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A educação e o esclarecimento da sexualidade

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Capítulo IV – O discurso de sexualidade construído pelas revistas Atrevida e

3. A educação e o esclarecimento da sexualidade

Como um dos objetivos desta pesquisa foi verificar se as revistas contribuíam para o esclarecimento sobre a sexualidade, e de que forma faziam isso, partimos de uma leitura cuidadosa do corpus e contamos com alguns elementos textuais que nos serviram como marcas do tipo de discurso construído para se tocar neste assunto e que foram devidamente categorizados. Neste sentido, buscamos verificar a presença de elementos didatizantes, analisando sua freqüência nos textos das duas revistas. De fato, na maior parte das reportagens analisadas, o autor do discurso valeu-se destes elementos para tornar mais fácil a compreensão do assunto abordado. Entre as matérias analisadas, 24 contaram com o recurso das metáforas, comparações, exemplificações, parafrasagens, definições e nomeações. Os mais utilizados nos textos das revistas analisadas foram a comparação, a metáfora e a exemplificação. É nítida a preocupação do jornalista em passar a informação de cunho científico, porém, encontrando formas de aproximar-se do adolescente por meio de uma linguagem de mais fácil entendimento. Nesse sentido, os recursos acima citados são bastante úteis e foram bem explorados, como se vê no exemplo da revista Atrevida: “Ninguém nasce ‘pronto’. Uma flor só é uma flor depois de passar pela fase do botão [...] então, por que a gente tem de ser especialista em coisas que ainda nem rolaram?” (MERCATELLI, 1996c, p. 44, grifo do autor). Para explicar a sensação relacionada ao orgasmo, por exemplo, numa edição da revista Atrevida, podemos notar que, além de valer-se de elementos didatizantes, há a busca de um léxico mais próximo ao do adolescente, o que resulta numa construção bastante coloquial: “A sensação de prazer se intensifica [...] Depois, vem uma sensação de calma. Se você adivinhou que a culpa é das endorfinas, parabéns. Entendeu direitinho a lição de química mais interessante do planeta” (MERCATELLI, 2006a, p. 68).

No geral, ambas as revistas evitaram o uso de termos técnicos e, mesmo quando foram introduzidos na sentença, eles foram devidamente esclarecidos, utilizando-se, inclusive, muitos dos recursos descritos acima.

Vale a pena destacar um outro elemento importante na construção do discurso de sexualidade das duas revistas e que não sofreu grandes modificações nos dois momentos históricos analisados: o uso dos verbos no imperativo. Essa formação evidencia o propósito de convencimento, de formação intrínseco à atividade jornalística dirigida a jovens, especialmente no caso das publicações estudadas. Assim, vamos notar nos textos algumas colocações como: “Caso ainda não tenha contado aos seus pais, não espere mais [...] Procure fazer o pré-natal o mais rápido possível (MERCATELLI, 2006b, p. 100) ou “Não hesite em abordar o assunto camisinha por medo de perdê- lo” (MERCATELLI, 2006c, p. 64).

Em outros momentos, a tentativa de convencimento ganha tom de conselho mas, ainda assim, a presença do jornalista no texto fica bastante marcada e são evidentes as relações de força estabelecidas entre enunciador e co-enunciador. Nesse caso, a revista recobra-se de uma certa autoridade ao falar com o adolescente, o que torna seu discurso mais persuasivo. No exemplo a seguir, essa realidade fica mais clara: “Transar é coisa séria! Por isso, uma dica: quando estiver 100% segura de que quer iniciar sua vida sexual, procure um médico de sua confiança [...] E lembre-se de que a pílula não vai protegê- la das doenças sexualmente transmissíveis!” (TARANTO, 2006, p. 102).

Ao mesmo tempo, o discurso construído pelas revistas adolescentes ao tratar do tema sexualidade, além de dar pistas sobre a idéia que o autor tem de si mesmo ao se colocar no texto, também nos permite fazer algumas reflexões sobre o interlocutor ideal – captamos, também a partir destes textos, a tentativa de antecipação, em relação ao entendimento que será feito pelo interlocutor. Nesse sentido, se há um cuidado especial ao abordar o assunto, cercando a adolescente de conselhos e alertas, podemos presumir que predomina a visão do jovem como um ser em processo de formação de identidade e, portanto, que necessita de referências e padrões para o comportamento na esfera social.

Em relação ao discurso das duas revistas, vale destacar, também, além da linguagem coloquial e do uso de imperativos, o tratamento da leitora por “você” e o uso da primeira pessoa, como pudemos ver nos trechos destacados ant eriormente. Também é recorrente a inserção do narrador na narrativa, como no trecho: “Normal que fiquem confusos [...] Afinal, na adolescência sabemos ainda muito pouco a respeito de nós mesmos” (MERCATELLI, 1996a, p. 62, grifo nosso). Isso nos faz considerar que as revistas valem-se de uma certa intimidade entre enunciador e co-enunciador, com o propósito claro de valorizar a informação dada, não só porque esta adquire um status de verdade mas porque esta se torna a verdade necessária para o contexto das leitoras. Em outras palavras, para que a menina assuma

determinado comportamento proposto pela revista é necessário que ela acredite no que está lendo e que valorize esta informação tal como um segredo confiado pela melhor amiga.

Outra estratégia das revistas no sentido de imprimir aos textos um tom de conversa é o uso constante de perguntas no desenvolvimento das matérias. Nos trechos a seguir, exemplificamos esse modo de construir o discurso: “Em 73, a Associação Americana de Psiquiatria declarou que a homossexualidade não é doença mental, e [...] que seria anti-ético tentar mudar a orientação sexual de um gay [...] Daí que mesmo com todas essas declarações, um em cada quatro paulistanos acham que homossexualidade é doença. Pode?” (O QUE..., 1996, p. 98). “Será que você, ainda tão jovem, está preparada para isso?” (MERCATELLI, 2006d, p. 88).

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