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A EMPRESA CAPITALISTA E A EMPRESA SOLIDÁRIA

No documento Cooperativas Incubadas e Dialogicidade (páginas 37-40)

O surgimento do conceito de economia solidária9 trouxe como conseqüência o nascimento de sua unidade principal: a empresa solidária. A empresa solidária encontra-se respaldada pelos valores da economia solidária, diferentemente da empresa capitalista, que possui seu funcionamento de acordo com as regras estipuladas pelo mercado. Assim, os conceitos de empresa capitalista e empresa solidária podem ser melhor compreendidos se apresentados de forma comparativa, a fim de evidenciar suas diferenças e explicitar suas definições.

Singer (2003, p. 14) aponta a ditadura do capital na empresa como principal fator causador da obediência irrestrita dos trabalhadores às ordens emanadas do dono ou de quem age em seu nome, do fruto do trabalho coletivo ser propriedade do capitalista, em cujo benefício todos os esforços devem ser enviados e do trabalhador só fazer jus ao salário previsto con- tratualmente e aos seus direitos legais. Em sua opinião, “administrar uma grande empresa capitalista está provavelmente mais próximo da condução duma guerra em múltiplas fren- tes do que do estudo e resolução de problemas ‘técnicos’”. Ainda segundo o autor:

9 De acordo com Lubich (2002, p. 13), a economia de comunhão caracteriza-se como uma experiência espe- cífica da economia solidária. Segundo Burckart (2002, p. 77), trata-se de “um novo esforço para realizar um sonho antigo como a humanidade. Trata-se, talvez, do sonho mais ambicioso do ser humano viver numa so- ciedade justa, na qual não haja pobres”. A economia de comunhão caracteriza-se pela presença na economia de mercado, atenção tanto na produção quanto na distribuição da riqueza, liberdade de participação e com- promissos que vão além dos limites da empresa (MOLTGNI,2002).

“Dada a tendência estrutural do capitalismo de desempregar, excluir e empobrecer parte da classe trabalhadora, a sociedade tende a se pola- rizar entre uma elite endinheirada e uma massa de pobres que depen- dam da venda de sua força de trabalho para ganhar a vida mas não encontra quem a compre, ao salário modal vigente” (SINGER, 2003, p. 15).

Neste contexto, a empresa solidária é – ou deveria ser – totalmente diferente da gestão ca- pitalista10. Em primeiro lugar porque os conflitos entre interesses seccionais devem ser muito menores e em segundo porque podem ser travados abertamente e resolvidos por ne- gociações em que todos tomam parte. Sendo as decisões coletivas, a experiência de todos os sócios pode ser mobilizada, e esta será sempre muito maior que a experiência duma cú- pula, que na empresa capitalista concentra o poder de decisão (SINGER, 2003, p. 20).

Assim, se a empresa solidária precisa de diretores, estes são eleitos por todos os sócios e são responsáveis perante eles. Não há competição entre os sócios: se a cooperativa progre- dir, acumular capital, todos ganham por igual (SINGER, 2003).

Partindo da perspectiva apresentada acima pelo autor, observa-se que o número de coope- rados afeta a forma de gestão das cooperativas, assim como o seu processo decisório e a participação dos atores que a compõem.

Neste contexto, Sousa Santos (2002, p. 34) ressalta que, na empresa solidária, a estrutura democrática do empreendimento causaria demasiada lentidão no processo de tomada de decisão, o que num ambiente de mercado, poderia comprometer seu desempenho econômi- co.

Com relação às decisões coletivas em empresas solidárias, de acordo com Singer (2003), as mesmas tendem a ser mais certeiras do que as adotadas em empresas capitalista já que

10 Empresas capitalistas formadas por trabalhadores se distinguem de cooperativas nos seguintes pontos: a participação no capital da empresa não precisa ser igual e de fato tende a não ser; a participação de cada sócio nas decisões é proporcional a sua quota de capital; a empresa pode ser dominada por um grupamento de só- cios que possui mais de metade das ações; os lucros são repartidos de acordo com as ações possuídas por ca- da sócio; nem todos os sócios precisam trabalhar na empresa; e esta pode empregar não-sócios (SINGER, 2003, p. 20)

na empresa solidária, prevalecem o poder e o interesse dos sócios, cuja maioria em geral ganha menos por constituir a base da pirâmide de retiradas.

Outra diferença refere-se à forma de remuneração da empresa solidária e da empresa capi- talista. Na empresa solidária, os sócios não recebem salário mas retirada, que varia con- forme a receita obtida. Os sócios decidem coletivamente, em assembléia, se as retiradas devem ser diferenciadas ou não (SINGER, 2004, p. 12).

“(...) na empresa capitalista os salários são escalonados tendo em vista maximizar o lucro, pois as decisões a respeito são tomadas por dirigen- tes que participam nos lucros e cuja posição estará ameaçada se a em- presa que dirigem obtiver taxa de lucro menor que a média das empre- sas capitalistas. Na empresa solidária, o escalonamento das retiradas é decidido pelos sócios, que têm por objetivo assegurar retiradas boas para todos e principalmente para a maioria que recebe as menores reti- radas” (SINGER, 2004, p. 13-14).

Por sua vez, a repartição do excedente anual também é diferente entre as duas tipologias de empresas:

“o lucro na empresa capitalista e a sobra na empresa solidária obede- ce a mecanismos e critérios diferentes num e noutro tipo de empreen- dimento. Na firma capitalista, a decisão sobre a destinação do lucro cabe à assembléia de acionistas, quase sempre dominada por um pe- queno número de grandes acionistas, chamado de ‘grupo controlador’ (...)” (SINGER, 2004, p. 14).

Já nas empresas solidárias – no caso das cooperativas – as sobras têm destinação decidida pela assembléia dos sócios. Uma parte delas é colocada num fundo de educação (dos pró- prios sócios ou de pessoas que podem vir a formar cooperativas), outra posta em fundos de investimento, que podem ser divisíveis ou indivisíveis, e o que resta é distribuído em di- nheiro aos sócios por algum critério aprovado pela maioria: por igual, pelo tamanho da re- tirada, pela contribuição dada à cooperativa entre outros (SINGER, 2004, p. 14). Neste contexto, ainda de acordo com Singer (2004, p. 16):

“O objetivo máximo dos sócios da empresa solidária é promover a e- conomia solidária tanto para dar trabalho e renda a quem precisa co- mo para difundir no país (ou no mundo) um modo democrático e igua- litário de organizar atividades econômicas”.

Assim, quando uma nova empresa solidária surge, a sua estruturação segue uma lógica completamente diferente da empresa capitalista. Em sua origem há em geral uma comuni- dade formada por ex-empregados de uma mesma empresa capitalista ou por companheiros de jornadas sindicais, estudantis, comunitárias etc (SINGER, 2003). A empresa solidária surge não só para permitir ganhos aos sócios, mas como criação de trabalhadores em luta contra o capitalismo, sendo uma opção ao mesmo tempo econômica e político-ideológica. Ela exige dos seus integrantes uma opção contra os valores dominantes da competição in- dividual e da primazia do capital de trabalho.

Por isso, o nascimento de uma empresa solidária requer em geral o patrocínio de apoiado- res externos, que podem ser outras empresas solidárias, incubadoras (órgãos especializados em formar e amparar empreendimentos), sindicatos, entidades religiosas, organizações não-governamentais (ONG), entre outros (SINGER, 2003, p. 20).

No documento Cooperativas Incubadas e Dialogicidade (páginas 37-40)

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