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Ao trazer o histórico do surgimento da educação profissional, Dante Moura (2007) aponta que os primeiros indícios do que se pode denominar como educação profissional

referem-se à criação do colégio das fábricas, fruto de um decreto de 1809 do Príncipe Regente, futuro D. João VI. Conforme afirma o autor, a origem da educação profissional no Brasil está ligada a uma perspectiva assistencialista que objetivava “[...] ‘amparar os órfãos e os demais desvalidos da sorte’, ou seja, de atender àqueles que não tinham condições sociais satisfatórias, para que não continuassem a praticar ações que estavam na contra-ordem dos bons costumes” (MOURA, 2007, p. 6).

A partir do início do século XX, é possível observar uma mudança na finalidade proposta à educação profissional, que passa de uma preocupação assistencialista para a preparação de operários para o exercício profissional. Tal como expõe Moura (2007), em 1906, o ensino profissional passa a ser atribuição do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, e esse órgão busca a consolidação de uma política de incentivo para preparação de ofícios dentro destes três ramos da economia.

Tortato (2008), ao contextualizar a história do ensino profissional, menciona o surgimento das Escolas de Aprendizes Artífices e pontua que a disciplinarização para o trabalho era prioridade dessa forma de ensino, conforme expõe a autora:

A relação constante entre trabalho e disciplina, ou a disciplina pelo trabalho, marcou o desenvolvimento do ensino técnico-profissional no Brasil. Todos os esforços das classes dominantes em formar, educar e disciplinar a classe trabalhadora se fazem notar através da concepção de ensino de suas instituições como, por exemplo, as Escolas de Aprendizes Artífices criadas em quase todas as capitais de estado em 1909. Essas escolas visavam à preservação e disciplinarização da infância, pois se destinavam aos menores de idade e à formação de trabalhadores para a indústria através de ensino prático e conhecimentos técnicos com noções básicas de Língua, Matemática e Desenho, assim como Educação Moral e Cívica. [...] (TORTATO, 2008, p. 24).

Conforme pontua a autora, em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde pelo governo provisório de Getúlio Vargas. Somado a isso, com a crise do modelo oligárquico agroexportador, o modelo de desenvolvimento industrial continua se intensificando e as discussões sobre o ensino em geral e o ensino profissional foram pauta das primeiras medidas tomadas pelo governo. O resultado desse processo é a Reforma Francisco Campos, criada em 1931. A questão central dessa reforma

[...] é a dualidade diluída no discurso, [em que se divide a formação em ciclos, sendo que] O primeiro ciclo garantiria a formação para os setores industriais e o segundo continuaria destinado às elites, já que os alunos das classes menos favorecidas dificilmente poderiam manter seus estudos por tanto tempo. (TORTATO, 2008, p. 25).

Acresce Moura (2007) que o processo de industrialização e modernização das relações de produção que emergia como realidade no Brasil exigiu, das camadas dirigentes, um posicionamento mais efetivo no que diz respeito à educação nacional, resultando disso a promulgação de diversos Decretos-Lei que visavam normatizar a estruturação da educação. Conforme expõe o autor,

Este conjunto de decretos ficou conhecido como as Leis Orgânicas da Educação Nacional – a Reforma Capanema, em função do então ministro da educação, Gustavo Capanema. Os principais decretos foram os seguintes: Decreto nº. 4.244/42 – Lei Orgânica do Ensino Secundário; Decreto nº. 4.073/42 – Lei Orgânica do Ensino Industrial; Decreto nº. 6.141/43 – Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decreto nº. 8.529/46 – Lei Orgânica do Ensino Primário; Decreto n. 8.530/46 – Lei Orgânica do Ensino Normal e; Decreto nº. 9.613/46 – Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Além disso, o Decreto-lei 4.048/1942 - cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, que deu origem ao que hoje se conhece como Sistema “S”. (MOURA, 2007, p. 8/9).

Menciona o mesmo autor que esses Decretos-Lei evidenciam o espaço de importância que a educação profissional passou a ter no pais, especialmente a educação profissional, para a qual foram definidas leis específicas direcionadas a cada ramo da economia e à formação de professores em nível médio. Também pondera Moura (2007, p. 9) que “[...] a criação do SENAI, em 1942, seguida do SENAC, em 1946, e dos demais ‘S’ ao longo das décadas seguintes, revelam a opção governamental de repassar à iniciativa privada a tarefa de preparar ‘mão-de- obra’ para o mundo produtivo”.

Em que pese a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em um processo que durou treze (13) anos de tramitação, Moura (2007, p. 11) acentua que o documento resultante refletiu as contradições da sociedade, em particular da esfera educacional. Sintetiza o autor:

[...] a primeira LDB envolve todos os níveis e modalidades acadêmica e profissional de ensino e, por um lado, proporciona a liberdade de atuação da iniciativa privada no domínio educacional, mas, por outro, dá plena equivalência entre todos os cursos do mesmo nível sem a necessidade de exames e provas de conhecimento visando à equiparação.

Outro importante momento a ser mencionado refere-se à reforma da educação básica promovida pela Lei nº. 5.692/71 – Lei da Reforma de Ensino de 1º e 2º graus –, que se constituiu em uma tentativa de estruturar a educação de nível médio brasileiro como sendo profissionalizante para todos. No entanto, acentua Moura (2007), o cumprimento dessa medida evidenciou a falta de condições e investimento nas escolas estaduais, ocasionando especialmente uma rápida saturação profissional, evidenciando as Escolas Técnicas Federais

como referência de qualidade para a educação profissional, bem como o fato de que as escolas particulares não se submeteram a essa profissionalização, mantendo-se e acentuando-se a dualidade do ensino.

Conforme acresce Acácia Zeneida Kuenzer (2005), ao se fazer uma análise histórica da educação, observa-se que essa se caracteriza por uma estrutura dual na qual há tipos diferentes de escola para distintas classes sociais. Tendo em vista que essa característica dual ainda é realidade, é possível concluir que, dada a realidade e contexto em que a população está inserida, as trajetórias escolares serão diferentes. Assim, para aquelas pessoas com maior acesso aos bens culturais e econômicos, a trajetória quase sempre perpassa o acesso a uma educação propedêutica e possível ingresso em cursos superiores. Para a maioria da população, tem-se por destino uma educação básica muitas vezes precária, associada à formação para o trabalho a partir de cursos Técnicos e/ou cursos tecnólogos.

No processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases, conforme destacam Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marlise Ramos (2005), ressurge o conflito da dualidade. De um lado, a defesa da formação profissional lato sensu integrada à formação geral nos seus múltiplos aspectos humanísticos e científico tecnológicos. As/o autoras/r citadas/o destacam que na proposta inicial havia a prerrogativa de uma educação com vistas a propiciar às/aos estudantes “[...]o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não se deveria, então, propor que o ensino médio formasse técnicos especializados, mas sim politécnicos” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 35). Entretanto, o texto aprovado, de acordo com Moura (2007, p. 15),

[...] é minimalista e ambíguo em geral e, em particular, no que se refere a essa relação – ensino médio e educação profissional. Assim, o ensino médio está no Capítulo II que é destinado à educação básica, constituindo-se em sua última etapa. Enquanto isso, a educação profissional está em capítulo distinto (Capítulo III), constituído por três pequenos artigos.

Especialmente no que se refere ao ensino médio, Kuenzer (1997, p. 9) pontua que “[...] o ensino de nível médio se destaca dos demais como o nível de mais difícil enfrentamento ao longo da história da educação brasileira, em decorrência da sua dupla função: preparar para a continuidade de estudos e ao mesmo tempo para o mundo do trabalho”.

Direcionando nosso olhar ao ensino médio profissional e tecnológico, espaço específico desta pesquisa, recorremos às suas Diretrizes Curriculares, nas quais evidencia-se que a educação profissional é, antes de tudo, educação. Assim sendo, rege-se pelos princípios explicitados na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional de 1996. Dessa forma, para a formulação e desenvolvimento dos projetos pedagógicos das escolas e instituições de educação profissional e proposição de cursos Técnicos, deve-se considerar os princípios contidos no artigo 3.º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, quais sejam: a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, a liberdade de aprender e ensinar, a valorização dos profissionais da educação.

De acordo com a LDB (Lei 9.394/96), a Educação Profissional e Tecnológica será desenvolvida por meio de cursos e programas de: I - formação inicial e continuada de trabalhadores; II - educação profissional técnica de nível médio; e III - educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação. A partir do que estabelece a LDB, a educação profissional, desenvolvida sistematicamente em instituições de ensino, faz parte da educação escolar e deve articular-se

[...] à formação básica que deve ser comum a todos os brasileiros e brasileiras, de modo a assegurar-lhes a formação indispensável ao exercício da cidadania, à efetiva participação nos processos sociais e produtivos e à continuidade dos estudos, na perspectiva da educação ao longo da vida. (KUENZER; GRABOWSKI, 2006, p. 298).

Ressalta-se que o ensino técnico/educação profissional, de acordo com Lima Filho e Queluz (2010, p. 20), constitui-se como um local privilegiado de contradições sociais, econômicas, políticas, culturais e filosóficas. Conforme esses autores:

O ensino Técnico industrial, ou educação profissional técnica e tecnológica, é marcado, já no processo de sua constituição, pela tensão entre o objetivo de qualificação/desqualificação do trabalhador (Marx, 1978 18 : 559), e o de transmissão/apropriação/transformação do conhecimento tecnológico.

Pensando especialmente no ensino médio, visto ser esse o nível de ensino em que se busca conhecer as discussões referentes às relações de gênero, Saviani (2007) argumenta que, nesse nível, a relação entre educação e trabalho é direta, retomando a relação entre conhecimento e prática com o fim de contribuir para o processo de trabalho. Nesse sentido, o autor propõe a discussão que diferencia o ensino profissionalizante do ensino politécnico. O primeiro, tal como posto por Saviani, propõe uma profissionalização adestrante a uma determinada habilidade sem o conhecimento dos fundamentos pertencentes a ela. Já a politecnia19 significa “[...] especialização como domínio dos fundamentos científicos das

18 MARX, Karl. O Capital, L. 1, v. 1, São Paulo, Difel, 1978.

19Tal como nos apresenta Lucília Machado (1992, p. 19),Politecnia “[...] representa o domínio da técnica no nível

intelectual e a possibilidade de um trabalho flexível com a recomposição das tarefas a nível criativo [...] vai além de uma formação meramente técnica ao pressupor um perfil amplo de trabalhador, consciente, e capaz de atuar

diferentes técnicas usadas na produção moderna” (SAVIANI, 2007, p. 161).

Diante do exposto, é possível concluirmos que as propostas educacionais brasileiras, em que pese o ensino médio, especialmente a partir dos anos 2000, ora tendem a atender às expectativas dos princípios da politecnia, ora se concretizam para atender aos interesses imediatos do capital. Lembra-nos Frigotto (2006) que, ao se ter em vista a concepção dialética da realidade histórica, as dimensões econômica, política, científicas e técnicas da educação são construídas de forma articulada e por diferentes mediações em uma sociedade de classes. Dessa forma, são permeadas de contradições, conflitos, antagonismos e disputas. Nesse contexto, tal como posto por Antonio Gramsci (1979, 2000), o papel da educação e da escola tende a reproduzir as relações sociais dominantes do capital, dentre as quais destacam-se aqui as desiguais relações de gênero apontadas no capítulo anterior, bem como interessa à classe trabalhadora como possibilidade de superação do modo de produção capitalista.

Cremos que a proposta de ensino médio integrado pode ser uma possibilidade de educação com a perspectiva de formação humana integral ou politécnica, mas, para isso, as bases da educação fundamental precisam ainda estar fortalecidas e à/ao trabalhadora/r deve ser possibilitado o real domínio de suas técnicas de trabalho.

Por fim, acreditamos que a escola, enquanto instituição social que emerge, é construída e forma sujeitos a partir das exigências dos meios de produção e da sociedade capitalista. Aos sujeitos, deveria ser-lhes proporcionada a possiblidade de escolha entre seguir a permanente vinculação com o processo produtivo ou a especialização universitária. No entanto, essa realidade não faz parte da vida da imensa maioria de trabalhadoras/es no Brasil, especialmente àquelas/es para quem a realidade de um curso Técnico subsequente representa o último degrau a ser alcançado.

Nesse contexto, o surgimento dos Institutos Federais de Educação20, criados a partir

da Lei 11. 892 de 2008, representam um novo debate no que se refere à educação profissional e tecnológica. Essas escolas contemplam a possibilidade de diversas modalidades de ensino em um único espaço, podendo as/os estudantes cursarem ensino médio integrado, subsequente, ensino superior e pós-graduação.

criticamente em atividades de caráter criador e de buscar com autonomia os conhecimentos necessários para o seu progressivo aperfeiçoamento”.

4 O PERCURSO METODOLÓGICO

Maria Cecília de Souza Minayo (2013) destaca que o processo de investigação/pesquisa depende da escolha metodológica adequada ao seu campo de estudo, o que pode ser definido como o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Nesse caminho, incluem-se o método, as técnicas, a experiência pessoal e sensibilidade da/o pesquisadora/r.