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A REINVENÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO FINAL DO SÉCULO

No documento Cooperativas Incubadas e Dialogicidade (páginas 31-34)

ras de trabalho, o aumento de salários, a seguridade social mais abrangente e de acesso u- niversal, ou quase, tornaram-se realidade nos países desenvolvidos. Até mesmo em países semi-industrializados como o Brasil, os direitos obtidos através dos sindicatos deram a muitos assalariados formais – com carteira de trabalho assinada – um padrão de vida de classe média, de acordo com Singer (2004, p. 109):

“Este avanço de acentuou e generalizou após a Segunda Guerra Mun- dial e debilitou a crítica à alienação que o assalariamento impõe ao trabalhador. Em vez de lutar contra o assalariamento e procurar alter- nativa emancipatória ao mesmo, o movimento operário passou a defen- der os direitos conquistados e sua ampliação. Os sindicatos tornaram- se organizações poderosas, cuja missão passou a ser a defesa dos inte- resses dos assalariados, dos quais o mais crucial é conservar o empre- go. Por meio emprego, os trabalhadores alcançam uma espécie de ci- dadania ‘social’ que compensaria a posição subordinada e alienada que ocupam na produção”.

Como conseqüência, esta situação trouxe o desinteresse crescente pela economia solidária e também pela tolerância com a introdução do assalariamento nas cooperativas e da “pro- fissionalização” de suas gerências, Singer (2004, p. 110) aponta para esta questão e acres- centa:

“Em termos quantitativos, o movimento cooperativista nunca deixou de se expandir em plano mundial, mas qualitativamente é provável que sua degeneração tenha se acentuado. Surgiu uma classe operária que se acostumou ao pleno emprego (...) e se acomodou no assalariamento”. A partir da segunda metade da década de 70 do século XX este quadro mudou. Uma nova crise do sistema capitalista trouxe como conseqüências, o desemprego e o fechamento de empresas e instaurou-se uma situação dramática para a classe trabalhadora (DEFOURNY, 2001).

Neste contexto relativo à crise da chamada sociedade salarial manifestada principalmente pela escassez do trabalho é que as preocupações relativas à economia solidária são com- preendidas na Europa e particularmente na França (FRANÇA FILHO, 2002). De acordo com Laville (1997, p. 63), surge:

“uma forma de política da vida cotidiana (...) através do debate públi- co de problemas sociais e econômicos que hoje não são inteiramente resolvidos nem pelo setor público, nem pelo setor privado. Dezenas de milhares de experiências são testemunhadas: creches associativas e a- tividades em torno da escola, iniciativas de inserção (...)”.

Neste período, segundo Singer (2004, p. 110), grande parte da produção industrial mundial foi transferida para países em que as conquistas do movimento operário nunca se realiza- ram, o que ocasionou a desindustrialização dos países centrais e mesmo de países semi- desenvolvidos como o Brasil, eliminando milhões de postos de trabalho formal.

Aos poucos a instabilidade do emprego se agravou, aumentando o número de desemprega- dos e a competição entre os trabalhadores dentro das empresas para escapar da demissão intensificou-se. Somados a estes problemas, os quais propiciaram a busca por um meio de vida mais justo, Sousa Santos (2002) destaca os seguintes: (i) crescente desigualdade so- cioeconômica; (ii) desequilíbrio na relação patrão-empregado na esfera do mundo do traba- lho; (iii) polarização nas relações internacionais por parte dos países centrais em detrimen- to dos periféricos; (iv) exploração crescente de recursos naturais.

Esta “nova” realidade resultou no ressurgimento, com força cada vez maior, da economia solidária na maioria dos países. Segundo Singer (2004, p. 111), a economia solidária nesta época não foi inventada, “na realidade, ela foi reinventada”. De acordo com o autor, “o que distingue este ‘novo cooperativismo’ é a volta aos princípios, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos, a insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento”. Como principais causas para estas mudanças, Singer (2004, p. 112) aponta:

1. “A primeira destas transformações foi a crise dos Estados do ‘socia- lismo realmente existente’ da Europa Oriental, que estourou em 1985, com a Perestroika e a Glasnot na União Soviética, e culminou em 1991 com a dissolução”;

2. “A outra transformação contextual foi o semifracasso dos governos e partidos social-democratas, principalmente na Europa mas também, mutatis mutandi, na América Latina”.

Estas transformações subverteram a concepção, até então amplamente dominante, de que o caminho da emancipação passa necessariamente pela tomada do poder de Estado. O foco dos movimentos emancipatórios voltou-se então cada vez mais para a sociedade civil: mul- tiplicaram-se as ONGs, a biodiversidade e o resgate da dignidade humana de grupos opri- midos e discriminados (SINGER, 2004, p. 112).

Floresceu então, a partir de 1977 e até 84, uma série de iniciativas para salvar ou criar em- pregos, através de empresas autogeridas pelos próprios trabalhadores e isto com o apoio de alguns sindicatos progressistas. Porém, Singer (2004, p. 112) ressalta que “cumpre obser- var, no entanto, que a reinvenção da economia solidária não se deve apenas aos próprios desempregados e marginalizados”. Segundo o autor (2004), “o programa da economia so- lidária se fundamenta na tese de que as contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de organizações econômicas cuja lógica é oposta a do modo de pro- dução dominante”.

A partir desta “reinvenção” da economia solidária, França Filho (2002, p. 2) observa que estão emergindo novas formas de solidariedade e acrescenta:

“Essas novas formas de solidariedade fazem alusão à iniciativa cristã, ao mesmo tempo que se opõem às formas abstratas de solidariedade, praticadas historicamente pelo Estado, de um lado, e às formas tradi- cionais de solidariedade marcadas pelo caráter exclusivamente comu- nitário”.

Neste contexto, França Filho (2002, p. 3) ressalta que as experiências associativas e coope- rativistas que surgem na atualidade são marcadas em geral por uma dinâmica comunitária do ponto de vista interno ao mesmo tempo em que são abertas ao espaço público, ou seja, voltadas para o enfrentamento de problemáticas locais –, “são alguns elementos que pare- cem constituir uma primeira característica central do fenômeno da economia solidária”.

No documento Cooperativas Incubadas e Dialogicidade (páginas 31-34)

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