias (como a importante Greve dos Metroviários de São Paulo). Inúmeras lutas autônomas passaram a surgir, desde ocupações de Sem-Tetos em São Paulo, a uma intensificação das lutas indígenas pelo país. Assim, se forma um quadro novo, fragmentário, ainda difícil de ser interpretado com clareza, por comportar elementos muito heterogêneos e contraditórios que expressam a mesma condição fragmentada e heterogênea da classe trabalhadora atual. A própria luta, quando irrompe, o faz de forma fragmentária, expressando reivindicações das mais diversas e, por vezes, contraditórias entre si (DIAS: 2013). Muitas vezes, as formas de ação podem ser horizontalizadas, e as reivindicações ou conteúdos ideológicos expressarem demandas muito imediatas ou mesmo conservadoras. Mesmo setores diferentes da classe trabalhadora podem se opor, por vezes – notou-se em Junho de 2013 um corte entre os protestos da chamada “classe média” (de trabalhadores qualificados e profissionais liberais em aberta proletarização),

114Ver os artigos“Uma nação em cólera: a revolta dos Coxinhas”, in

<http://passapalavra.info/2013/06/79985>, e “20 de Junho: A Revolta dos Coxinhas”, in <http://passapalavra.info/2013/06/79726>.

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e as lutas de periferias pobres. Os setores de trabalhadores qualificados, muitas vezes direcionavam sua insatisfação contra o capitalista coletivo (o Estado Restrito), pois pagam impostos (que entram como parcela da mais-valia social) e não obtém retorno destes em serviços de Saúde, Educação, etc. Nas periferias, lutava-se por água, luz, mais horários de ônibus, contra despejos ou repressão policial. Assim, torna-se possível que em grupos de trabalhadores que se veem como “classe média”, a luta se direcione contra a corrupção, culpabilizando o Estado (e os mais pobres) por gastos como a Bolsa Família e exigindo maior policiamento (e até meritocracia e o corte de assistências sociais para os mais pobres, privatizações, desregulamentação de mercados); enquanto ao mesmo tempo, trabalhadores precários numa favela enfrentem a própria polícia, especuladores e empreiteiras que desejem despejá-los. Ou então, outros grupos que integram a chamada “classe média” podem se somar a lutas com pautas progressistas, como a redução da tarifa de ônibus, ou contra a repressão policial; enquanto setores de trabalhadores precários ligados a igrejas pentecostais mais conservadoras podem se manifestar contra o casamento gay e pautas como as relativas ao aborto. Essa contradição de reivindicações expressa na verdade a dimensão das fraturas que perpassam a classe trabalhadora atual, chegando a opor setores dela contra outros. Quando as mediações políticas tradicionais entram em crise, as reivindicações mais díspares entre si podem emergir.

O esvaziamento dos partidos e sindicatos tradicionais ficou também evidente em nossa pesquisa, quando analisamos a relação de militâncias anteriores dos entrevistados, em que nos salta aos olhos o número de pessoas que já passaram por partidos, sindicatos, e organizações da esquerda tradicional no passado e não pertencem mais a estas (Tabela

10). Também se evidencia no fato de vários entrevistados declararem participação atual

em greves sem estarem atrelados a sindicatos (como sindicalistas), e exercerem engajamentos diversos sem serem vinculados a partidos. Outro fator que chama a atenção é o aumento da participação em grupos autônomos, anarquistas ou independentes declarada pelos entrevistados em sua atuação política atual (Tabela 9), em relação a suas atuações anteriores.

Tabela 10 – Militância anterior (enquanto ex-membro)

Movimentos de Teologia da Libertação 2

Ação Libertadora Nacional - ALN (Luta Armada, 1969-72) 2

Coletivos Autônomos diversos 1

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Movimento Anarco-Punk 2

Grupos Anarquistas (genericamente, sem especificar) 2

Movimentos de Bairro 1

Oposição APEOESP (Sindicato dos Professores Estaduais de

São Paulo) 3

Movimento Passe Livre – MPL 2

Partido Socialismo e Liberdade – PSOL 3

Partido dos Trabalhadores – PT 4

Partido Socialista Brasileiro – PSB 2

Partido Revolucionário Comunista – PRC 1

Coletivo Revolutas (corrente do PSOL) 1

Movimento Estudantil 5

Centro Acadêmico (participante de gestão) 1

Greves independentes (anos 80-90) 3

Comissão de Fábrica 1

União Nacional dos Estudantes - UNE (1967-1970) 1 União Estadual dos Estudantes - UEE (1967-1970) 1

Coletivo Ocupa a Rua (2013) 1

Coletivo Trinca (2009-2011) 5

Organização Socialista Libertária – OSL 2

Resistência Popular – RP 2

Passa Palavra (periódico) 1

Centro de Contra-Informação e Material Anarquista - CCMA 1

Luta Libertária (coletivo anarquista) 1

Centro de Mídia Independente – CMI 1

Observação – Todos os ex-sindicalistas declararam ter sido membros de oposições sindicais. Grande parte dos entrevistados declarou já ter participado de greves. Três ex-membros do PT declararam ter sido fundadores do partido. Muitas pessoas relataram ter passado por várias militâncias diferentes ao longo de anos, o que foi computado na tabela.

Conforme pudemos ver na tabela acima (Tabela 10), dois entrevistados declararam sua passagem pela luta armada contra a Ditadura Militar (na organização Ação

Libertadora Nacional); um entrevistado iniciou sua trajetória pela União Nacional dos Estudantes e União Estadual dos Estudantes, em 1967. Temos também dois relatos de

indivíduos que iniciaram suas atuações em movimentos da Teologia da Libertação nos anos da década de 1980; igualmente, temos quatro declarações de passagem pelo Partido dos Trabalhadores (três como fundadores deste), duas pelo Partido Socialista Brasileiro e uma pelo Partido Revolucionário Comunista, todas durante a década de 1980. Chamam a atenção, especialmente, três relatos de participações em greves independentes e uma participação em Comissão de Fábrica, na mesma década.

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dos Trabalhadores Unificado (PSTU), e três pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); uma passagem pelo Coletivo Revolutas, corrente do PSOL, consta também entre as declarações.

No campo sindical, temos três ex-membros de grupos da Oposição da APEOESP – Sindicato dos Professores. Pelo movimento estudantil mais recente (após 1990), foram declaradas cinco participações passadas, e mais uma como integrante de gestão de Centro Acadêmico. Figura também no quadro uma atuação passada em Movimento de Bairro.

Porém, nos chama a atenção também todo um conjunto mais recente de relatos de atuações em coletivos, grupos e organizações autônomas, anarquistas e independentes. Dois entrevistados relatam ter iniciado sua trajetória pelo Movimento Anarco-Punk; dois por grupos anarquistas não especificados e um indivíduo por “coletivos autônomos

diversos” (assim denominamos, pois na entrevista havia uma lista assombrosa com mais

de dez grupos e uma enorme sucessão de atuações elencadas – L5). Dois indivíduos se declararam ex-membros do Movimento Passe Livre (MPL); dois entrevistados afirmaram ter pertencido à extinta Organização Socialista Libertária e à rede de lutas sociais

Resistência Popular (ambas atuantes no Estado de São Paulo até o ano de 2008. A Resistência Popular, no entanto, existe até hoje em outros estados.). Temos também a

declaração de atuação nos grupos anarquistas Luta Libertária e Centro de Contra-

Informação e Material Anarquista – ambos depois dissolvidos. No campo das mídias

alternativas, que está diretamente relacionado ao nosso objeto de pesquisa, foram declaradas uma atuação passada como voluntário no Centro de Mídia Independente e uma como ex-membro do coletivo Passa Palavra.

Dentre outros coletivos mais recentes, cinco entrevistados declararam ter pertencido ao extinto “Coletivo Trinca” (“Trabalhadores Indispostos com o

Capitalismo”, de orientação Autonomista), e um indivíduo pertenceu brevemente ao Coletivo Ocupa a Rua, no ano de 2013.

Alguns fatos aqui são notáveis. Primeiramente, a passagem dos indivíduos por inúmeros grupos constitui um fato que por si só chama a atenção. Demonstra-se, assim, uma fluidez e flexibilidade de deslocamento dos indivíduos por diferentes grupos e áreas, que não se diferencia da mesma constante migração e fluidez de deslocamento da própria

força de trabalho – que é condição crucial para o estabelecimento do próprio trabalho abstrato (CLEAVER: 1981, p. 152; MARX: 1985, p.51). Este fenômeno de deslocamento

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poderia suscitar pesquisas inteiras; podemos, entretanto, aludir alguns aspectos dele brevemente. Primeiro, o fator de mobilidade gerado pelas próprias relações mercantis, ao esvaziar os conteúdos sociais (e possibilitar a ocultação das relações de exploração sob uma máscara de objetividade aparente), e permitir o trânsito de indivíduos conjuntamente ao trânsito e intercâmbio de mercadorias. A objetividade social da forma-mercadoria torna possível ao sujeito social vagar entre os mais diversos campos, muitas vezes sem encontrar um escopo. Segundo, que o leque da produção social se abre cada vez mais, abarcando cada vez mais domínios e possibilitando uma abstração social crescente, que permite o crescimento de campos que não atuam com produção de transformação ou uma prática material imediata (embora, em termos da lei do valor, se integrem como parte do

trabalhador social agregado ao circuito total de produção de valor – formando um

proletariado expandido que produz valor conjuntamente na Fábrica Social). Este fator propicia um desenraizamento, da mesma maneira que a abstração cada vez maior das relações sociais torna o leque de objetos sociais cada vez mais difuso – e mesmo o objeto a ser combatido se torna também mais difuso – as relações de exploração tornam-se opacas, neste “eclipse social” do sujeito por detrás do objeto. Esta expansão das relações mercantis, que configurou a Fábrica Social, tornou a produção mais difusa, e os próprios modelos teóricos e conceitos tornam-se mais difusos também; os conceitos são interativos, porém, pequenas discordâncias podem se tornar base para conflitos e dissensões – justamente pela perda da unidade e de uma visão de totalidade do processo social. Esta perda da visão de totalidade e da unidade das relações de exploração favorece o espírito de seitas que se fragmentam cada vez mais no campo da esquerda. Entra neste espectro ainda a perspectiva neoliberal e a expressão de formas discursivas do pós- modernismo, que agravam este quadro e facilitam ainda mais o desenraizamento, a atomização e esta mobilidade constante. Grupos políticos e movimentos sociais passam assim por um processo de “protestantização” (MYKONIOS, 2014), onde autofagias internas geram uma fragmentação, fator de desgaste que expressa também uma dificuldade de traduzir o conceitual em prática política efetiva ou em projetos de classe. Esse mesmo processo também é acompanhado da construção, dentro de organizações políticas ou movimentos sociais, de relações de poder burocráticas ou mesmo pessoais e informais (ou uma mescla de ambas as formas). Há uma prevalência histórica prolongada da burocratização dentro das esquerdas, que segue até a atualidade; e conjuntamente a este processo, uma articulação atual em torno mais de aspectos de ordem cultural e de narrativas do que em torno de afrontas às relações sociais de exploração. Assim, a

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constituição de discursos pós-modernos, multiculturalistas e conceituações sobre o

“politicamente correto” se tornam fatores que agravam a mesma fragmentação

(BERNARDO, 2014). Porém, o fator mais importante, como aludimos acima, é a própria condição do trabalhador atual, cada vez mais sujeito à flexibilização e precarização de suas condições de trabalho (o que atinge também os trabalhadores intelectuais e do setor de predomínio do regime da mais-valia relativa), de estar sob constante movimentação entre diferentes locais, empregos e situações sociais, dentro do espectro do trabalho abstrato. Essa situação torna, sobretudo, difícil o estabelecimento de raízes, de laços de solidariedade e identidade que são fundamentais para a construção de coletivos e grupos mais fortes.

Sobre este terreno comum dentro de diversos campos das esquerdas, torna-se possível uma migração constante dos indivíduos. Se expressa assim uma insatisfação constante que pode se traduzir num constante deslocamento dos sujeitos de um grupo a outro, em busca de uma atuação mais coerente. Também se soma a isso a própria formação social brasileira, que expressa um desenraizamento, uma espoliação ou despossessão permanente, que se traduzem na dificuldade de uma formação – algo que fica sempre inconcluso (DUARTE, 2014)115. Assim, coletivos políticos, grupos e movimentos enfrentam esta imensa dificuldade de formação e consolidação de identidade, que muitas vezes determina o colapso rápido dos grupos (e muitas vezes por falta de enraizamento social). Isso foi particularmente verdadeiro para a luta armada durante a Ditadura Militar (1964-1985); e também a curta duração de existência de muitos coletivos se insere neste âmbito.

Assim, percebemos uma notável circulação das pessoas entre grupos e movimentos ao longo do tempo. Nem todos os grupos também desaparecem – eles podem

115“Não que falte qualquer forma. Há um processo particularmente moderno de formação em curso, avançado e vanguardista a seu modo, que se inverte em produção do retrocesso. Naquilo que se forma, portanto, talha-se a marca da violência, o horror de uma desfiguração incurável do conteúdo. Daí a fugacidade, a morte iminente, a descontinuidade em toda linha e em toda dimensão. Na economia, o

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