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2.5. Argumentação e Retórica

2.5.3. A Argumentação na Teoria Semiolinguística do Discurso

2.5.3.2. A encenação argumentativa

Até agora falamos da razão demonstrativa. Para Charaudeau (2012), todavia, a argumentação não se constrói unicamente por meio da lógica, sendo necessária também a existência de uma razão persuasiva, dependente tanto do sujeito argumentante quanto de um contrato de comunicação. Aqui, o que pretende o linguista é deixar claro que, para além das propostas sobre o mundo, requer-se que estas estejam em um quadro de questionamento que demandará atos de persuasão. Assim, “toda asserção pode ser argumentativa desde que se inscreva num dispositivo argumentativo”. (CHARAUDEAU, 2012, p. 221).

Para ser considerada argumentativa, então, uma asserção necessita ter sua encenação realizada por meio de configurações diversas dependentes do contrato de fala estabelecido entre os parceiros; o sujeito (ocupante central do dispositivo) precisa tomar posição em relação ao desenvolvimento da argumentação; e, finalmente, este mesmo indivíduo deverá utilizar procedimentos semânticos, discursivos e de composição.

O dispositivo argumentativo, então, será composto por Proposta, Proposição e Persuasão, interligados com vistas a estabelecer a relação argumentativa. Como também utilizaremos a teoria charaudeana em nossas análises, a seguir, serão expostos os procedimentos anteriormente citados.

Procedimentos semânticos

Trata-se da utilização de argumentos sustentados por consensos sociais, uma vez que grupos socioculturais compartilham valores entre si. São cinco os domínios de avaliação apresentados por Charaudeau (2012):

a) Domínio da Verdade: define em termos de verdadeiro e falso aquilo que se relaciona à existência dos seres, ademais do que está no âmbito do saber como princípio único de explicação sobre os fenômenos do mundo.

b) Domínio do Estético: define os seres da natureza, as representações dela própria e os objetos em termos de belo e feio.

c) Domínio do Ético: qualifica os comportamentos humanos (tanto em relação a uma moral externa quanto interna) em termos de bem e mal.

d) Domínio do Hedônico: aquilo que pertence aos sentidos humanos é definido como agradável ou desagradável.

e) Domínio do Pragmático: os projetos que visam atender às necessidades racionais dos sujeitos são qualificados como úteis ou inúteis.

Charaudeau (2012) ainda afirma que a cada um dos referidos domínios correspondem alguns valores, entendidos como normas de representação social.

Procedimentos discursivos

Os procedimentos que Charaudeau (2012) denomina de discursivos estão relacionados à utilização (ocasional ou sistemática) de categorias de língua e de procedimentos dos outros Modos de Organização do Discurso com a finalidade de produzir efeitos de persuasão. O autor destaca a definição, a comparação, a citação, a descrição narrativa, a reiteração e o questionamento.

A definição

Pertence ao Modo de Organização Descritivo e à categoria da qualificação. É a descrição das características semânticas que caracterizam uma palavra no interior de um determinado contexto e objetiva a produção de um efeito de evidência e de saber para o sujeito-argumentante. Há tanto a definição do ser quanto dos comportamentos.

A comparação

Participa das categorias de qualificação e de quantificação. É utilizada para reforçar a prova de uma conclusão, produzindo efeito pedagógico quando a comparação é objetiva e efeito de ofuscamento quando subjetiva. A comparação pode ser feita entre vocábulos gramaticais e lexicais e pode incidir sobre uma semelhança ou uma dessemelhança, além de ser objetiva ou subjetiva, como adiantamos.

A comparação por semelhança evidencia igualdade, proporcionalidade e extensão. Já a comparação por dessemelhança apresenta desigualdade, não-proporcionalidade e não-extensão. A comparação adquire a condição de objetiva quando se faz com um comparante verificável, ao passo que é subjetiva quando utiliza analogias imagéticas destinadas a produzir evidências no interlocutor.

A descrição narrativa

Tem por objetivo descrever fatos ou contar histórias para produzir ou reforçar provas, produzindo um efeito de exemplificação.

A citação

É a referência (o mais fiel possível) à fala ou à escrita de outros locutores, buscando dar um efeito de autenticidade à argumentação. A citação funciona como testemunho de um dizer, de uma experiência e de um saber. De um dizer quando se aponta a fala de alguém para comprovar algo, de uma experiência ao fazer-se referência às declarações de outrem sobre aquilo que viu ou ouviu, e de um saber quando a citação é proveniente de alguma autoridade ou sobre alguma proposta científica.

A acumulação

Está ligada à utilização de vários argumentos que servem à mesma prova. Pode ser uma simples acumulação (“fiz o dever rapidamente porque estava atrasado, depois precisei enviar sem revisão e, depois, ainda tive que avisar o professor”), uma gradação (“eu não somente estava atrasado, como também precisava de nota”) ou uma falsa tautologia (“é assim porque é assim”).

O questionamento

É a colocação em cena de uma Proposta que dependerá da resposta do interlocutor. O questionamento argumentativo, para Charaudeau (2012), pode ter várias visadas: de incitação a fazer, de proposta de uma escolha, de verificação do saber, de provocação e de denegação.

Procedimentos de composição

Os procedimentos de composição, para Charaudeau (2012), repartem, distribuem e hierarquizam elementos nos textos, facilitando a localização de articulações de raciocínio (composição linear) ou o entendimento das conclusões (composição classificatória).

A composição linear, segundo o autor,

[...] consiste em programar os argumentos segundo uma certa cronologia, acompanhada de um jogo de vai e vem entre seus diferentes momentos e de uma pontuação dos tempos fortes da argumentação. (CHARAUDEAU, 2012, p. 244).

São aqui definidas as etapas da argumentação, o vai e vem e os tempos fortes. As primeiras referem-se à organização da argumentação no interior do texto em três ocasiões: começo, transmissão e fim. O vai e vem, por sua vez, retoma momentos da construção argumentativa ou anuncia outros para que se capte seu conjunto. Finalmente, os tempos fortes destacam partes específicas da construção argumentativa como forma de hierarquizar os argumentos e de despertar a atenção do locutor ou do ouvinte em argumentações extensas.

Em nossas análises, enfim, tentaremos identificar a quais dos três tipos de argumentos postulados por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) recorreram Dilma Rousseff e Michel Temer nos trechos selecionados (argumentos quase-lógicos, argumentos baseados na estrutura do real ou argumentos que fundam a estrutura do real). Para ampliar a discussão, traremos a organização da lógica argumentativa (proposta, proposição, persuasão etc.), conforme postulado por Patrick Charaudeau (2012). Acreditamos que aliar conceitos, nesse sentido, agregará valor às observações, pois essas se tornarão mais completas. Já no que concerne à observação do uso das provas retóricas (ethos, pathos e logos), será Aristóteles (2005) nossa principal referência. É, portanto, a partir da junção de três propostas teóricas que buscaremos apresentar nossos resultados e as discussões posteriores.

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