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3.5 AS ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A SAÚDE NO BRASIL

3.5.3 A efetivação do Estado Regulador na saúde – Documento

Investimento Público e da Gestão de Recursos”

O terceiro documento elaborado pelo Banco Mundial, exclusivamente para a política de saúde brasileira, é o ―Governança do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro: fortalecendo a qualidade do investimento público e da gestão de recursos‖, feito a partir de avaliações e propostas, no sentido de modernização da gestão para racionalizar os gastos públicos na área.

O documento aponta um avanço do Estado brasileiro em relação à política de saúde, principalmente pela atuação na atenção básica, mas apresentam alguns desafios que impedem o alcance de eficiência e qualidade do sistema e questiona a despesa pública com saúde, por considerá-la muito elevada.

Este documento, produzido a partir das análises do Banco Mundial, sintetiza uma avaliação feita pelo âmbito da gestão, mais especificamente os gastos em saúde, na tentativa de promover uma otimização desses gastos. Segundo as análises do Banco Mundial, o SUS está carente dos princípios da governança porque tem altos custos com a prestação dos serviços e, mesmo assim, esses não são de qualidade.

Para o Banco, é preciso reverter essa lógica, através da adoção dos princípios de governança, o que tende a reduzir os custos e aumentar a eficiência. Para tanto, são feitas várias orientações no sentido de alcançar o controle dos gastos e a eficiência dos serviços, através da responsabilidade, avaliação e incentivos que segundo o Banco Mundial devem ser executadas de forma articulada e não separadas, para obter tais resultados.

A primeira recomendação preconiza o desenvolvimento e implementação de arranjos organizacionais, proporcionando maior autonomia e autoridade para gerenciar recursos. Com esta recomendação, busca-se desenvolver uma gestão

com maior autonomia e responsabilidade, baseada em dois modelos: o de gestão autônoma, nas grandes unidades, e o de gestão descentralizada, nas unidades menores. Na primeira, ―As unidades com capacidade [...] adequada poderiam receber autonomia total sobre o gerenciamento e aplicação de seus recursos físicos e humanos, tendo apenas que seguir as políticas de saúde do SUS e cumprir um conjunto de objetivos e metas previamente definidos‖ (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 74).

O documento observa, ainda, que vários modelos foram adotados nos últimos anos com ―resultados positivos em vários casos, como o das Organizações Sociais e outras. Um modelo semelhante poderia ser adotado para a maioria das unidades de saúde maiores, principalmente os grandes hospitais de referência‖ (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 74).

Em relação à gestão descentralizada direcionada às unidades menores, o que se preconiza é a adoção de medidas mais flexíveis e autônomas de gestão, no que diz respeito, inclusive, à questão orçamentária, considerando que estas unidades deveriam ser ―transformadas em Unidades de Despesa ou Unidades de Gestão, com níveis menores de autoridade e autonomia, porém suficientes para gerenciar boa parte de seus recursos materiais e toda a informação financeira sobre sua gestão‖ (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 75).

A segunda recomendação é a de aplicar mecanismos para fortalecer a responsabilização gerencial, tais como, os contratos e compromissos de gestão que estimulem os gestores a focarem em objetivos específicos e resultados mensuráveis. Aqui se dá ênfase aos contratos de gestão, pois, segundo o Banco Mundial, este instrumento define de forma nítida as ―responsabilidades e autoridades da unidade, os objetivos e metas a serem alcançados e as atividades a serem desenvolvidas, a necessidade de recursos, critérios claros de avaliação do desempenho da unidade e penalidades para o não cumprimento dos objetivos‖ (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 75).

O documento alerta, ainda, que o ―contrato de gestão‖ é o mais indicado porque tem sido utilizado para modelos de gestão ―autônoma e privatizada‖. Assim, sua utilização poderia ser adequada aos ―modelos de gestão descentralizada no âmbito da administração direta‖. Este último ponto indica, textualmente, o repasse de responsabilidades e atribuições para as unidades, dividindo os deveres com as unidades menores, observando que, para isso, é indispensável que ―as unidades

tenham um grau suficiente de autonomia gerencial e financeira para serem responsáveis pelo seu próprio desempenho‖ (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 75).

A terceira recomendação diz respeito a uma sincronização e alinhamento dos processos de planejamento, orçamento e gestão de informação, na busca do desempenho. Esta sincronização se faz necessária para que haja maior autonomia gerencial às unidades de saúde, assim como uma prática mais responsável. Para tanto, é necessário que o planejamento, o orçamento e os resultados sejam reformulados e se tornem em um instrumento efetivo de gestão local. Para alcançar tais objetivos, é necessário, dentro do contexto da descentralização, incluir-se o processo de repasse para as instâncias locais – municipais –, da gestão, do monitoramento e da avaliação destes resultados.

Outro elemento de sincronização entre planejamento, orçamento e gestão da informação é o sistema de informação com capacidade de oferecer dados em tempo hábil, incluindo ―quatro módulos essenciais: informação orçamentária e de despesa, informação de custos, informação de produção ou técnica e informação de resultados, em termos de eficiência, efetividade e qualidade‖ (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 77).

A quarta recomendação visa consolidar os mecanismos de financiamento e a melhoria no desempenho, através da simplificação do sistema, por meio da adoção de dois aspectos: O primeiro, quanto às exigências e formalidades para a habilitação de estados e municípios; e segundo, no que diz respeito ao sistema de transferências e pagamentos do Ministério da Saúde.

Segundo o documento, uma das medidas feita a favor desta quarta recomendação foi a adoção do pacto pela saúde, no ano de 2006, pelo governo federal, pois difere das regulamentações anteriores e apresenta-se como um elemento de gerência financeira flexível para os entes nacionais. Segundo o Banco Mundial (2007, p. 78), o pacto ainda precisa ser aperfeiçoado para poder atender às metas de desempenho, sendo necessário ―desenvolver instrumentos para permitir o apoio e monitoramento federal ao desempenho de estados e municípios, além de fortalecer a capacidade estadual e municipal no que se refere ao planejamento, orçamento, e monitoramento da prestação de serviços‖.

As orientações se dão também no sentido de simplificação dos mecanismos de transferência de recursos, sintetizando as modalidades existentes em grandes categorias, tais quais: Serviços de Saúde Pública [...], Atenção Básica, Atenção

Ambulatorial de Média e Alta Complexidade e Atenção Hospitalar de Média e Alta Complexidade, tendo como mecanismo de controle desses repasses os relatórios de avaliação de desempenho feito por essas categoria. Para o Banco Mundial (2007, p. 78), as simplificações sugeridas possibilitarão a redução do ―custo administrativo desse funcionamento, liberando recursos humanos para monitorar e avaliar o desempenho e resultados‖.

A quinta recomendação é a de estabelecer sistemas robustos de monitoramento e avaliação. Segundo a avaliação do Banco, estes mecanismos estão enfraquecidos no SUS, sendo preciso fomentar a utilização destes como forma de acompanhar os progressos e medir o desempenho e impactos dos projetos e programas do SUS.

A sexta e última recomendação é a de fortalecer e profissionalizar a capacidade gerencial, adotando técnicas modernas de gestão, entendendo que as unidades de saúde precisam de técnicas que promovam uma gestão efetiva e eficiente voltadas a fortalecer o desempenho técnico e dos recursos. Recomenda-se também o incentivo da capacidade gerencial, nas secretarias e unidades de saúde, seja por meio de treinamentos em técnicas pró-ativas e modernas de gestão e avaliação, seja por meio de contratações de novos gerentes com a mentalidade do Banco, que considera necessários dois níveis de qualificação:

o nível decisório [...] voltado para o tomador de decisão, ou seja, diretores e gerentes; e o nível técnico, voltado para os profissionais responsáveis pela execução das atividades de planejamento, gestão e monitoramento. O primeiro deve ser capaz de analisar e interpretar indicadores de custos, eficiência e qualidade, e deles tirar conclusões e decisões gerenciais. O segundo deve ser capaz de aplicar técnicas de análise e avaliação, organizar dados e calcular indicadores (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 80).

São esses os novos caminhos apontados para o fortalecimento do mercado e para a focalização da política de saúde. Agora, os problemas que não permitem a efetivação do SUS se devem a falhas de governança, ―a falta de incentivos e de

accountability que garantem que os serviços sejam viáveis financeiramente e que

sejam de qualidade aceitável‖ (CORREIA, 2007, p. 25).

Este documento enfatiza a necessidade do Estado nacional brasileiro e dos demais entes federados – Estados e Municípios – transferirem a execução da

política de saúde, principalmente as de média e alta complexidade, para entidades autônomas do terceiro setor ou do setor privado, mas não só estes serviços. Visa também transformar as unidades, os hospitais e os serviços públicos, já existentes em unidades de gestão autônoma, ficando apenas com uma função reguladora e financiadora, o que desqualifica o caráter público desta política. Assim, este documento, junto com os dois acima trabalhados, demonstra que a formatação de uma estrutura regulatória no Brasil foi desenhada por esta agência multilateral e que, portanto, tende a um processo de privatização da política de saúde.

As orientações do Banco Mundial, carregadas pelos princípios neoliberais de fortalecimento do mercado saúde, não tiveram muita dificuldade de se afirmar no Brasil, que já contava com uma forte associação do setor privado competindo de forma desigual com a lógica a favor da política de saúde efetivamente pública. As orientações do Banco Mundial foram moldando a política de saúde, ao longo dos anos 90, gerando novas formas de inserção do segmento privado no tão lucrativo mercado da saúde, seja pelo discurso a favor da focalização, seja pela regulação do setor privado, seja pela necessidade de adoção de novas formas de gestão, que permite a ampliação do mercado via SUS, que, na prática, reforça uma postura financiadora e reguladora do Estado frente à execução da política de saúde, como veremos no capítulo a seguir.

4 OS MODELOS DE REGULAÇÃO NA SAÚDE NO CONTEXTO DAS