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Capítulo II – Da Educação Especial às Necessidades Educativas Especiais

2.6 A Educação e o desafio da multideficiência

Enquanto conceito, a multideficiência tem evoluído incorporando diferentes pontos de vista, no entanto, a sua definição não é ainda consensual (Barroso & Mesquita, 2014).

Como o nome indica, a existência de duas ou mais incapacidades gera necessidades diferentes nos seus portadores. Podem ser de ordem física, psíquica ou sensorial e geram necessidades específicas que dão origem a cuidados únicos, quer no âmbito pessoal, quer nos processos de desenvolvimento e valorização. Normalmente, tais incapacidades prolongam-se no tempo e são bastante condicionantes e restritivas, o que provoca graves dificuldades de integração e participação no contexto escolar e familiar.

Os portadores de multideficiência são geralmente muito dependentes dos outros, realidade que se prolonga ao longo da vida, face ao carácter de irreversibilidade, da maioria das incapacidades, em particular, a visão, a audição e a fala. Obviamente, que a incapacidade motora, apesar de registar diferentes graus, também representa uma forte restrição.

Gjermestad (2017) chama a atenção que este quadro de restrições e incapacidades impossibilita os seus portadores de se afirmarem e de se fazerem ouvir com reflexos que podem cruzar a negligência, a incompreensão ou uma má interpretação.

Também Orelove, Sobsey e Gilles (2017) salientam que mais de uma deficiência, quer no âmbito das necessidades de aprendizagem, quer no âmbito dos cuidados pessoais, aumenta as dificuldades com que se deparam estes alunos, no entanto, as deficiências não devem ser encaradas numa visão de somatório de limitações, mas sim, num prisma de conjunto, e de uma forma construtiva.

Esta forma de olhar a multideficiência traduz a necessidade de analisar capacidades inseridas num determinado contexto interativo e dinâmico. Concretamente, e apesar de ser plausível criar conjuntos de características comuns perante determinadas interações e níveis de deficiência, é evidente que os seus portadores apresentam necessidades de aprendizagem singulares e excecionais, que ultrapassam a conceção redutora da simples combinação de duas ou mais limitações Orelove et al. (2017).

Pawlyn e Carnaby (2009) destacam que a problemática da multideficiência comporta um risco acrescido ao desenvolvimento e aprendizagem e que apesar da possibilidade de alguma caracterização geral, a interação que se estabelece entre as diferentes deficiências e as

experiências que cada sujeito vivencia faz com que estas crianças ou jovens, sejam pessoas com características singulares.

Para Nunes (2005) o olhar sobre a existência de mais de uma deficiência não se deve reduzir à associação de deficiências como forma de constituição de grupos e defende que a heterogeneidade do grupo, é natural pelas sinergias únicas que as limitações produzem em cada portador. Não existem dois casos iguais e o grau de gravidade é extremamente variado.

Miles e Riggio (2008) alertam para a importância da construção de uma abordagem de não adição de deficiências, mas sim, de construção de um olhar único sobre a natureza da multideficiência, nos seus diferentes enquadramento e especificidades.

Segundo Petry e Maes (2009), a existência da multideficiência é só por si um desafio à qualidade de vida dos seus portadores. A nível físico as restrições motoras, as anomalias do esqueleto, as malformações, os problemas visuais ou auditivos, os problemas respiratórios ou os problemas do foro neurológico, como as crises de pânico ou de epilepsia, representam um desafio constante para superar ou conviver com tais limitações, pelo que ultrapassa o contexto físico e cruza aspetos sociais e de vivência em sociedade.

Por conseguinte, quer as limitações, quer as patologias associadas, têm inevitavelmente reflexos na forma de estar e deste modo no ritmo e forma de aprendizagem. Cumpre destacar que um aluno que padeça de determinadas restrições pode simplesmente ter dificuldade em se sentir confortável durante várias horas na posição de sentado.

A capacidade de ver, ouvir ou movimentar-se é muito importante para interagir com as pessoas e os objetos, e para muitas das crianças ou jovens com multideficiência, qualquer desempenho destas tarefas pode ser uma atividade muito difícil e que requer treino e trabalho árduo. Em termos sociais é frequente a dificuldade de comunicação, de estabelecimento de laços afetivos, de afirmação ou mesmo de tomada de decisão sobre aspetos básicos do dia a dia (Pawlyn & Carnaby, 2009).

A existência das limitações anteriormente referidas promove experiências de aprendizagem e de convívio limitadas fruto das dificuldades sensoriais e neurológicas. As características motoras e sensoriais de grande parte dos alunos portadores de multideficiências fazem com que a interação com os outros seja muito condicionada, e a informação que lhes chega, fragmentada. O processamento da informação é realizado em conformidade com o grau de capacidades existente.

De realçar, igualmente, que a impossibilidade de exploração do meio envolvente, por parte destes alunos restringe a sua compreensão sobre o mesmo, afetando o desenvolvimento de capacidades e competências (Nunes & Amaral, 2008).

Orelove et al. (2017) enunciam algumas combinações de incapacidades e descrevem os cenários mais frequentes. Explicam que as limitações sensoriais envolvem dificuldades visuais e auditivas que condicionam a receção da informação e a sua absorção e transformação em conhecimento. Alegam que a informação captada através desses sentidos é essencial na aquisição e consolidação do conhecimento já existente. Afirmam ainda que as limitações cognitivas estão relacionadas com as capacidades de interpretação da informação e que os problemas motores limitam a capacidade de movimentos e, por conseguinte, de exploração e interação com o ambiente.

Sensíveis aos mesmos problemas, Pawlyn e Carnaby (2009) salientam que num quadro de multideficiência problemas de saúde, na sequência das patologias mencionadas, enfraquecem e diminuem as capacidades existentes.

Numa ótica multidimensional é por demais evidente que dificuldades vivenciadas por quem é portador de multideficiências variam em função do grau de incapacidade e condições de saúde, mas também, estão muito dependentes das condições de qualidade de vida que lhes são proporcionadas. Quanto maiores forem os obstáculos à sua participação em sociedade, mais difícil se torna atingir um bom desempenho num processo de aprendizagem. Quanto mais e melhores condições forem disponibilizadas, mais fácil é conseguir envolvimento e empenho.

Este aspeto é muito relevante, dado que, frequentemente as condições exteriores e as barreiras atuam como elementos potenciadores de maior desgaste físico e psicológico, pelo que são contraproducentes para um bom desempenho ao nível da aprendizagem. Neste sentido, é imprescindível a existência de planos, programas ou mesmo sistemas de apoio adequadas e capazes de promover o exercício o mais pleno possível de direitos.

Assim, “intervir em multideficiência coloca-nos perante novos desafios em termos de aprendizagem, participação, realização pessoal e da igualdade de oportunidades ao longo da vida num exercício individual e coletivo de cidadania” (Saramago, Gonçalves & Duarte, 2008, p.13).

As propostas educativas que Saramago et al. (2008) preconizam devem estar alicerçadas num modelo centrado na participação em atividades em sintonia como as vivências do dia-a- dia, com uma realidade do quotidiano, que cruza a comunicação, a interação e a promoção de

relações afetivas. Apesar de nem sempre ser fácil, estes alunos precisam muito de conviver em ambientes onde existam oportunidades para vivenciar experiências diversificadas e para interagir (Gjermestad, 2017).

Nunes e Amaral (2008) sintetizam a sua linha de pensamento e argumentam que estes alunos evidenciam um conjunto amplo e diversificado de necessidades pelo que carecem decididamente de um apoio intensivo e de uma intervenção específica. Em simultâneo, é fundamental ter parceiros que se preocupem e que demostrem uma colaboração efetiva. Para estes alunos é essencial vivenciar experiências reais em ambientes diferenciados que proporcionem aprendizagens significativas.