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3.3 Análise dos casos de coletas de dados para direcionamento de publicidade

3.3.2 A empresa Decolar.com e discriminação de preços por localidade

A geolocalização do usuário é importante informação para os mais diversos negócios digitais. Saber onde se concentra o seu público sempre foi essencial para o desenvolvimento de campanhas publicitárias. Por sua vez, o mobile marketing se aperfeiçoou a partir da tecnologia de Global Positioning System – GPS, tornando-o mais próximo do usuário no seu celular, bem como com o desenvolvimento da função check-in. Integra-se, assim, publicidade, telefone e internet, possibilitando que os consumidores em potencial também sejam descobertos pela localização.412

Syagnik Banerjee destaca que a publicidade com base na localização não é algo necessariamente novo, já que o posicionamento estratégico de outdoors nas estradas há anos já indicava formas de captar o consumidor ao se locomover.413

Em verdade, desde 1970, o ramo de publicidade se debruça sobre a análise de dados demográficos de clientes, incluindo estudo de salários, raças, etnia, gênero, caixa postal, entre outros. Assim, a partir do local de domicílio era possível identificar grupos-alvo, já que pessoas da mesma raça e com mesmos salários, em tese, moravam na mesma região.414 Com isso, houve

um aprimoramento dessas técnicas, que passam, a partir dos perfis já criados dos consumidores, a possivelmente negativamente discriminá-los.

Assim, práticas comuns a partir do tratamento de dados de localização são as de geoblocking e de geopricing. Em relação ao primeiro, a partir do perfil consumerista predeterminado do usuário, ele pode ser impedido de contratar certos serviços por estar em certa região, por exemplo, uma pessoa residente de certa cidade não encontra vagas em hotéis em sua própria localização em sites de busca, pois o consumo de tais serviços por turistas é mais lucrativo. Quanto ao segundo, analisados os perfis de compras do consumidor, os itens anunciados podem ser mais caros ou mais baratos, variando em função da cidade ou país que a pessoa se encontra.

Para Carel Maske, o geopricing não necessariamente é uma prática ruim. Nos mercados físicos, as companhias há muito programam suas táticas e promoções segundo os

412 BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 22

413 BANERJEE, Syagnik; DHOLAKIA, Ruby Roy, Mobile Advertising: Does Location Based Advertising Work?

International Journal of Mobile Marketing, 2008. p. 05. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2135087> Acesso em: 02 out. 2019.

414 SOLOVE, Daniel. The Digital Person: technology and privacy in the information age. Nova Iorque: New York University Press, 2004. p. 18. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2899131> Acesso em: 27 set. 2019.

aspectos locais, pois de acordo com cada cidade há o custo de vida correspondente, bem como o poder de consumo. A criação de ofertas maiores em certos locais de forma a contribuir com o crescimento de certa economia não necessariamente implica em discriminação, merecendo uma análise mais profunda do que uma proibição geral. Assim, o simples combate ao geopricing se tornaria infundado.415

Quanto ao geoblocking, por sua vez, a União Europeia passou a regulá-lo, notadamente com fins de obter o mercado comum, por meio do Regulamento 2018/302. No Regulamento, o bloqueio geográfico:

É o que acontece quando os comerciantes que operam num Estado-Membro bloqueiam ou restringem o acesso às suas interfaces em linha, nomeadamente sítios Web e aplicações móveis, aos clientes de outros Estados-Membros que pretendem realizar transações transfronteiriças.416

No Brasil, não há na legislação aspecto que toque propriamente nessas práticas, mas há todo o regramento de defesa do consumidor, bem como a novel LGPD. Em relação ao Código de Defesa do Consumidor, no art. 6º, II, são direitos básicos do consumidor: “a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”, bem como no art. 6º , IX, da LGPD, como princípio do tratamento de dados pessoais está a “não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos”.

Ferramentas de turismo on-line têm sido cada vez mais difundidas, acompanhando o crescimento do e-commerce, faturando em 2017 R$ 35,1 bilhões. Neste valor se incluem os principais hábitos de consumo do turismo on-line do brasileiro, que se relacionam a passagens aéreas, reservas de hotéis e pacotes turísticos.417

Neste contexto, destacam-se as empresas Decolar.com e Booking como principais concorrentes no âmbito de reservas de hotéis e serviços afins. Em um caso brasileiro envolvendo as práticas acima, em 2016, houve denúncia do Booking ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, por meio do processo administrativo n.º 08012.002116/2016-21, em desfavor da Decolar.com. O Booking, por

415 MASKE, Carel. Competition Policy and the Digital Single Market in the Wake of Brexit: Is Geoblocking Always as Evil as Most Consumers Believe? Journal of European Competition Law & Practice, [s.l.], v. 7, n. 8. p.509-510, ago. 2016. Oxford University Press (OUP). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1093 /jeclap/lpw069>. Acesso em: 02 out. 2019.

416 CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) 2018/302. Disponível em: <https://eur- lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018R0302&from=EN>. Acesso em: 02 out. 2019. 417 COELHO, Jorge. Turismo Online no Brasil fatura R$ 35,1 bilhões. Fecomércio. 2018. Disponível em:

simulação simultânea de notários em reserva de hospedagem no site da Decolar.com, na cidade de São Paulo, e no site Despegar.com, na cidade de Buenos Aires, registrou valores diferentes para a reserva da mesma acomodação no mesmo hotel, em que os preços para brasileiros eram até 29% mais caros (geopricing). A Decolar.com foi acusada ainda de geoblocking, por constatarem acomodações indisponíveis para brasileiros em três hotéis distintos.

A Decolar.com indicou ser empresa diferente da Despegar.com, contudo, em nova petição do Booking, restou colacionado que o consumidor brasileiro era automaticamente redirecionado à Decolar.com se tentasse entrar no domínio Despegar.com. Além disso, a formatação dos sites, cores e logotipos são as mesmas.

Ao tratar da vulnerabilidade do consumidor, bem como de seus direitos básicos, a Nota Técnica n.º 92/2018,418 entendeu que o geoblocking seria prática abusiva contemplada no

art. 39, IX419 do CDC. Ainda, o geopricing seria contemplado no inciso X420 do mesmo artigo,

já que se buscou elevar sem justa causa o preço de um produto ou serviço, não sendo passível a justificativa da alteração de valores em decorrência do câmbio, já que o consumidor possui a opção de moeda em que vê os valores. Assim, a apresentação dos valores deveria ser a mesma em consultas na mesma moeda.

Com isso, o DPDC arbitrou multa de R$ 7,5 milhões por diferenciação de preço de acomodações (geopricing) e negativa de oferta de vagas, quando existentes (geoblocking), de acordo com a localização geográfica do consumidor, sendo considerada práticas abusivas e discriminatórias.421

Ainda, em 2018, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro propôs Ação Civil Pública n.º 0018051-27.2018.8.19.0001, perante a 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, tendo em vista o Inquérito Civil 347/2016-0004691124, instaurado a partir de representação da empresa Booking, requerendo o órgão indenização mínima de R$ 57 milhões, a ser paga pela Decolar.com. Na tramitação processual, esta requereu segredo de justiça para preservar segredo de negócio, sendo-lhe deferido. Apesar do MPRJ impetrar Mandado de Segurança422 alegando interesse público no caso, bem como que os consumidores possuem o

418 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Nota Técnica n.º 92/2018/CSA-SENACON/CGCTSA/GAB-DPDC/DPDC/

SENACON/MJ. Disponível em: <http://tiny.cc/x4hwdz>. Acesso em: 03 out. 2019.

419 Art. 39, IX: Recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais.

420 Art. 39, X: Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

421 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Despacho n.º 299/2018. Disponível em: <http://www.in.gov.br/materia/- /asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/26176368/do1-2018-06-18-despacho-n-299-2018-26176301>. Acesso em: 03 out. 2019.

422 MPRJ entra com mandado de segurança para anular segredo de Justiça em ação contra Decolar.com. Ministério

Público do Estado do Rio De Janeiro. Disponível em: <https://www.mprj.mp.br/home/-/detalhe-

direito de serem informados sobre os procedimentos adotados pela empresa, o processo permanece em tramitação em segredo de justiça.

3.3.3 A concessionária ViaQuatro da Linha 4 Amarela do metrô de São Paulo e a coleta de