• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – Linhas de base da atual conceção de Educação e sua relação com os

1.2. Políticas educativas centradas na promoção da cidadania

1.2.2. No contexto nacional

Em Portugal, como noutros países, tem-se procurado encontrar soluções para os graves problemas suscitados pelos elevados níveis de iliteracia da população em geral e dos estudantes em particular, que passam pela adaptação ao contexto nacional das diretrizes internacionais, relativas a políticas educativas.

No ano letivo de 1996/97, o Ministério da Educação, através do Departamento da Educação Básica, lançou o Projeto de Reflexão participada sobre os currículos do Ensino Básico, com o propósito de contribuir para a construção de uma escola mais humana e inteligente, tendo em vista a formação e o desenvolvimento integral de todos os seus alunos e a promoção de aprendizagens realmente significativas (Abrantes, 2001). Tal esforço levou à tomada de consciência do facto de que a aquisição e desenvolvimento de competências têm de responder melhor às necessidades educativas dos aprendentes, assim como às exigências da sociedade. A formação a este nível deverá promover uma articulação mais estreita entre a Educação e a Sociedade, facilitando a transição para o mercado de trabalho.

À semelhança da Comissão Europeia, também o Ministério da Educação português procurou definir competências essenciais e transversais, a adquirir e desenvolver no Ensino Básico.

Para fazer a análise de manuais no âmbito do nosso estudo, tivemos em conta um conjunto de competências, que passamos a apresentar.

Desse conjunto constam cinco competências transversais, que são apresentadas no Quadro 1:

Competências transversais Situações de aprendizagem

Métodos de trabalho e de estudo

Participar em actividades e aprendizagens, individuais e colectivas, de acordo com regras estabelecidas. Identificar, seleccionar e aplicar métodos de trabalho e de estudo. Exprimir dúvidas ou dificuldades. Analisar a adequação dos métodos de trabalho e de estudo, formulando opiniões, sugestões e propondo alterações.

Tratamento de informação Pesquisar, organizar, tratar e produzir informação em função das necessidades, problemas a resolver e dos contextos e situações.

Comunicação

Utilizar diferentes formas de comunicação verbal, adequando a utilização do código linguístico aos contextos e às necessidades. Resolver dificuldades ou enriquecer a comunicação através da comunicação não verbal, com aplicação das técnicas e dos códigos apropriados.

Estratégias cognitivas

Identificar elementos constitutivos das situações problemáticas. Escolher e aplicar estratégias de resolução. Explicitar, debater e relacionar a pertinência das soluções encontradas em relação aos problemas e às estratégias adoptadas.

Relacionamento interpessoal e de grupo

Conhecer e atuar de acordo com as normas, regras e critérios de atuação pertinente, de convivência, trabalho, de responsabilização e sentido ético das ações definidas pela comunidade escolar nos seus vários contextos, a começar pela sala de aula.

Quadro 1 – Competências transversais (DEB, 1999)

Estas competências estão ligadas à aquisição de mecanismos facilitadores do acesso ao conhecimento, apelando a métodos de estudo e de trabalho, tais como a pesquisa, a consulta, a organização ou o tratamento da informação, e tornam-se aspetos nucleares do currículo escolar.

Posteriormente, acompanhando a reorganização curricular, foi publicado o Currículo Nacional do Ensino Básico, onde se adota uma conceção de competência que:

“integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como saber em acção ou em uso. Deste modo, não se trata de adicionar a um conjunto de conhecimentos um certo número de capacidades e atitudes que viabilizam a utilização dos conhecimentos em situações diversas, mais familiares ou menos familiares ao aluno). Neste sentido, esta noção aproxima-se do conceito de literacia. A cultura geral que todos devem desenvolver como consequência da sua passagem pela educação básica inclui a apropriação de um conjunto de conceitos e processos fundamentais, mas não se identifica com o conhecimento memorizado de termos, factos e procedimentos ‘básicos’, desprovido de elementos de compreensão, interpretação e resolução de problemas. A aquisição progressiva de conhecimentos é relevante se for integrada num conjunto mais amplo de competências e se for enquadrada por uma perspectiva que valoriza o desenvolvimento de capacidades de pensamento e de atitudes favoráveis à aprendizagem.” (Ministério da Educação, 2001, p. 9)

No CNEB, foi apresentado um conjunto de dez competências gerais (Ministério da Educação, 2001, p. 15):

(1) Mobilizar conhecimentos culturais, científicos e tecnológicos para entender a realidade e para abordar situações e problemas do dia a dia pela descoberta da multiplicidade de dimensões da experiência humana através do acesso ao património escrito herdado por diferentes épocas e sociedades e que constitui um arquivo vivo da experiência cultural, científica e tecnológica da Humanidade.

(2) Usar com correção linguagens de diferentes áreas do saber cultural, científico e tecnológico para se expressar, sendo rigoroso na recolha e análise de dados linguísticos e objetivo na procura de regularidades linguísticas e na formação das generalizações adequadas para as obter.

(3) Fazer um uso correto da língua portuguesa para comunicar de forma adequada e para estruturar o pensamento próprio. Levar o aluno a assumir o papel de ouvinte atento, de interlocutor cooperativo em situações de comunicação que exijam algum grau de formalidade e fazê-lo reconhecer a pertença à comunidade nacional e transnacional de falantes da língua portuguesa e respeitar as diferentes variedades linguísticas do Português e das línguas faladas por minorias linguísticas no território nacional.

(4) Usar línguas estrangeiras para comunicar com correção em situações do quotidiano e para a apropriação de informação e transferir o conhecimento da língua portuguesa para a aprendizagem de línguas estrangeiras.

(5) Adotar metodologias personalizadas de trabalho e de aprendizagem adequadas aos objetivos em vista, através do desenvolvimento e domínio de metodologias de trabalho, tais como sublinhar, tirar notas e resumir.

(6) Pesquisar, selecionar e organizar informação a fim de a transformar em conhecimento mobilizável;

(7) Adotar estratégias adequadas à resolução de problemas e à tomada de decisões pelo uso de estratégias de raciocínio verbal na resolução de dificuldades.

(8) Realizar atividades de forma autónoma, responsável e criativa e exprimir-se oralmente e por escrito de uma forma confiante, autónoma e criativa.

(9) Cooperar com os outros em tarefas e projetos conjuntos.

(10) Relacionar harmoniosamente o corpo com o espaço, numa perspetiva pessoal e interpessoal promotora da saúde e da qualidade de vida.

No âmbito de um ensino orientado para a aquisição e desenvolvimento de competências indispensáveis à adaptação às características da sociedade moderna, tal como ele é definido atualmente pelo poder político português (Ministério da Educação, 2001), um cidadão ativo, consciente, independente e crítico deve ser capaz de mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e para abordar situações e problemas do quotidiano.

De igual forma, a escola deve preparar o aluno para usar adequadamente linguagens das diferentes áreas do saber cultural, científico e tecnológico, expressar-se e usar corretamente a língua portuguesa, a fim de comunicar de forma adequada e estruturar o seu pensamento. O domínio de línguas estrangeiras deve permitir-lhe comunicar adequadamente em situações do quotidiano e contribuir para apropriação de informação.

Deve também ser capaz de adotar metodologias personalizadas de trabalho e de aprendizagem adequadas aos objetivos pretendidos e de pesquisar, selecionar e organizar informação e adotar estratégias adequadas à resolução de problemas e à tomada de decisões.

Para finalizar, deve ainda ser capaz de realizar atividades de forma autónoma e criativa, cooperar com outros em tarefas e projetos comuns e relacionar harmoniosamente o corpo com o espaço, numa perspetiva pessoal e interpessoal promotora da saúde.

Acabamos de mencionar competências gerais que estão na base do aprender a aprender e favorecem a aquisição e desenvolvimento de saberes que, por sua vez, permitem aprendizagens processuais e a aquisição e desenvolvimento de competências instrumentais.

Fica bem patente que o Ensino Básico tem como objetivo fundamental assegurar uma formação de base comum a todos, constituída pelos saberes e competências estruturantes ligadas ao ser, ao saber, ao pensar, ao fazer e ao aprender a viver juntos. Assim, pretende-se que, no final do Ensino Básico, o aluno tenha adquirido e desenvolvido as referidas competências.

Não é demais enfatizar o facto de que todas estas competências são transversais, atravessando todas as áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares), ao longo de toda a escolaridade obrigatória, sendo igualmente relevantes na vida extraescolar dos alunos. Se assim não fosse, as aprendizagens feitas na escola só seriam úteis neste contexto e esta converter-se-ia numa instituição fechada em si própria e desprovida de interesse social (Meirieu, 1988).

No CNEB foram também definidas competências específicas para as diferentes áreas curriculares disciplinares, entre as quais a Língua Portuguesa, como se pode verificar pelo quadro abaixo apresentado (Ministério da Educação, 2001).

Compreensão oral

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo

Alargamento da compreensão a

discursos em diferentes

variedades do Português,

incluindo o Português padrão: - Capacidade de extrair e reter a informação essencial de discursos em diferentes variedades do Português, incluindo o Português padrão;

- Familiaridade com o vocabulário e as estruturas gramaticais de variedades do Português e conhecimento de chaves linguísticas e não linguísticas para a identificação de objectivos comunicativos.

Alargamento da compreensão a géneros formais e públicos do oral:

- Capacidade de seleccionar e reter a informação necessária a um determinado objectivo, na compreensão de diferentes géneros do oral;

- Conhecimento do vocabulário e das estruturas gramaticais do Português padrão que permitam seleccionar e reter informação em função do objectivo visado.

Compreensão de formas complexas

do oral exigidas para o

prosseguimento dos estudos e para a entrada na vida profissional - Capacidade de extrair informação de discursos de diferentes géneros formais e públicos do oral, cuja complexidade e duração exijam focalização da atenção por períodos prolongados;

- Conhecimento das estratégias linguísticas e não linguísticas utilizadas explícita e implicitamente para realizar diferentes objectivos comunicativos.

Expressão Oral

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo

Alargamento da expressão oral em Português padrão:

- Capacidade de se exprimir de forma confiante, clara e audível, com adequação ao contexto e ao objectivo comunicativo;

- Conhecimento de vocabulário diversificado e de estruturas sintácticas de complexidade crescente

Domínio progressivo de géneros formais e públicos do oral: - Capacidade para utilizar recursos prosódicos e pragmáticos adequados ao objectivo visado; - Conhecimento de vocabulário preciso e da complexidade gramatical requerida para narrar situações precisas e imaginadas, elaborar relatos e formular perguntas.

Fluência e adequação da expressão oral em contextos formais:

- Capacidade de utilização de recursos expressivos, linguísticos e não linguísticos, como estratégias de adesão, de oposição e de persuasão; - Conhecimento vocabular e gramatical requerido nos géneros formais e públicos do oral necessários para o prosseguimento dos estudos e para a entrada na vida

Leitura

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo

Aprendizagem dos mecanismos básicos de extracção de significado do material escrito:

- Capacidade para decifrar de forma automática cadeias grafemáticas, para localizar informação em material escrito e para apreender o significado global de um texto curto;

- Conhecimento de estratégias básicas para a decifração automática de cadeias grafemáticas e para a extracção de informação de material escrito;

Autonomia e velocidade de leitura e criação de hábitos de leitura: - Capacidade para ler com autonomia, velocidade e perseverança;

- Conhecimento de estratégias diversificadas para procurar e seleccionar informação a partir de material escrito.

Fluência de leitura e eficácia na selecção de estratégias adequadas ao fim em vista:

- Capacidade para reconstruir mentalmente o significado de um texto (literário e não literário) em função da relevância e da hierarquização das unidades informativas deste;

- Conhecimento das chaves linguísticas e textuais que permitem desfazer ambiguidades, deduzir sentidos implícitos e reconhecer usos figurativos. Expressão Escrita

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo

Domínio das técnicas

instrumentais da escrita:

- Capacidade para produzir textos escritos com diferentes objectivos comunicativos;

- Conhecimento das técnicas básicas de organização textual;

Automatismo e desenvoltura no processo de escrita:

- Capacidade para produzir textos escritos adequados ao objectivo, à situação e ao destinatário;

- Conhecimento das técnicas fundamentais da escrita compositiva;

Naturalidade e correcção no uso multifuncional do processo de escrita:

- Capacidade para usar multifuncionalmente a escrita, com consciência das escolhas de correntes da função, da forma e destinatário;

- Conhecimento dos géneros textuais e das técnicas de correcção e aperfeiçoamento dos produtos do processo de escrita. Conhecimento Explícito

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo

Desenvolvimento da consciência

linguística com objectivos

instrumentais

- Capacidade de usar o conhecimento da língua como instrumento na aprendizagem da leitura e da escrita;

- Conhecimento de paradigmas flexionais e de regras gramaticais básicas.

Alargamento e sedimentação da

consciência linguística com

objectivos instrumentais e

atitudinais:

- Capacidade de reflexão linguística com objectivos instrumentais e atitudinais;

- Conhecimento sistematizado de aspectos fundamentais da estrutura e do uso do Português padrão.

Conhecimento sistematizado dos aspectos básicos da estrutura e do uso do Português:

- Capacidade de reflexão linguística com objectivos cognitivos gerais e específicos;

- Conhecimento sistematizado dos aspectos fundamentais da estrutura e do uso do Português padrão, pela apropriação de metodologias de análise da língua. Quadro 2 – Competências específicas por ciclo (Ministério da Educação, 2001)

A articulação entre as competências transversais, as competências gerais e as competências específicas, em cada área curricular (disciplinar ou não disciplinar), constitui um elemento fulcral do desenvolvimento do currículo.

Colocam-se, assim, diferentes desafios à Educação. Evidencia-se a necessidade de transformar a passagem dos cidadãos pelo sistema educativo numa oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento de competências e não simplesmente de aquisição de conhecimentos. Só uma educação com estas características permitirá ao cidadão fazer face às exigências da sociedade moderna, em que os conhecimentos estão em constante alteração (Sá, 2006a).

Ao nível do Ensino Básico, a aquisição e desenvolvimento deste tipo de competências requer que se invista no reforço das ofertas em termos da educação, com percursos qualificantes, flexíveis e adaptados a novos projetos de vida e profissionais. A mobilização de dinâmicas associativas locais, com destaque para parcerias privilegiadas entre os pais, as autarquias e outras instituições na constituição de respostas de animação socioeducativa é também salutar.

Apoiando-nos em Roldão (2003, p. 23), alertamos para “o equívoco de se achar que, por exemplo, para desenvolver processos se negligenciam os produtos, ou que para aprender a compreender se deixa de memorizar, ou que para trabalhar segundo metodologias de pesquisa se abandona a passagem de informação, ou que uma abordagem interdisciplinar é oposta ao aprofundamento de cada saber disciplinar”. Deste modo, é claro que a competência não exclui, mas exige a apropriação de conteúdos. Adquirir e desenvolver competências e capacidades é naturalmente compatível com a apropriação de conhecimentos essenciais em ambiente caracterizado pela aplicação de metodologias capazes de envolverem os alunos na construção ativa das suas aprendizagens. Será um "saber em ação", como defende a proposta agora em análise, quando ensaia uma nova noção de competência: “integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como um saber em acção”.

Para atingir estes objetivos são necessários projetos pedagógicos que aliem as aprendizagens à educação na cidadania e para a cidadania. Como afirma Le Boterf (1994; 2002), a competência é um conceito sistémico, uma organização inteligente e ativa de

conhecimentos adquiridos, apropriados por um sujeito, e postos em confronto ativo com situações e problemas.

O aprofundamento da unidade interna e da sequencialidade dos três ciclos do Ensino Básico, garantindo a aquisição dos conhecimentos, o desenvolvimento das competências-chave essenciais e a promoção do ensino experimental são outros dos princípios da educação básica em Portugal.

De igual forma, perspetiva-se uma maior flexibilidade do contexto de aprendizagem, que promova o desenvolvimento de competências diversificadas, com particular relevo para as competências básicas. Entre as abordagens propostas, figuram a utilização de novas pedagogias, a adoção de currículos transversais destinados a complementar o ensino individual de cada disciplina e uma maior participação dos alunos na definição dos seus percursos de aprendizagem. Ao apostar-se no reforço dos mecanismos e competências de diferenciação pedagógica, procura-se eliminar o abandono escolar precoce e promover o sucesso educativo (Ministério da Educação, 2001; Valadares, 2003; Reis, 2009).

CAPÍTULO 2 – Estatuto e papel da língua portuguesa no contexto do atual sistema de

Documentos relacionados