• Nenhum resultado encontrado

A Educação e o exercício da cidadania numa Sociedade do Conhecimento e da

Capítulo 1 – Linhas de base da atual conceção de Educação e sua relação com os

1.1. A Educação e o exercício da cidadania numa Sociedade do Conhecimento e da

Atualmente, a sociedade exige que a Escola, com a ajuda da família e do meio envolvente, forme cidadãos ativos, conscientes, independentes e críticos.

O exercício da cidadania nos contextos social, cultural, económico e político atuais exige aos cidadãos uma postura crítica e instigadora de ideias proficientes para o exercício da democracia e uma praxis que necessita obrigatoriamente de ser reinventada e animada através do envolvimento ativo nos grupos sociais e sustentada numa participação democrática com sentido de responsabilidade crítica e orientada para o bem comum.

É inegável que a cidadania é um direito do Homem, já que encerra em si um conjunto de direitos civis, sociais, políticos e culturais. Da mesma forma, atribui a cada cidadão deveres nestes mesmos domínios. Pertencer a uma sociedade pressupõe um eu social que configura o conceito de cidadania, indissociável da consciência de se ser cidadão e de se ter consciência cívica. O civismo é, em simultâneo, um direito e um dever

de todo o cidadão. Ele é também – e sobretudo – um modo de ser e uma implicação pessoal na construção da sociedade (Praia, 2001, p. 17).

É responsabilidade dos cidadãos reivindicar esses direitos e cumprir esses deveres, integrando-se num espaço coletivo de debate democrático e verdadeiro, centrado nos problemas e necessidades da comunidade.

Este exercício da cidadania implica uma educação promotora de uma consciência crítica e mobilizadora dos cidadãos, para que assumam responsabilidades perante os desafios com que se confrontam. Quer a educação formal, quer a não formal ou informal, têm um papel crucial a desempenhar no desenvolvimento de uma cidadania ativa e na promoção da vida e da cultura democráticas e devem apoiar-se numa ação pedagógica que tenha em conta as constantes mudanças sociais e culturais das sociedades contemporâneas.

Numa Sociedade da Informação e do Conhecimento, exige-se a aquisição e desenvolvimento de saberes válidos, que todos os cidadãos devem possuir para aprender ao longo da vida. A ausência destes saberes põe em causa a realização pessoal, social e profissional do indivíduo (CNE, 2004).

Logo, a procura da qualidade na Educação tem como principal objetivo a construção da cidadania, alicerçada no aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. É no desenvolvimento de competências em todos estes domínios que deverão centrar-se os processos de ensino e aprendizagem, visando a formação de cidadãos críticos e atuantes, capazes de resolver problemas através de um agir informado por valores, que se traduz na reconfiguração do saber ser (Faure, 1974; Delors, 1996; Cachapuz, Sá-Chaves & Paixão, 2004; Ministério da Educação/DGIDC, 2008).

À semelhança do que se passa a nível internacional, com particular destaque para a esfera de ação da União Europeia, as políticas educativas portuguesas pretendem promover um ensino que permita ao aluno crescer a nível pessoal, social e profissional, mas também o dote de condições para fazer uma leitura crítica da realidade e participar ativamente na vida social.

Já em 1986, a Lei de Bases do Sistema Educativo consagrava um importante domínio da educação, ao estipular que o sistema educativo português visava “contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos” e “assegurar a formação cívica e moral dos jovens”. Por isso, no seu artigo 47º, previa que os planos curriculares do Ensino Básico deveriam incluir “em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito”.

Segundo Fonseca (2001, p. 38):

“A cidadania requer aprendizagem e exige participação, a qual, por sua vez, é factor inerente à criação de comunidades humanas. Num contexto socialmente estimulante, que vai muito para além das fronteiras das escolas, a coragem de nos expormos à multiplicidade de influências resultante da articulação e da inter-relação entre instituições formativas diversas é, seguramente, a principal condição para que todos nós, durante toda a vida, possamos aprender e desenvolver atitudes e competências de cidadania.”

Neste contexto, a Educação não pode limitar-se a transmitir conteúdos, tem de contribuir para o desenvolvimento da consciência crítica do aluno relativamente ao seu entorno e da sua autoconsciência crítica. Consiste, igualmente, em desenvolver a sua capacidade para contribuir para a configuração e reconfiguração do seu mundo social. Selecionar com base empírica os conhecimentos linguísticos e os métodos pedagógicos que, nos distintos contextos e nas diferentes idades, possibilitam melhor esses desenvolvimentos é uma tarefa necessária e dependente do desenvolvimento da investigação e da praxis a ela associada.

A tomada de consciência da personalidade própria e das dos outros, a participação na vida da comunidade, o desenvolvimento de um espírito crítico, a construção de uma identidade pessoal, social e cultural instituem-se, de igual forma,

conducentes ao exercício de uma cidadania responsável num mundo em permanente mutação, onde o indivíduo deve afirmar a sua personalidade sem deixar de aceitar e respeitar a dos outros, conhecer e reivindicar os seus direitos sem deixar de conhecer e cumprir os seus deveres.

Como a cidadania é uma das grandes questões da educação, um dos desafios que enfrentamos é: como educar para o século XXI, se estamos a viver tempos de incertezas, tempos de transformações radicais em todos os setores da vida humana?

Numa sociedade feita de imprevisibilidades e de incertezas, como é a nossa, parece readquirir importância a formação de cidadãos com saberes diversificados e atualizados, que sustentem a reflexão, a ação e, sobretudo, a tomada de decisões e escolhas críticas. Trata-se de um imperativo numa sociedade em que, na verdade, as decisões mais determinantes escapam cada vez mais ao cidadão comum. E, para isso, é necessário que o cidadão tenha informação ampla necessária e disposição para a adquirir, para em cada momento fundamentar devidamente as suas decisões.

Pode a Escola ficar imóvel em contextos sociais em transformação? O bom senso leva-nos a pensar que, se a sociedade muda, a escola tem de evoluir com ela, ou antes, antecipar, até mesmo inspirar as transformações culturais. Só assim a Educação se presta à defesa da liberdade, da autonomia e, em última instância, da cidadania. Os processos educacionais devem cumprir um papel social, não apenas visando a inserção no mercado de trabalho, mas também o desenvolvimento de um olhar crítico sobre os acontecimentos do quotidiano. Espera-se da educação que possibilite o crescimento intelectual, moral, ético e crítico do indivíduo. Entretanto, devemos interrogar-nos sobre o tipo de cidadãos que pretendemos formar (Ferraz, 2007).

Entre o fim do século passado e o início deste, os sistemas educativos têm conhecido várias reformas, cujo objetivo central é procurar adaptá-los às características da sociedade pós-moderna. Tal tarefa exige um ensino orientado para a aquisição e desenvolvimento de competências transversais. Esta problemática pode ainda ser associada às questões surgidas em torno do conceito de literacia. É neste contexto que devemos situar a crescente preocupação com o fraco nível de literacia (linguística, matemática, científica e digital) que caracteriza quer a população portuguesa adulta

(Benavente, Rosa, Costa, et al., 1996; OECD & Statistics Canada, 2000), quer os alunos à saída do Ensino Básico (OECD, 2001, 2004, 2007 e 2010).

Se a escola não inscrever nas suas finalidades o desenvolvimento de uma competência comunicativa alargada, dificilmente poderá preparar para a “Sociedade do conhecimento” (Ferrão Tavares, 2004, p. 22).

A destreza compreensiva e crítica, que permite situar a mensagem no contexto histórico e transcender essa mesma mensagem para chegar ao propósito do emissor, é o que faz dos cidadãos pessoas cultas e responsáveis pelos seus atos. E este é um objetivo educativo prioritário, que a Escola, em geral, e a Educação em Línguas, em particular, devem assumir quanto antes.

É crescente o peso político e social de práticas sociais mais vastas que envolvem o escrito, em múltiplos suportes e em diversos contextos. Deste modo, o conceito de literacia é também uma palavra-chave para muito mais complexas perspetivas do desempenho social. Linguagem e sociedade, contextos escolares e não-escolares, educação formal e não-formal, ensino e aprendizagem ao longo da vida, multiculturalismo e sustentabilidade surgem como questões em estreita articulação e às quais não pode ser alheia a reflexão sobre a mediação da palavra escrita.

O mundo atual carateriza-se por uma multiplicidade de textos, cada um organizado de acordo com os seus códigos e convenções, servindo funções diferentes e requerendo, por isso, competências específicas. A literacia escrita envolve, inevitavelmente, um conjunto muito amplo de competências que implicam a construção da significação, configurada em diferentes formas e em diversos contextos, além de profundamente imbricada nas práticas culturais e sociais. O seu domínio está associado ao desenvolvimento de competências de acesso, análise e comunicação de uma ampla variedade de textos (fazendo uso da linguagem verbal e de linguagens não verbais, assim como de todas as combinações possíveis entre elas).

Esta perspetiva de literacia reflete o meio comunicacional complexo em que nos movemos e é necessário tomá-la como ponto de partida, se se pretender atingir, plenamente, objetivos educativos mais amplos, de forma a preparar os estudantes para viver como cidadãos informados e realizados, numa sociedade democrática.

É ainda de salientar que, neste contexto, os aspetos centrados na compreensão na leitura ocupam um lugar de destaque. Segundo Sim-Sim (2002b, p. 9), “O âmbito do conceito de literacia mantém-se associado às exigências da sociedade, mas essas exigências estão hoje marcadas com uma complexidade crescente.”

A leitura assume primordialmente uma função social e é vista como instrumento de cidadania, na medida em que permite o acesso à informação e construção do conhecimento. É o conhecimento e o uso efetivo que se faz dele que permitem a construção da sociedade. Pessoas acostumadas à leitura, aptas a penetrar os horizontes veiculados em textos mais críticos apresentam maior aptidão para enfrentarem os problemas sociais. Assim, leitura, conhecimento e cidadania complementam-se, pois sem leitura não há formação, nem conhecimento, nem cidadania. E sem cidadania, não pode existir uma sociedade (Caldin, 2003).

Por conseguinte, as atuais diretrizes políticas em Educação atribuem ao ensino/aprendizagem do Português um lugar de relevo na formação dos cidadãos e exigem da área curricular disciplinar de Língua Portuguesa, principal responsável por este processo, um contributo de peso para a aquisição e desenvolvimento de todas as competências que os alunos deverão possuir à saída do Ensino Básico (Ministério da Educação, 2001; Valadares, 2003; Duarte & Morão, 2006; Reis, 2009).

Documentos relacionados