• Nenhum resultado encontrado

A economia da pecuária de corte na Amazônia – breve retrospectiva

A Microeconomia da Pecuária de Corte na Amazônia

4.1 A economia da pecuária de corte na Amazônia – breve retrospectiva

Desde o início da década de 70, a atividade pecuária na região era apontada como predatória e causa principal da intensificação do processo de desertificação. Ela só se tornava lucrativa eventualmente por causa do baixo preço de aquisição da terra, subsidiada pela SUDAM. Além disso, a venda da madeira extraída na própria área produzia recursos suficientes para pagar o custo da terra, o desmatamento, a queimada, a plantação da pastagem e ainda a aquisição de todo o gado necessário para iniciar o rebanho. O proprietário usufruía da fertilidade proveniente das cinzas da queimada por alguns poucos anos e depois abandonava a terra (Tamer, 1970). Schneider et alli (2000) também apontam que até meados da década de 80 a pecuária não tinha desempenho financeiro satisfatório com o uso de tecnologia tradicional. Ela só seria positiva se houvessem incentivos fiscais, ganhos especulativos

com a terra, ou uma favorável relação preço do gado/ insumos (World Bank, 1991). Hecht et alli (1988), defendendo a mesma tese, apontavam ainda o sobrepastejo e juros baixos como fatores explicativos adicionais. Algumas de suas simulações indicavam que a pecuária “moderna” seria viável somente em condições muito especiais. A postulação era que os grandes fazendeiros buscavam não incentivos para o gado, mas para outros objetivos: a pecuária era praticamente isenta de imposto de renda, o gado era uma garantia de posse sobre a terra, a floresta em pé era considerada improdutiva e existiam incentivos e créditos subsidiados para a pecuária.

Mesmo nos trabalhos mais recentes, Scheneider (op.cit.) relata baixas taxas de retorno da atividade, não conseguindo apresentar uma justificativa econômico/financeira para o aumento do rebanho bovino. Arima & Uhl (1996) encontraram taxas internas de retorno baixas e até negativas para a atividade da pecuária de corte. Porém, os resultados também evidenciavam taxas acima de 20% para a mesma atividade quando se utilizava a técnica de reforma de pastagens, resultados já indicados por Mueller (1977).

Num dos livros provavelmente mais abrangentes a respeito, Faminow (1998) argumenta que muitos dos estudos são inconsistentes com a prática observada: os modelos econômicos em geral admitem tecnologias fixas, o que é muito inadequado para a Amazônia; quase nunca incorporam as óbvias diferenças nos sistemas de produção – leiteira, corte, e múltiplo – que implicam estruturas do gado, processamento e comercialização, investimentos, custos e receitas, enfim, economias completamente distintas. Além disto, uma série de fatores não diretamente econômicos, ou não diretamente ligados à microeconomia da produção pecuária, não eram captados nos modelos que tentavam estimar taxas de retorno “teóricas” da atividade, muitos dos quais foram de fato corroborados pela breve pesquisa de campo ainda do paper conceitual, bem como na pesquisa de campo na fronteira especulativa19 (veja também Veiga et alli, 2001):

n ainda que conhecida, o gado é uma óbvia forma de garantir a posse da terra, o que é uma prioridade absoluta na fronteira como já visto; n em relação à agricultura, principalmente às culturas temporárias, o risco da atividade é baixíssimo em termos de mercados, de comercialização, de preços dos produtos (a despeito da leve tendência de queda, o preço da carne tem crescido em relação ao das principais culturas agrícolas), das condições climáticas e de pragas;

n também em relação à agricultura, a pecuária demanda menores investimentos iniciais e apresenta retornos num período muito menor; n o gado é uma forma de capital líquido,

facilmente transacionável; n o transporte é relativamente fácil;

n a atividade tem baixíssima demanda por mão- de-obra;

n a pecuária é ótima para tapear todo tipo de fiscalização (ao contrário da terra plantada); n no caso dos pequenos produtores, há benefícios

indiretos, como outros produtos animais, a tração, a adubação, além da venda da madeira, que vale também para os grandes;

n no caso dos grandes proprietários, existe o poder político e cultural de ser um grande latifundiário/fazendeiro.

19 Ficou claro durante a pesquisa de campo na fronteira

especulativa que a criação de gado é vista pela totalidade dos atores locais como um investimento seguro, rentável e que demanda pouco trabalho. O Sr. Alexandre Manoel Trevisan, o Maneca, pecuarista estabelecido em Castelo de Sonhos, manifesta-se favoravelmente à pecuária como a atividade de “vocação” da região: “Ela faz menos giro de dinheiro (comparativamente

com a atividade madeireira), só que é mais seguro. Você sabe aquilo que você tem. Eu, por exemplo, ando com os pés no chão, eu sei o que vou fazer e aquilo que eu posso fazer. A madeira é diferente. Se trancar lá fora (referindo-se a problemas relacionados ao movimento ambientalista e ao MMA e Ibama), ou não conseguir um documento para tirar madeira, vai parando tudo. E mexer com gado não, você vê uma carga de boi, você sabe se dá 10 mil real, ou se dá mais, você sabe que deve três mil no comércio, mil de combustível, dois contos para pagar os funcionários e o

No mesmo ano e em outro artigo, Young e Fausto (1998) fazem as mesmas críticas aos modelos anteriores e começam a apontar para a viabilidade financeira da pecuária em partes da Amazônia. Outros estudos também indicavam a viabilidade da pequena pecuária leiteira (com taxas de retorno de 12%) e da pecuária de corte em pastagens reformadas (taxas de 12-21%). Parte da crítica às baixas taxas de retorno encontradas na literatura mais antiga talvez possa advir do fato que, mesmo hoje, as técnicas de manejo e de produção vêm ainda sendo testadas e disseminadas e os trabalhos não capturavam as novas práticas e tendências. Além disto, uma hipótese não excludente, os dados de campo podem ter sido buscados em regiões de fronteira especulativa, ou junto a produtores menores e/ou menos capitalizados na fronteira consolidada, levando a subestimativas sobre o potencial de produção. Os resultados se antagonizam com a contínua expansão da pecuária na Amazônia e tornam-se mais limitados ainda quando se tenta generalizar estudos locais para todo o contexto amazônico20.

Em resumo, as análises econômicas que sugerem

uma baixa rentabilidade da pecuária na Amazônia, ou que sugerem sua viabilidade apenas quando baseada em subsídios ou ganhos especulativos, vão claramente contra a tendência inexorável tanto da contínua expansão dos desmatamentos e da área dedicada à pecuária na região, como contra a também inquestionável

redução, ou eliminação, dos subsídios e créditos do governo para a atividade na Amazônia (ver próximo capítulo).

Como sugerem Schneider et.al (op.cit), há um reconhecimento de que “... o aumento do rebanho bovino

e da pecuária, tanto extensiva de grande porte como de pequenos, continua sem uma boa explicação econômico-financeira empírica. Várias hipóteses, como ganhos de capital com valorização da terra, necessitam de verificação empírica”.