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CAPÍTULO I SOCIEDADE, TRABALHO E ESCOLA

1.3 A ESCOLA E OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

Ao defender a escola como local político e cultural, Giroux (1997) discute a respeito da condição dos professores como intelectuais transformadores. É necessário que tragam a unidade entre a linguagem da crítica e a da possibilidade da transformação, no sentido de que podem promover as mudanças. Nessa direção, os educadores realizam as manifestações contra as injustiças econômicas, políticas e sociais no espaço da escola e também fora dele.

Há uma complexidade envolta na atuação dos professores para também reconhecerem-se como sujeitos capazes de promover a mudança. Isso porque fazem parte da sociedade e enfrentam condições dilemáticas. As condições de reconhecimento, de precarização e de intensificação do seu trabalho podem levar a realizarem suas práticas de forma repetitiva. A busca por organizarem-se coletivamente para melhorar as condições em que trabalham torna-se cada vez mais difícil.

O trabalho dos professores envolve a criação de ações, de modo a partilharem com a sociedade seu papel diante da reforma da escola pública. Ao analisarmos as questões sobre o clima político e ideológico, no entanto, percebemos que seu trabalho envolve o movimento de criar condições que ofereçam aos estudantes a oportunidade de tornarem-se cidadãos, a partir do conhecimento e da coragem para lutar (GIROUX, 1997).

No viés referente a uma duplicidade que envolve o campo educacional, a escola é capaz de legitimar práticas dominantes e, também, propor ações para a mudança. Desse modo, a pesquisa de Apple (1989) revela que, no caso dos estudantes, as contradições experienciadas por eles na escola “[...] podem terminar por reforçar as instituições e ideologias às quais eles parecem se opor, ao mesmo tempo que oferecem um terreno para uma ação transformadora” (APPLE, 1989, p. 109). Isso também poderá ocorrer com os professores, caso realizem seu trabalho de modo técnico, devido à intensificação deste. É possível até mesmo dizer que há o divórcio entre trabalho físico e mental (APPLE, 1989), retomando aqui as discussões realizadas por Giroux (1997) sobre os professores cumprirem, ou melhor, implementarem o que concebem os especialistas em currículo, instrução e avaliação, na perspectiva das racionalidades tecnocráticas e instrumentais. Com tal

ação, ampliam-se as situações relacionadas ao pouco reconhecimento social sobre o trabalho docente, com constante aumento da sua intensificação.

Sobre as condições da docência e a transformação social, Giroux (1997, p. 163) analisa: “Apesar de parecer uma tarefa difícil para os educadores, esta é uma luta que vale a pena travar. Proceder de outra maneira é negar aos educadores a chance de assumirem o papel de intelectuais transformadores”. Assim, fica-nos perceptível que os professores vivenciam condições adversas para a realização de seu trabalho. Para assumirem o papel de intelectuais transformadores, necessitam trazer discussões que gerem esperança nos estudantes. A finalidade é desestabilizar o grupo e proporcionar o movimento, na realidade em que os sujeitos se encontram inseridos. O conflito entre os conceitos já arraigados com as novas formas de ver a sociedade é extremamente positivo, para que aconteça um processo de restruturação do habitus. A escola, nessa dimensão, é reconhecida como espaço em que ocorre a formação da consciência do professor e do aluno. A escola é vista como agente de controle social e cultural que transforma.

O rompimento da divisão do trabalho, por um lado, possibilita uma influência muito restrita dos professores sobre as condições ideológicas e econômicas de seu trabalho. Por outro lado, possibilita para o professor assumir e ser reconhecido como intelectual transformador. O ensino, ao ultrapassar o treino, envolve a educação de uma classe de intelectuais, e esse é um aspecto vital para pensarmos em uma sociedade livre (GIROUX, 1997).

A categoria de intelectual relaciona a educação dos professores, a escolarização pública e a formação profissional com o desenvolvimento da democracia. Ao trazer o conceito de professores como intelectuais, eles serão os responsáveis por levantar as questões sobre o que ensinam, como realizam e o que buscam alcançar. Logo, isso “[...] significa que eles devem assumir um papel responsável na formação dos propósitos e condições de escolarização” (GIROUX, 1997, p. 161). Ao assumirmos a função social dos professores como intelectuais, é possível encontrarmos base teórica para discutir sobre a atividade docente, estando identificada como forma de trabalho intelectual. As condições ideológicas e práticas necessárias para que a discussão ocorra, com esclarecimento sobre o papel que os professores desempenham na produção e na legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais, por meio das pedagogias que utilizam, também faz parte da compreensão do professor assumida como intelectual transformador.

Repensar e reformar as tradições e as condições que, ao longo dos anos, impediram os professores de assumir todo o seu potencial de estudiosos e de profissionais ativos e reflexivos traz discussões sobre os professores como intelectuais. É uma forma de salientar que eles desempenham funções sociais concretas que precisam ser contextualizadas, no sentido de revelar quais relações estabelecem com seu trabalho e com a sociedade dominante (GIROUX, 1997).

A flexão “tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico” é utilizada por Henri Giroux (1997) para discutir o que é essencial ao professor como intelectual transformador. O conceito de tornar o pedagógico mais político abrange o fato de aproximar intensamente a escolarização da esfera política, no sentido de que as escolas se direcionem para definir o significado e a luta em torno das relações de poder.

Ao referirmo-nos sobre o termo “tornar o político mais pedagógico”, as discussões de Giroux (1997) trazem os alicerces para ancorar-se em formas de pedagogia que incorporem interesses políticos com natureza emancipadora. Significa utilizar formas de pedagogia que identifiquem os estudantes como agentes críticos. As formas de pedagogia oportunizam problematizar sobre o conhecimento, dialogar criticamente e argumentar sobre a transformação de uma sociedade mais justa, tendo como ponto de partida não o estudante de forma isolada, mas como indivíduo e seus grupos culturais, raciais, históricos, de classe e gênero. As particularidades do estudante são, assim, consideradas.

Ao apresentar o conceito de educação para a cidadania, Giroux (1986, p. 262) enfatiza que esta “[...] deve ser fundamentada em uma reformulação do papel que os professores devem desempenhar nas escolas”. Para tanto, a cultura da totalidade é citada, com o acompanhamento da redefinição de cultura e de poder. Nessa discussão, compreensões sobre as contradições e as mediações que perpassam teoria e prática educacionais são indispensáveis.

Para defesa da educação para a cidadania, Giroux (1986, p. 262) posiciona- se da seguinte forma: “No seu cerne, essa forma de educação é política, e seu objetivo é uma sociedade democrática genuína, que seja sensível às necessidades de todos e não apenas de alguns privilegiados”. Fica nítida a relação que a educação estabelece com a crítica à condição em que ocorre a exploração do homem pelo homem, resultando no fenômeno da alienação. Para a concretização dessa intenção, as relações de sala de aula necessitam trabalhar com o saber como

algo mais do que a aprendizagem de um corpo de conhecimentos. Por isso, o saber encontra-se na condição de engajamento crítico e capaz de distinguir o que é essência e o que se constitui como aparência.

Aprender a pensar criticamente é também uma das práticas que os estudantes devem ter para, além de avaliar a sociedade existente, pensar e agir. Com isso, sua própria visão considerará diversas possibilidades da sociedade e modos de vida também distintos (GIROUX, 1986).

Diante dos impactos da reestruturação produtiva na trajetória dos sujeitos, ao findar o presente capítulo, defendemos o trabalho do professor como meio de extrapolar momentos que proporcionem ao aluno a apreensão de conhecimentos fragmentados. Ao olhar a organização social e considerar a centralidade do trabalho nela e as contradições do mundo do trabalho, o professor intelectual analisa e propõe formas para que a escola, mesmo recebendo as influências de nível mais abrangente, consiga trabalhar para minimizar as desigualdades de natureza econômica e social.

A escola não é impermeável diante das influências que recebe da organização social, pois ela altera essa sociedade. É o que podemos denominar de via com sentido duplo continuamente. Por isso, a defesa da posição do professor, na qualidade de intelectual, para problematizar sobre a realidade, conforme Giroux (1997) traz o papel do professor enquanto atuante na transformação social como central e constitutivo da ideia de intelectual crítico. Concomitantemente à posição de o professor propor mudanças sobre o real, vêm repercussões do modo de organização social e influência do habitus na forma de o professor ver o mundo, compondo também suas representações. Assim, o aprofundamento sobre a elaboração das representações ocorre no capítulo seguinte.