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colocar roupa nova em algo velho: “Ao você tomar os conhecimentos para si, você compreende a complexidade do que você vive e de como você se constitui enquanto humano nos seus próprios processos.” (P6).

Diante da riqueza de sentido e significado presentes nas narrativas dos entrevistados, esse momento de organização dos dados empíricos permitiu a sistematização daquilo que os pesquisadores trouxeram sobre os seus estudos na perspectiva do outro, sobre o alcance dos seus trabalhos investigativos e o quanto o outro está envolvido em seus estudos. Tais relatos suscitam o entendimento de que, de modo geral, o outro está estabelecido nas abordagens científicas, embora alguns ainda reconheçam a necessidade de ampliar esta condição.

As situações descritas neste item, possibilitam a abordagem daquilo que Santos identifica como aplicação técnica e aplicação edificante do conhecimento. Para ele, na primeira

"Quem aplica o conhecimento está fora da situação existencial em que incide a aplicação e não é afectado por ela.” (SANTOS, 2003, p. 180). Além disso, “A aplicação assume como única a definição da realidade dada pelo grupo dominante e reforça-a. Escamoteia os eventuais conflitos e silencia as definições alternativas.” (SANTOS, 2003, p. 180). Por outro lado, o segundo modo de aplicação privilegia situações concretas com comprometimento social, ético e existencial perante o impacto da aplicação; o processo é argumentativo e a luta é pelo equilíbrio de poder, excluindo o silenciamento e o estranhamento por parte dos envolvidos.

Sendo assim, a aplicação edificante conduz para comportamentos de construção, desconstrução e reconstrução, tanto por parte da ciência como por parte do senso comum.

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A utilização da ciência para fins políticos preocupa os pesquisadores, pois fortalece o estabelecimento de relações hierárquicas, algo a ser desconstruído pela ecologia do reconhecimento. Essa preocupação também traz alguns receios sobre a popularização da ciência, conforme os entrevistados apontam, pois observam que o debate científico muitas vezes acontece sem contextualização ou embasamento científico. Nesse sentido, também há o reconhecimento de que a PC é algo que precisa ser debatido, inclusive “um Brasil em que as opiniões são reproduzidas de uma forma muito leviana, muito descomprometida com a dimensão social” (P5).

Para evitar o comportamento hierárquico, conforme defendido pela ecologia do reconhecimento, os pesquisadores observam que os dados científicos não devem ser encarados com arrogância, de modo impositivo e desconsiderando outras possibilidades de interpretação do tema colocado em estudo. O importante é não codificar as pesquisas como algo certo ou errado, pois o errado hoje pode ser usado para auxiliar uma interpretação em outro momento.

Considera-se ainda que, ao buscar a desconstrução da hierarquia na ciência por meio da PC, haverá um esforço para a desqualificação da lógica da classificação social: “Quem é inferior, porque é insuperavelmente inferior, não pode ser uma alternativa credível a quem é superior.”

(SANTOS, 2044, p. 788).

Tomando por base a lógica da classificação social, presente no tensionamento da ecologia do reconhecimento, pode-se dizer que a ciência muitas vezes é alvo dessa lógica, quando enfrenta o posicionamento de pessoas céticas, que buscam diversas formas para derrubar as pesquisas. Com base nestas colocações, o P2 considera que ao popularizar, o pesquisador precisa estar preparado para contra-argumentar, comparar, ampliar as reflexões, estar aberto às contradições e retificações.

Outro aspecto que os pesquisadores trazem para ser observado com atenção é o contexto das redes sociais, pois embora se reconheça a sua importância, o uso desta ferramenta pela ciência, infelizmente ainda é algo que não atinge toda a população, tendo em vista o acesso restrito ainda existente. Isso traz à tona as diferenças existentes pela lógica da classificação social e algo a ser observado, quando apresentado como crítica pelos pesquisadores e estando presente nos objetivos da ecologia dos reconhecimentos.

A eliminação da desqualificação do humano é uma das premissas da ecologia dos reconhecimentos e pode ser colocado em relação com o que os entrevistados apresentam como crítica a PC, ao falarem dos cuidados necessários com as fake news, por exemplo: “a gente achava que a falta de acesso à informação é que faziam as pessoas cometerem erros né, mas hoje em dia você tem acesso a todas as informações do mundo, só que corre o risco de que a

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informação esteja equivocada.” (P3). Nesse sentido, é possível reforçar a argumentação a favor da PC com um trabalho sério, a ser desenvolvido para conscientizar as pessoas a respeito da necessidade de buscarem fontes confiáveis para a abordagem de assuntos científicos e não se tornarem vítimas de um sistema que não reconhece o impacto da ciência na vida das pessoas.

Como mencionado pela P3, o movimento anti vacinas decorre de uma publicação que coloca a público informações que não são confiáveis. Vários artigos, a exemplo disso, já foram retirados de circulação por terem falha, fraudes ou falsificação de resultados: “esse é um exemplo de desserviço à ciência.” (P3). Observa-se, assim, que são várias diferenças que fazem parte do universo científico e que precisam ser respeitadas sem exclusões, por meio de relações que tenham a verdade como fundamento de suas práticas,

Uma entrevistada traz a importância da circulação da pesquisa, evitando que ela seja conhecida apenas por um grupo reduzido de pesquisadores, mas lembra que isso exige cuidado com a elaboração de informações em diferentes formatos para o alcance de vários públicos.

Ainda, é possível observar duas preocupações: uma procura evitar a hierarquização da pesquisa ao fazer referência à necessidade de circulação, seguindo os pressupostos da ecologia dos reconhecimentos; e a outra demonstra a preocupação com o trabalho de popularização bem desenvolvido para alcançar diferentes públicos. Essa entrevistada reconhece que “estando na universidade, temos um compromisso social. Por exemplo, eu não posso, simplesmente, recolher um conjunto de documentos, me servir desses documentos e depois não dar as devolutivas. Isso é uma questão ética, uma questão social, de cidadania.” (P6). Seguindo esta prerrogativa, teremos possíveis comportamentos que não excluem pessoas em função de diferenças sociais ou hierarquias, conforme a lógica da classificação social.

Com base nos dados construídos, é possível observar que existem críticas reveladoras de resistência por parte de alguns pesquisadores sobre a PC, porém isso não caracteriza descrédito pelo tema ou o desconhecimento dessa possibilidade, nem tão pouco o interesse pela desigualdade ou pela hierarquização. O que tensiona a realização da PC parece estar relacionado com a necessidade de direcionamentos políticos e institucionais, bem como a necessidade de apoio administrativo para tais ações. Sobre esse aspecto, alguns receios apresentados pelos pesquisadores tais como: simplificação das informações, apropriação de ideias e projetos, falta de tempo para dedicação à causa, resistência e dificuldade em relação às redes sociais e tecnologia, são situações que podem estar sob a gestão de um dos indicadores que serão propostos a seguir, como um dos resultados desta pesquisa.

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Um fator que reveste o comportamento dos pesquisadores ao criticarem alguns aspectos sobre a popularização da ciência é o zelo contido na tarefa de pesquisar. Sobre este aspecto, Piccoli e Panizzon observam que

os pesquisadores compreendem a relevância da popularização …, mas destacam a necessidade de apoio institucional para esta prática; os documentos institucionais preconizam a interação entre academia e sociedade, mas efetivamente observam-se esforços individuais nesse sentido; a ampliação de debates e reflexões sobre o tema apresenta-se como algo a ser explorado e a resolução dos problemas sociais por meio de embasamento científico precisa ser valorizado e reconhecido. (PICCOLI;

PANIZZON, 2021, p. 19).

As reflexões de Piccoli e Panizzon, por meio de um estudo exploratório sobre o tema popularização da ciência, vem ao encontro de muitos relatos pronunciados pelos pesquisadores entrevistados para o estudo que se apresenta. Isso leva ao estabelecimento de relações que se complementam e favorecem as interpretações que serão apresentadas nos próximos capítulos.

Os egressos também são mencionados pelos pesquisadores como um público a ser reconhecido tomando como pressuposto as referências de Santos (2004), pois são importantes interlocutores para a PC, tanto na perspectiva do senso comum como da academia. Isso se justifica pelo fato de que, são pessoas que representam o social, estão inseridos nesta esfera de acordo com as vivências que possuem e também representam a academia, em função da formação realizada neste âmbito e das vivências no espaço universitário.

É importante observar que o momento identificado como sinalizador de críticas, colocado em relação a ecologia dos reconhecimentos, pode sinalizar a existência das possíveis resistências em relação à popularização da ciência e isso acarreta possíveis riscos para este movimento, com resultados desconhecidos, mas conforme forem surgindo terão de ser encarados como desafios para a superados por meio da prática da aplicação edificante.

9.4 A ECOLOGIA DAS TRANS-ESCALAS E O OLHAR PARA A GOVERNANÇA