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A educação no Regime Militar no contexto da abertura ao capitalismo internacional

9 Avaliação do currículo

1.5 A educação no Regime Militar no contexto da abertura ao capitalismo internacional

O significado do golpe militar de 1964 tem que ser buscado não no que era afirmado em palavras, nos discursos justificadores de tal movimento, segundo Ribeiro (1998), e sim nos resultados das medidas implantadas concretamente pelos governos que se seguiram. Quando os golpistas tomaram a presidência da República e decretaram o Ato Institucional nº 1, no qual afirmavam textualmente que “os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o povo é o único titular”, Ghiraldelli (2001) diz que o país entrou num período em que as palavras perderam completamente o significado real.

Os atos institucionais baixados pelo governo demonstravam claramente que o que estava em processo era a criação de uma nova ordem econômica, social e política. Não que houvesse uma mudança efetiva no modelo nacional-desenvolvimentista, mas uma adequação,

14 Paulo Freire criticava a educação verbalista, o ensino baseado na memorização, o bacharelismo, e pregava uma educação voltada para a vida, para os problemas circunstanciais. Para ele a escola oficial além de autoritária, estaria a serviço de uma estrutura burocratizada e anacrônica incapaz de colocar-se ao lado dos oprimidos. Classificou a educação convencional como bancária, uma educação calcada numa ideologia de opressão que considerava o aluno como alguém despossuído de qualquer saber e, por isso mesmo, destinado a se tornar depósito dos dogmas do professor (GHIRALDELLI, 2001).

36 com a ascensão de novas forças políticas e econômicas no comando do aparelho governamental15 e a supressão dos movimentos populares que reivindicavam maior participação nos benefícios provindos do desenvolvimento. Conforme Ghiraldelli (2001), o fortalecimento das teses das esquerdas, no sentido de optar pela radicalização do nacionalismo e promover reformas que viessem a melhorar as condições de vida da população trabalhadora, colocavam em risco os planos da burguesia industrial brasileira e não inspiravam confiança suficiente ao capital estrangeiro para a sua manutenção e incrementação. O golpe de 64 viria para proporcionar as garantias reclamadas, criando o modelo de desenvolvimento com segurança – a ideologia da segurança nacional da Escola Superior de Guerra – ESG.

No campo da educação, as reformas do ensino promovidas no período ditatorial corresponderam a um esforço de alinhar o sistema educacional pelo fio condutor da ideologia do desenvolvimento com segurança. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968 foram firmados doze acordos entre o Ministério da Educação e Cultura - MEC e a Agency for International Development - USAID, com a finalidade de diagnosticar e solucionar problemas da educação brasileira na linha do desenvolvimento internacional baseado no capital humano,16 o que comprometia a política educacional do país as determinações dos técnicos americanos e agências financiadoras internacionais (HILSDORF, 2003). Representantes do governo ditatorial procuravam demonstrar que havia a necessidade de atrelar a escola ao mercado de trabalho; defendiam a profissionalização do ensino médio e a introdução de conteúdos com elementos utilitários e práticos. Hilsdorf (2003) diz que as políticas educacionais implementadas no período, segundo o enquadramento do desenvolvimentismo e da segurança nacional, vão sendo realizadas sob a justificativa ideológica liberal de que se investia na melhoria do capital humano para adequar a sociedade brasileira aos patamares das exigências modernas da produção internacional.

As reformas educacionais de 1968 e 1971 consolidam as orientações dos acordos assinados entre MEC-USAID que enfatizavam a racionalidade, a eficiência e a produtividade,

15Para Ghiraldelli (2001), o comando do aparelho governamental passou a ser exercido por um pacto autoritário baseado na aliança entre a tecnoburocracia militar e civil e a burguesia industrial e financeira nacional e multinacional.

16 A teoria do capital humano propõe que o processo de educação escolar seja considerado como um investimento que redunda em maior produtividade e, conseqüentemente, em melhores condições de vida para os trabalhadores e a sociedade em geral. Importada dos Estados Unidos como diretriz de política social para países em desenvolvimento, teve grande difusão na década de 60. Na década de 70 começa a ser criticada como teoria pré-capitalista. (HILSDORF, 2003).

37 isolando a educação dos contextos social e político. A Lei nº 5.540/68 que implanta a reforma universitária criou os departamentos no lugar do regime de cátedras, os cursos semestrais e o sistema de créditos no lugar de cursos anuais, as unidades profissionalizantes separadas das de pesquisa básica, o vestibular unificado e classificatório no lugar do eliminatório, os ciclos básicos e as licenciaturas curtas e aumentou o número de vagas, sobretudo nas escolas particulares. As reformas efetivavam a mentalidade empresarial dentro da escola conforme a vontade dos técnicos americanos (GHIRALDELLI, 2003). A Lei nº 5.692/71 manteve os objetivos gerais do ensino, expostos nos fins da educação da Lei nº 4.024/61, mas manifestou os princípios da ditadura militar nas determinações, no sentido da racionalização do trabalho escolar e na adoção do ensino profissionalizante no 2º grau, de forma absoluta e universal.

Instituiu as escolas de 1º grau, para ministrar um curso único, seriado, obrigatório e gratuito de oito anos de duração e, através do Parecer nº 45/72, relacionou 130 habilitações técnicas que poderiam ser adotadas pelo 2º grau profissionalizante (GHIRALDELLI, 2003).

A educação desse período também foi marcada pela repressão e pelo terror governamental. O Decreto-Lei nº 477, no artigo primeiro, denominou infração disciplinar de professores, alunos e funcionários dos estabelecimentos de ensino público e particular o aliciamento e a incitação à greve; o atentado contra pessoas, bens ou prédios; os atos destinados à organização de movimentos subversivos; a confecção ou simplesmente a distribuição ou retenção de material subversivo; o seqüestro; o uso do recinto escolar para fins de subversão. A punição consistia na demissão e proibição de readmissão por um prazo de cinco anos (GHIRALDELLI, 2001).

A imposição do econômico sobre o sociocultural e o predomínio do interesse privado sobre o público levou à manutenção e ao agravamento dos problemas da educação escolar. A política educacional da ditadura militar que durou 21 anos, principalmente a implantação do ensino médio profissionalizante, se transformou num enorme fracasso. O distanciamento progressivo entre os controladores dos mecanismos mais íntimos da sociedade política (a tecnoburocracia civil e militar) e a classe dominante (a burguesia) ao longo da ditadura e as impossibilidades técnicas, materiais e financeiras provocaram o fracasso da política educacional, segundo Ghiraldelli (2001). A extinção da profissionalização obrigatória, pelo então general Figueiredo, foi o reconhecimento da falência da política educacional da ditadura militar.

38 O descontentamento da burguesia industrial com os insucessos acumulados pela tecnoburocracia militar e civil deflagrou a contagem regressiva do fim da ditadura militar. A burguesia industrial brasileira, que já havia conquistado espaços significativos na sociedade civil e na sociedade política, vislumbrava a possibilidade do controle direto da sociedade política, sem a proteção do regime criado com o Golpe de 64. Começava de forma negociada, com avanços e recuos, o processo de redemocratização do país. A chegada de opositores ao regime militar nos governos estaduais e a possibilidade de intelectuais da sociedade civil participarem dos seus governos, marcavam o início de uma nova etapa das políticas educacionais.

1.6 A educação no processo de redemocratização e economia neoliberal