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A entronização dos “autolançamentos” e seus reflexos na estruturação

CAPÍTULO II – O novo perfil da relação fiscal

6 A entronização dos “autolançamentos” e seus reflexos na estruturação

Ensina José Casalta Nabais, que o Estado, na generalidade dos países contemporâneos, mormente nos desenvolvidos, assume a feição de um “Estado Fiscal”. Isto porque as suas necessidades materiais são essencialmente “cobertas através de meios de pagamento, ou seja, de dinheiro que ele obtém, administra e aplica”.138 E tais pagamentos, aponta o autor, advêm da coleta de impostos, daí porque se afirma que, na atualidade, tais Estados teriam perdido o perfil de productive states de outrora, deixando de auferir

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HORVATH, Estevão. Lançamento Tributário e “Auto-lançamento”. São Paulo: Dialética, 1997, p. 80. 138

NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 192.

rendimentos a partir de atividades econômicas, por eles, monopolizadas e hegemonizadas139. A “estadualidade fiscal” significaria, então, uma separação fundamental entre Estado e economia e a consequente sustentação financeira daquele através da sua participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto. Só esta separação permite que o Estado e a economia atuem segundo critérios próprios ou autônomos. Confira-se:

O estado orienta-se pelo interesse geral ou comunitário da realização da justiça, critério que pode falhar, uma vez que, nem sempre, o mesmo é suficientemente claro, para além das vias para a sua efectivação não estarem totalmente isentas de conduzirem a avaliações erradas ou mesmo a confusões do interesse geral com os interesses particulares. A economia, por seu turno, guia-se pelo critério do lucro, ou seja, pela existência de uma relação positiva entre proveitos ou benefícios, de um lado, e custos e perdas, de outro, lucro que não tem de ser o maior possível, nem tem de se verificar todos os anos económicos, pois que ao empresário, para manter a viabilidade da sua empresa, é indispensável, apenas, que, ao menos, a longo prazo, os ganhos compensem as perdas, ou prejuízos acumulados, compensação que, a não se verificar, conduzirá ao perecimento da empresa.140

A separação entre Estado e economia, acima proposta, argumenta José Casalta Nabais, permitiria a realização dos interesses gerais e, ao mesmo tempo, impediria que a dita realização subvertesse o sistema econômico autônomo ou livre. Bem pondera, destarte, que “tendo o estado fiscal um interesse próprio, se bem que indireto, nas receitas da economia, ele não pode, a título de suas tarefas de controlo e correção, ou a qualquer outro, afectar a produtividade da economia”.141 Reconhece, logo, que a cobrança exagerada de tributos, por paralizar a economia, elimina as próprias bases do Estado Fiscal, eis que finda por esgotar a fonte da capacidade financeira deste. Neste sentir, sustenta que, na atuação dos Estados Fiscais, deve se verificar um equilíbrio suficiente para que não seja rompido o princípio da subsidiariedade / supletividade no domínio econômico que lhe é inerente. É, justamente, a partir de tal participação subsidiária ou supletiva do Estado, nos terrenos da Economia, que se afirma, segundo José Casalta Nabais, a livre disponibilidade econômica dos indivíduos – a qual, por sua vez, muito repercute, como pretende demonstrar este tópico, na praxis adotada pela Administração Fiscal.

A ideia de estado fiscal, vista pelo prisma dos indivíduos – que o mesmo é dizer pelo prisma dos suportes passivos ou contribuintes dum tal estado –, significa o reconhecimento da livre disponibilidade econômica dos particulares. [...] Nos termos dessa formulação, o princípio da livre disponibilidade econômica exige que permita,

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Uma análise mais pormenorizada sobre o tema pode ser encontrada em: CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Reflexões sobre a atividade do Estado frente à atividade econômica. Revista Trimestral de

Direito Público, São Paulo, Malheiros, n. 20, p. 68, 1997.

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NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 196.

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NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p.198.

com a maior amplitude possível, a livre decisão do indivíduo em todos os domínios da vida, e que a limitação desta liberdade de decisão apenas seja admitida quando, do seu exercício, sem entraves, resultem danos para a coletividade, ou quando o estado tenha que tomar precauções para que se possa conservar ou manter essa mesma liberdade de decisão.142

A subsidiariedade dos Estados Fiscais no domínio econômico – como é caso brasileiro, eminentemente custeado por ingressos de origem tributária – não lhes retira, decerto, o poder tributário impositivo que historicamente detêm; poder este, contudo, que recebe, na contemporaneidade, novos contornos, a fim de garantir a livre disponibilidade econômica dos administrados, acima tratada, a qual foi conceituada, por José Casalta Nabais, como “o reconhecimento da livre conformação fiscal dos indivíduos, traduzida na liberdade destes para planificarem a sua vida econômica [...] e para atuarem de modo a obter o melhor planeamento fiscal”143. Em arremate à sua exposição acerca da livre disposição econômica dos indivíduos como marca do Estado Fiscal, defende o autor sob consideração, ainda, uma participação dos cidadãos, tão-ampla quanto tecnicamente possível na formação de uma vontade política da comunidade estadual, a partir da instauração e funcionamento de um sistema democrático. Quanto à análise deste último ponto, eximir-se-á o presente estudo, ante o caráter eminentemente dogmático que ostenta.

Bem atende ao contexto de redução das funções que o Estado se propõe a desempenhar na economia, a figura dos “autolançamentos”, neste trabalho entendida como a rubrica que conforma as mais diversas modalidades de constituição dos créditos tributários pelos próprios sujeitos passivos das cobranças fiscais. É que, consoante se pretende esclarecer, a entronização de tais “autolançamentos”, na praxis fazendária dos países, consigna uma dupla vantagem: (i) sob a perspectiva dos contribuintes, permite que estes conformem os negócios jurídicos que venham a celebrar à moldura normativa vigente que lhes imponha menor onerosidade tributária, seja esta proveniente do ordenamento jurídico local ou mesmo internacional, o que, justamente, confirma a autodeterminação, consectária da livre disponibilidade econômica dos indivíduos, anteriormente referenciada como marca contemporânea do Estado Fiscal; (ii) sob a perspectiva da Administração Fazendária, a modalidade de constituição dos créditos fiscais em apreço representa inegável ganho no que se refere à eficiência na cobrança de tributos, deixando para o Estado, apenas, o desempenho de um papel fiscalizador.

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NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 204.

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NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p.206.

Na esteira do parágrafo antecedente, importa registrar que o modelo de Estado Fiscal sob consideração, foi acompanhado pelo aumento do número dos sujeitos passivos, e, por conseguinte, pelo aumento da quantidade e da complexidade das relações jurídicas de cunho fiscal. Coube ao Direito, logo, que não se mantém indiferente à dinâmica social, a adoção de uma nova postura dogmática, a fim de bem atender às necessidades (pragmáticas) da Fazenda Pública frente às demandas – massificadas – da tributação contemporânea. Fala- se, então, na atualidade, no perfil gerencial da Administração Tributária.

Testemunhou-se, então, como visto, sob a perspectiva dos contribuintes, a modalidade do “autolançamento”, como ferramenta de constituição válida do crédito tributário. Isto para que a Administração Fazendária passasse a desempenhar uma função eminentemente de fiscalização e de controle das atividades empreendidas por um sem-número de particulares (atividade de polícia administrativa)144 – aos quais, enfim, foi concedida ampla liberdade de determinação na vida econômica – objetivando conferir, de forma eficiente, a todos aqueles situados em situação jurídica idêntica, um mesmo tratamento, o que, em ultima

ratio, evitaria distorções incompatíveis com os ditames (democráticos) da justiça fiscal. Mais

ainda, sendo os Estados Fiscais custeados por meio de receitas de origem tributária, importa reconhecer que a eficiência buscada pela Administração Fazendária está, contemporaneamente, marcada por uma pressão fiscal nunca antes vista.

Diante da entronização dos “autolançamentos”, ora considerada, revelou-se obsoleto, consoante restará adiante esclarecido, o antigo perfil da relação jurídico-tributária, permeada, outrora, pela imperatividade do poder estatal, cujo corpo administrativo detinha, com exclusividade, competência para imputar, aos cidadãos, responsabilidade pelo adimplemento de tributos. A partir do novo modelo de gestão fiscal em apreço, J. L. Saldanha Sanches, tratou de distinguir as relações jurídicas de cunho fiscal em duas modalidades distintas: (i) as relações jurídicas procedimentais, respeitante aos deveres de cooperação; (ii) as relações jurídicas materiais, de cunho obrigacional, as quais dizem respeito aos deveres de prestação pecuniária, impostos aos contribuintes.145

Evidencia-se fora de contexto, em um Estado Fiscal, marcado pela massificação das relações jurídicas, sustentar a competência exclusiva da Administração

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Trata-se de atividade fiscalizatória amparada por extenso cabedal legislativo, como é o caso, e.g., da Lei Complementar 105/2001, a qual se reporta à transferência, para a Administração Fazendária, de dados bancários dos contribuintes.

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Fazendária para fins de constituição do crédito tributário. Não foi outra a conclusão a que chegou Paulo de Barros Carvalho, que, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, reconheceu o declínio da modalidade de lançamento tributário ex officio:

Acontece que nas ordens positivas das sociedades atuais, o lançamento, enquanto ato jurídico-administrativo que aplica a regra-matriz de incidência a uma situação concreta do mundo circunstante, passou a existir em quantidade cada vez mais reduzida. O tamanho tendencialmente estável dos aparatos administrativos, em proporção ao crescimento acentuado do universo dos sujeitos passivos vem determinando que as legislações atribuam, aos contribuintes, a “competência” para expedir o ato de linguagem responsável pela introdução da norma individual e concreta no sistema do direito positivo. Desse modo, crescem os deveres instrumentais ou formais cometidos ao devedor do tributo, aumentando, correlativamente, o dever de vigilância do Poder Público.146

Com efeito, a transferência, para os contribuintes, do dever de constituir os próprios créditos tributários que entedessem devidos, alterou, sobremaneira, os contornos da relação jurídica de cunho fiscal. Testemunhou-se um recuo da imperatividade estatal pura e simples de outrora para que fosse consagrado um critério (obrigacional) mais voltado à cooperação daqueles que integram os polos ativo e passivo de tal relação. Não é diversa a conclusão a que chegou Diogo Feio:

A evolução do “antigo” modelo da relação jurídica tributária passou por isso pela sua privatização, ou seja pela transferência para os contribuintes de uma série de deveres que originariamente incumbiam à Administração. Este fenómeno tem por isso uma influência directa na actividade de inspecção tributária, visto que esta privatização possibilitou que a Administração se libertasse de uma série de funções, e, em consequência, canalizasse os seus recursos para o desempenho de outras funções, nomeadamente as funções de controlo e fiscalização. Esta realidade conduziu por isso à impossibilidade factual de o Estado conseguir cumprir todas as tarefas a que se encontra obrigado, sem comprometer a sua actividade de controlo, isto é razões de praticidade e exequibilidade que estão na génese deste fenómeno que impõe aos contribuintes a obrigação de auxiliar o Estado na prossecução das suas funções.147

No novo perfil da relação fiscal, ora considerado, um antagonismo ganha relevo: à medida que a Administração vê aumentado o seu poder de fiscalização e controle, ocupando-se, assim, com a gestão dos tributos, perde, para os contribuintes, o espaço que, outrora, era-lhe reservado, no que tange à função de proceder à constituição dos créditos tributários. Trata-se de realidade facilmente verificada, no Brasil, onde, como visto, na praxis fazendária, é patente a atuação dos sujeitos passivos com vistas a: (i) identificar os efeitos tributários decorrentes das condutas que adotam no mundo da vida, situando-as a partir de

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CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª ed.São Paulo: Noeses, 2008, p. 436.

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FEIO, Diogo. A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 117.

coordenadas de tempo e de espaço; (ii) aplicar, a tais condutas, as normas jurídicas que sobre estas incidem; (iii) quantificar o valor da prestação devida.

À Administração Fazendária, foi reservada, com exclusividade, noutro giro, a competência para apurar se os contribuintes efetivamente estão cumprindo, a cada “autolançamento” que empreendem – ou deixaram de empreender – a obrigação tributária principal e o cabedal de obrigações tributárias acessórias que lhe são correlatas, cuja observância lhes foi imposta, a fim de que estes pudessem desempenhar, de forma previsível (do ponto de vista quantitativo e qualitativo), a nova “competência” que lhes foi outorgada. É, justamente, neste particular que, ainda, se verificam, em grande monta, lançamentos, empreendidos por agentes fiscais, com eficácia mais corretiva que constitutiva.148

A “competência” outorgada, aos contribuintes, para que – exercendo a liberdade de determinação econômica que lhes foi conferida pelo modelo de Estado Fiscal – pudessem constituir os próprios débitos frente ao Erário, não se compatibiliza, por certo, conforme demonstrará este trabalho, com a evasão fiscal. Não deve a fraude, logo, razoavelmente, escapar ao exercício do poder de fiscalização e controle da Administração Fazendária. Destacou-se bem o termo fraude, eis que, na estadualidade fiscal contamporânea, há sim espaço para as modalidades de economia de tributos licitamente empreendida pelos indivíduos, a partir dos “autolançamentos” que, validamente, promovam.

Centrando-se no caso brasileiro, por mais que vozes discordantes da doutrina – em observância estrita ao art. 142 do CTN – reservem, exclusivamente, à Administração, a competência para promover lançamentos tributários, é certo que, na praxis fazendária pátria, verificam-se hipóteses em que os próprios contribuintes, através de normas individuais e concretas, procedem à constitução de seus próprios débitos de cunho fiscal. Neste particular, interessante é a posição sustentada por Denise Lucena Cavalcanti, para quem, o fato de o crédito tributário poder ser constituído, diretamente, pelo cidadão contribuinte, sequer retira o caráter compulsório do tributo, previsto no art. 3º do CTN. Compulsório, segundo a autora, seria o pagamento, e não o lançamento149.

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Idêntica é a posição de Paulo de Barros Carvalho: “No modelo atual, o Fisco exerce atividade controladora do poder privado, deparando-se com eventos que denotem a possibilidade de direitos subjetivos da fazenda pública. Nesses casos, o ato de constituição do crédito é produzido com o objetivo de desconstituir aquel’outro de iniciativa do sujeito passivo, no contexto, é claro, do processo administrativo tributário.” (Direito Tributário,

Linguagem e Método. 2ª ed.São Paulo: Noeses, 2008, p. 436).

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CAVALCANTE, Denise Lucena. Crédito Tributário: a função do cidadão-contribuinte na relação tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 99. No mesmo sentido, posiciona-se James Marins: “Há hipóteses cada vez mais

Na realidade brasileira, percebe-se que o recuo da Administração Fazendária, no que tange à constituição dos créditos tributários, foi acompanhado pelo aumento das declarações prestadas pelos contribuintes e/ou por terceiros vinculados aos fatos geradores dos tributos; declarações estas, inicialmente, reguladas pelo Ministro da Fazenda (art. 5º do Decreto-Lei nº 2.124/84) e, hoje, postas sob o crivo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme prescrito no art. 16 da Lei nº 9.779/99. Confirma-se tal assertiva, facilmente, com alguns exemplos, correntes na praxis fiscal pátria, de que fazem parte: (i) as Declarações do Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas; (ii) a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF (IN SRF 126/98); (iii) a Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte - DIRF (IN SRF 146/99); (iv) a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias - DIMOB (IN SRF 304/03); (v) o Demonstrativo do Crédito Presumido do IPI - DCP (IN SRF 314/03); (vi) o Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais - DACON (IN 365/03); (vii) a Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira - DIMOF (IN SRF 811/08); (viii) a Declaração de Serviços Médicos e de Saúde - DMED (IN SRF 985/09); (ix) a Declaração sobre Operações Imobiliárias - DOI (IN SRF 1.112/10) etc. Ilustra a redefinição da atuação fazendária em foco, o julgamento, no Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial n. 1.105.947/PR, no qual, examinando a obrigatoriedade da apresentação anual da Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias – DIMOB, criada pela Instrução Normativa SRF 304⁄2003, por construtoras, incorporadoras, imobiliárias e administradoras, concluíram os Ministros: (i) que o sistema tributário moderno baseia-se nas informações prestadas pelo próprio contribuinte e por terceiros envolvidos com as operações e situações tributadas, posteriormente verificadas pela Administração; (ii) que as relações de massa exigem essa sistemática para garantir a eficiência da arrecadação e a justiça fiscal; (iii) que não fosse a participação dos sujeitos passivos nos lançamentos tributários, seria necessária uma superestrutura fiscalizatória, em

frequentes na legislação tributária brasileira em que a exigibilidade do crédito tributário se dá independentemente do labor da autoridade fiscal em realizar a formalização da obrigação, pois nesses casos a própria norma tributária alberga o plexo de elementos necessários à perfeita individualização da obrigação (critério material, espacial e temporal) e modo de adimplemento, sobretudo quanto aos prazos de declaração e vencimento da obrigação (prazo certo de vencimento), que, em verdade, conferem exigibilidade ao crédito independentemente de qualquer notificação fazendária, ou, em outras palavras, é o especial conteúdo da norma tributária disciplinadora dos tributos que sujeita o contribuinte ao lançamento por homologação ou por declaração que atribui exigibilidade ao crédito tributário.” (Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 209).

cada esfera de governo, capaz de auditar individualmente milhões de contribuintes a cada ano, o que seria “irreal, antieconômico, ineficiente e contraria o princípio da boa-fé objetiva”.150

É inegável a presença, na estadualidade fiscal brasileira, do ato-norma

formalizador instrumental, por meio do qual o particular, avaliando a juridicidade de um

suporte fático realizado, constitui o próprio débito para com o Erário, participando, ativamente, da arrecadação estatal. Trata-se de realidade da qual não se afasta, inclusive, a jurisprudência pátria, a qual considera dispensável um novo ato (proveniente da Administração Fazendária) de formalização do crédito, quando este constar de declaração previamente emitida pelo próprio contribuinte.151

É forma de constituição do crédito tributário, por ato do sujeito passivo, também, também reconhecida pela jurisprudência pátria, o depósito judicial, do montante que será debatido, em Juízo, pelo contribuinte. Isto porque, nesta hipótese, o próprio sujeito passivo da exação procederá à quantificação do valor que entende devido, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, à mesma referente, sem que a Administração Fazendária concorra para tanto.152

O novo papel desempenhado, pelos contribuintes, com vistas à constituição dos próprios débitos junto ao Erário, consoante brevemente alinhavado no início deste tópico, tem redefinido os contornos da relação fiscal, a qual tem assumido um caráter menos impositivo – sob a perspectiva estatal – e mais obrigacional. A intervenção administrativa (reduzida), na contemporaneidade, cinge-se, como se verá adiante, aos casos de incumprimento, pelos particulares, de seus deveres para com o Fisco, ao “momento patológico da relação jurídico- tributária”, na expressão de J. L. Saldanha Sanches.153

Como visto, sendo a quantificação das obrigações tributárias tarefa cada vez mais complexa, diante da dinâmica econômica contemporânea, seria pouco eficiente continuar a submetê-la, integralmente, ao crivo da Administração Pública, daí porque os

150

STJ – REsp 1105947/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 27/08/2009.

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É o que diz, exatamente, a Súmula nº 436 do STJ: “a entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.” Confira-se ainda: STJ – REsp 962379/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 28/10/2008.

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STJ – AgRg no REsp 1163271/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 04/05/2012. No mesmo sentido: STJ – REsp 1216466/RS, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 04/12/2012.

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contribuintes testemunharam o acréscimo, ao seu tradicional dever de prestação pecuniária, de outros, voltados à cooperação com os entes tributantes – especialmente porque são os próprios contribuintes aqueles que detêm, em realidade, a melhor informação sobre o reflexo tributário dos atos negociais que adotam no mundo da vida.154

Não há mais como se atribuir, à novel relação tributária, a condição de locus privilegiado para o mero exercício do poder estatal pelo agentes fazendários, em que os