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1. Abordagem Organizacional da Escola

1.1. A Escola como Organização

A sociedade actual é uma sociedade de organizações. As actividades inserem-se nas organizações e estas têm pessoas sendo as organizações interdependentes.

Clarificando o conceito geral de organização, embora existam muitas dificuldades em fazê-lo pois há uma série de varáveis em seu redor que estabelecem relações umas com as outras, este inclui várias entidades sociais

(empresas, hospitais, escolas, prisões...) que, apesar de possuírem

características comuns que permitem classificá-las como organizações, possuem, também, aspectos diferenciadores.

Etzioni (1984: 3) esclarece que as organizações constituem unidades sociais intencionalmente construídas e reconstruídas a fim de atingir objectivos específicos e Mitchell (1983: 10) adverte igualmente para o conceito de organização que integra a existência de pessoas que trabalham juntas para atingir um fim comum. Na mesma linha de pensamento, Mélèse (1979: 82) refere que uma organização é um conjunto de indivíduos que utilizam um conjunto de meios para realizar tarefas coordenadas em função de objectivos comuns.

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Na sequência da importância que, a partir da década de 40, se começou a dar ao papel das pessoas e à sua participação nas organizações, estas passam a ser entendidas como sistemas sociais baseados na cooperação entre as pessoas (Chiavenato, 2002: 142). Então,

uma organização somente existe quando ocorrem conjuntamente três condições:

a)- interacção entre duas ou mais pessoas; b)- desejo e disposição para a cooperação; c)- finalidade de alcançar objectivo comum

(Chiavenato, 2002: 142-143).

Ao alcance dos objectivos comuns juntamos o dos objectivos individuais, pois qualquer indivíduo tem o seu próprio projecto de vida que quer ver concretizado, daí a linha de pensamento de Kamoche, citado por Cunha e outros (2003: 3) ao considerar as organizações como colectividades capazes de alcançar os seus objectivos por permitirem àqueles que nelas trabalham o alcance dos seus próprios objectivos. Esta tentativa de definir o conceito em questão está de acordo com a explicação de Tsoukas, referido pelo mesmo autor (2003: 3), quando diz que as organizações formais são três coisas ao mesmo tempo: (1) contextos em que a acção individual tem lugar; (2) um conjunto de regras para a acção; e (3) comunidades históricas, cuja identidade se desenvolve ao longo do tempo.

Em sentido genérico, uma organização poderá, então, ser entendida como uma entidade social, conscientemente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas, que funciona numa base relativamente contínua, tendo em vista a realização de objectivos (Bilhim, 2001: 21).

Estas definições permitem identificar elementos comuns, realçando a existência de pessoas que pretendem atingir determinados fins de forma planeada e coordenada, sendo o potencial produtivo do grupo muito superior do que a soma das capacidades individuais. Desta forma, numa primeira análise, destacamos na composição de uma organização, indivíduos ou grupos de indivíduos com capacidades e competências próprias, determinadas modalidades de funcionamento e de interacção entre eles, que constituem a sua estrutura e

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uma coordenação racional, através de processos de gestão, que facilitem o alcance dos objectivos a que se propõem. As organizações revestem-se de características, simultaneamente, sociais e técnicas; as primeiras integram pessoas, agrupadas de determinada forma e com objectivos organizados e as segundas são formadas por estruturas físicas, equipamentos, tecnologias e

processos de gestão. Seguindo o pensamento de Santos Guerra (2002), as

organizações são constituídas por duas componentes interligadas: a nomotética ou institucional e a ideográfica ou pessoal.

A dimensão nomotética é formal, sistematizada, relativamente estável, quase sempre explícita, previsível e pode ser conceptualizada, independentemente das pessoas. […] A dimensão ideográfica refere-se às pessoas. Representa o imprevisível, o instável, o informal. Dentro da escola, os indivíduos mantêm as suas posições, as suas atitudes, as suas motivações, as suas formas de ser. […] Os indivíduos, apesar dos papéis que têm que desempenhar, continuam a ser eles mesmos.

(Santos Guerra, 2002: 77) Pese embora nos confrontarmos com uma variedade de definições acerca das organizações em geral, identificamos características que podemos adaptar para o campo de estudo das escolas, pois segundo Lima (1992: 42) é difícil encontrar uma definição de organização que não seja aplicável à escola e podemos mesmo dar-lhe um destaque especial por se tratar de uma organização onde a maior parte da população passa um período mais ou menos longo da sua vida. Contudo, o mesmo autor considera que, apesar de consensual o carácter organizacional da escola e o seu entendimento como organização, parece ser difícil extrair uma definição, dado que as razões invocadas, as características apontadas, as dimensões consideradas relevantes e as propriedades organizacionais atribuídas estão longe de obter consenso. Lima (1992: 83), a este propósito, refere que, do ponto de vista de uma educação tradicionalmente centralizada, a escola é mais frequentemente vista como uma unidade elementar de um grande sistema – sistema educativo, sendo este que, nesta perspectiva, é apreendido como uma organização, uma macro-organização.

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A escola, entendida como organização, constitui um objecto de estudo que só nas últimas décadas conquistou um espaço central no campo da investigação educacional, com vários autores a denunciarem que esta área não teria merecido suficiente atenção. É esta a ideia que nos transmitia Natércio Afonso (1992: 42) quando referia: A consideração de que a escola tem características próprias, quando comparadas com outras organizações, como por exemplo as empresas, tem servido de álibi para justificar resistências à consideração da escola como objecto de estudo de análise organizacional. Porém, mais tarde, o mesmo autor, partindo da presença de um certo número de elementos que a escola, como organização, partilha com a maioria das outras organizações, considera que ela

é constituída por actores cujas interacções mútuas, na prossecução de interesses próprios e estratégias específicas, dão origem a uma estrutura que delimita um contexto para essas interacções, [...] é uma realidade socialmente construída, a partir da acção dos seus membros, definindo um contexto em contínua reconstrução, um espaço de afrontamento e de negociação (explícita ou latente) de conflito e de cooperação (formal e informal), constitutivos de finalidades formais, de políticas internas e de relação com o exterior, de procedimentos padronizados, de afinidades, cumplicidades e antagonismos, em suma, de uma cultura organizacional específica

(Afonso, 1999: 46)

Esta perspectiva vai de encontro à óptica de Crozier e Friedberg (1977) em que a escola enquanto organização resulta do facto de ter de construir-se, desenvolver-se e manter-se num contexto marcado por algumas limitações, entre as quais especificamos as seguintes: a interdependência limitada dos seus membros pois, tanto professores, pais, alunos, pessoal não docente e todos os outros intervenientes, mantêm uma certa margem de liberdade de acção, não estando totalmente dependentes uns dos outros; a racionalidade limitada dos comportamentos de todos os envolvidos, cada um procurando uma determinada conduta; e, por último, a legitimidade limitada dos fins da organização, considerando que existem vários objectivos para atingir, entrando os ‘oficiais’ em concorrência com os individuais e grupais que cada interveniente desenvolve no

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prosseguimento dos seus próprios interesses. Em suma, a organização e o funcionamento da escola não resultam apenas de uma racionalidade única, por exemplo, a do legislador, mas sim do resultado de uma estruturação de um campo de acção em que possa haver cooperação entre os actores que são relativamente autónomos e têm interesses específicos. No entanto, depois de formalizada, essa estruturação pode apresentar alguns constrangimentos entre os seus membros, que Crozier (1963) apelida de “disfuncionamento burocrático” que entra num “círculo vicioso”, sintetizando-o em quatro características essenciais: o número elevado de regras impessoais, definindo todas as funções e comportamentos a adoptar até ao mais pequeno detalhe, a centralização das decisões, o isolamento de cada categoria hierárquica e a pressão do grupo sobre o indivíduo e, por fim, o desenvolvimento de relações de poder paralelas. A extensão das regras impessoais e a centralização das decisões não impedem a existência de zonas de incerteza pertinentes onde se estabelecem outras relações de poder e se originam conflitos que levam ao reforço do clima de centralização e de impessoalidade. Tudo isto nos leva a referenciar Santos Guerra (2002: 168) quando nos diz que

Alguns autores caracterizam a escola como uma instituição paralítica porque não possui capacidades para actuar por si própria. A abundância de prescrições legais e de pressões sociais que existem sobre o funcionamento da escola não têm equivalente em nenhuma outra instituição (agrícola, de saúde, bancária...). Por isso, essa instituição, forçosamente domesticada, tem de desempenhar a tarefa de desenvolver a autonomia dos seus protagonistas.

Deste modo, podemos dizer que as duas componentes das Organizações, que referimos atrás, a nomotética e a ideográfica, se entrelaçam facilmente na Escola, pois referimo-nos a instituições

com fins ambíguos e contraditórios, com uma articulação hierárquica, com uma forte dependência externa, com uma aparente neutralidade ideológica, heterónimas no que diz respeito aos fins e sobre as quais se exerce um

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apertado controlo social [...] a dimensão ideográfica multiplica-se nas diferentes perspectivas a partir das quais é possível contemplar a escola.

(Santos Guerra, 2002: 41) Numa perspectiva também importante para compreendermos melhor a

escola e as suas finalidades, vejamos Formosinho (1985: 5) que considera a escola como organização específica de educação formal, caracterizada pela sistematicidade, sequencialidade, contacto pessoal directo e prolongado, certificando os saberes que proporciona através de um título ou grau, sendo-lhe implícita a atribuição de finalidades e funções muito concretas que claramente ajudam a distingui-la das outras organizações. O objectivo principal da escola é a função de educação37 que visa a realização pessoal do educando e a sua realização social e comunitária.

Identificando nós a escola também como um complemento da família e tendo em vista o objectivo referido anteriormente, atribuímos-lhe finalidades próprias que enumeramos como principais, de acordo com Formosinho (1992): finalidade cultural ao pretender transmitir todo um património de conhecimentos e técnicas; finalidade socializadora, ao fazer a integração dos jovens na

comunidade, transmitindo-lhe as suas normas e valores; finalidade

personalizadora, ao promover o desenvolvimento integral da pessoa e finalidade igualizadora, tentando corrigir as desigualdades sociais e possibilitar que todos alcancem o sucesso.

Podemos acrescentar ainda que a escola também tem a função de certificação, cumprida através da atribuição de diplomas ou certificados correspondentes às habilitações académicas adquiridas e que é importante para a mobilidade social e acesso a determinadas áreas do mundo do trabalho ligadas a posições de status e de poder; outra função importante que hoje a escola não pode ignorar e para a qual ainda não está muito bem organizada, é a função social, de substituto familiar, numa altura em que todos os membros da família trabalham fora de casa e em que a criança precisa da escola também fora das horas das aulas.

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Achamos importante referir a este propósito que, tal como salienta Baptista (1998: 61)“a educação é entendida como um projecto, como um processo humano necessariamente aberto à alteridade do tempo”, que deverá estar em consonância com os valores e necessidades da sociedade.

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Actualmente, e de acordo com a autonomia “concedida” à Escola, esta deve esforçar-se por redefinir e adequar as suas finalidades e funções conforme a realidade concreta de cada comunidade local, optimizando os seus modos próprios de funcionar que conduzam ao sucesso educativo dos alunos que a frequentam e cumpra, em termos gerais, a sua função de educação.

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