5. A EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE
5.3 A EDUCAÇÃO SEXUAL EM PORTUGAL
A educação sexual nas escolas é uma necessidade e um direito das crianças, dos ado- lescentes e jovens, e das próprias famílias, previsto na legislação portuguesa desde 1984 através da Lei 3/84 – Direito à Educação Sexual e ao Planeamento Familiar, onde era defi- nido o papel do Estado como garante do direito à Educação Sexual e se instituía a inclusão de conhecimentos científicos sobre anatomia, fisiologia, genética e sexualidade humanas, adequados aos vários níveis de ensino.
Em 1986, a Lei de Bases do Sistema educativo colocava a educação sexual numa nova área, definida como transversal – a formação pessoal e social.
Posteriormente, em outubro de 1998, procedesse à redação do relatório interministerial para a elaboração do Plano de Ação em Educação Sexual e Planeamento Familiar, onde são anunciadas medidas concretas com vista ao cumprimento da lei de 1984 e onde a edu- cação sexual é entendida como “uma componente essencial da educação e da promoção da
saúde”.
No ano seguinte, em 1999, vê-se reforçada a necessidade de haver um melhor acesso aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva por parte dos adolescentes e jovens através do Plano para uma Política Global de Família.
A Lei 120/99 de 11 de agosto veio reforçar as garantias do direito à saúde reprodutiva; e foi regulamentada pelo Decreto-Lei 259/2000 de 17 de outubro, que referia que a organiza- ção curricular dos ensinos básico e secundário deveria considerar obrigatoriamente a abor- dagem da promoção da saúde sexual e da sexualidade humana, quer numa perspetiva in- terdisciplinar, quer integrada em disciplinas curriculares cujos programas incluíssem a temá- tica.
A escola é percebida como “(…) entidade competente para integrar estratégias de pro- moção da saúde sexual, tanto no desenvolvimento do currículo como na organização de atividades de enriquecimento curricular favorecendo a articulação escola-família.” (Ministé- rios da Saúde e da Educação, 2010).
Através desta legislação a educação sexual é integrada na área da educação para a saúde, da qual também fazem parte a educação alimentar, a atividade física, a prevenção de consumos nocivos, e a prevenção da violência em meio escolar.
O conceito de educação para a saúde fundamenta-se na ideia de que a informação permite identificar comportamentos de risco, reconhecer os benefícios dos comportamentos adequados e originar comportamentos de prevenção.
Assim, podemos afirmar que os objetivos centrais da educação para a saúde são a in- formação e a consciencialização de cada pessoa acerca da sua própria saúde e a aprendi-
zagem de competências que a preparem para uma progressiva autorresponsabilização. A educação sexual foi integrada por lei na educação para a saúde por atender ao mesmo con- ceito de abordagem com vista à promoção da saúde física, psicológica e social.
Em 2009, através da Lei 60/2009 de 6 de Agosto, a Assembleia da República aprova um conjunto de princípios e regras, em matéria de educação sexual, onde desde logo prevê a organização funcional da educação sexual nas escolas. Esta lei é regulamentada pela portaria 196-A/2010 de 9 de Abril de 2010.
“Neste contexto, consagram-se as bases gerais do regime de aplicação da educa- ção sexual em meio escolar, conferindo-lhe o estatuto e obrigatoriedade, com uma carga horária adaptada e repartida por cada nível de ensino, especificada por ca- da turma e distribuída de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo e, por último, estabelecendo-se ainda que a educação sexual deva ser desenvol- vida pela escola e pela família, numa parceria que permita respeitar o pluralismo das conceções existentes na sociedade portuguesa.” (Ministérios da Saúde e da Educação, 2010).
Esta lei dispõe a obrigatoriedade da existência de programas regulares de educação sexual em todos os ciclos de ensino, com uma duração mínima de 6 horas no 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico, e com uma duração mínima de 12 horas no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário. Estes programas deverão acontecer preferencialmente nas áreas curriculares não disciplinares – formação cívica e área de projeto.
A lei também clarifica a estrutura organizativa em que se deve basear a educação se- xual nas escolas, assente numa equipa dinamizadora e nos gabinetes de educação para a saúde.
Assim, prevê a criação de um gabinete de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual, cujo funcionamento será assegurado por profissionais com formação nestas áreas. Este gabinete deverá articular a sua atividade com as unidades de saúde da comunidade local ou outros organismos do estado, nomeadamente o Instituto Por- tuguês da Juventude.
Prevê ainda a criação de uma equipa interdisciplinar de educação para a saúde e edu- cação sexual, com uma dimensão adequada ao número de turmas existentes, por cada agrupamento de escolas e escola não agrupada. Deve designar-se um professor- coordenador da educação para a saúde e educação sexual, que coordena esta equipa.
No artigo 9º desta lei são salvaguardadas as parcerias quer com os profissionais de sa- úde das unidades de saúde quer com a respetiva comunidade local. Cabe à unidade de sa- úde pública competente no âmbito da atividade de saúde escolar apoiar a educação para a saúde e a educação sexual.
As orientações curriculares respeitantes aos conteúdos da educação sexual são defini- das pela Portaria 196-A/2010 de 9 de abril de 2010.
“Os objetivos mínimos da área de educação sexual devem contemplar os seguin- tes conteúdos que podem ser abordados nas áreas disciplinares ou nas áreas cur- riculares não disciplinares.
1º Ciclo (1º ao 4º anos)
Noção de corpo;
O corpo em harmonia com a Natureza e o seu ambiente social e cultural; Noção de família;
Diferenças entre rapazes e raparigas;
Proteção do corpo e noção dos limites, dizendo não às aproximações abusivas.
2º Ano
Para além das rubricas incluídas nos programas de meio físico, o professor deve esclarecer os alunos sobre questões e dúvidas que surjam naturalmente, respon- dendo de forma simples e clara.
3º e 4º Anos
Para além das rubricas incluídas nos programas de meios físico, o professor pode- rá desenvolver temas que levem os alunos a compreender a necessidade de pro- teger o próprio corpo, de se defender de eventuais aproximações abusivas, acon- selhando que, caso se deparem com dúvidas ou problemas de identidade de gé- nero, se sintam no direito de pedir ajuda às pessoas em quem confiam na família ou na escola.
2º Ciclo (5º e 6º anos)
Puberdade – aspetos biológicos e emocionais; O corpo em transformação;
Caracteres sexuais secundários;
Normalidade, importância e frequência das suas variantes biopsicológicas; Diversidade e respeito;
Sexualidade e género;
Reprodução humana e crescimento; contraceção e planeamento familiar; Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório;
Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas; Dimensão ética da sexualidade humana.
3º Ciclo (7º ao 9º anos)
Dimensão ética da sexualidade humana;
Compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa, no contexto de um projeto de vida que integre valores (por exemplo: afe- tos, ternura, crescimento e maturidade emocional, capacidade de lidar com frus- trações, compromissos, abstinência voluntária) e uma dimensão ética;
Compreensão da fisiologia geral da reprodução humana; Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório;
Compreensão do uso e acessibilidade dos métodos contracetivos e, sumariamen- te, dos seus mecanismos de ação e tolerância (efeitos secundários);
Compreensão da epidemiologia das principais IST em Portugal e no mundo (inclu- indo infeção por VIH/vírus da imunodeficiência humana – HPV2/vírus do papiloma humano e suas consequências) bem como os métodos de prevenção. Saber como se protege o seu próprio corpo, prevenindo a violência e o abuso físico e sexual e comportamentos sexuais de risco, dizendo não a pressões emocionais e sexuais; Conhecimento das taxas e tendências de maternidade e da paternidade na ado- lescência e compreensão do respetivo significado;
Conhecimento das taxas e tendências das interrupções voluntárias de gravidez, suas sequelas e respetivo significado;
Compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e re- produtiva saudável e responsável;
Ensino secundário
Compreensão ética da sexualidade humana.
Sem prejuízo dos conteúdos já enunciados no 3º ciclo, sempre que se entenda necessário, devem retomar-se temas previamente abordados, pois a experiência demonstra vantagens de se voltar a abordá-los com alunos que, nesta fase de es- tudos, poderão eventualmente já ter iniciado a vida sexual ativa. A abordagem de- ve ser acompanhada por uma reflexão sobre atitudes e comportamentos dos ado- lescentes na atualidade:
Compreensão e determinação do ciclo menstrual em geral, com particular atenção á identificação, quando possível, do período ovulatório, em função das caracterís- ticas dos ciclos menstruais.
Informação estatística, por exemplo sobre:
Idade de início das relações sexuais, em Portugal e na EU; Taxas de gravidez e aborto em Portugal;
Métodos contracetivos disponíveis e utilizados; segurança proporcionada por dife- rentes métodos; motivos que impedem o uso de métodos adequados;
Consequências físicas, psicológicas e sociais da maternidade e da paternidade de gravidez na adolescência e do aborto;
Doenças e infeções sexualmente transmissíveis (como infeção por VIH e HPV) e suas consequências;
Prevenção de doenças sexualmente transmissíveis;
Prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas.” (Ministérios da Saú- de e da Educação, 2010).
Desta análise do enquadramento legal da educação sexual em Portugal podemos con- cluir que foram precisos cerca de 25 anos para a educação sexual passar de uma mera in- tenção legislativa para um quadro legal e normativo bastante mais claro, quer em termos dos objetivos e finalidades da educação sexual, quer em termos dos seus conteúdos míni- mos, quer ainda na forma como as escolas se devem organizar para a promover.
Por outro lado, verificamos que a sexualidade juvenil e, consequentemente, a educação sexual nas escolas, continuam a ser temas controversos. A própria educação para a saúde ainda é, muitas vezes, entendida como uma atividade extra nas escolas, e não como uma componente essencial da educação das crianças e jovens.